31 março, 2007

*À conversa com...

José Barros (© Georges Pacheco)

...Georges Pacheco
O espaço cultural Silo, no Porto, abriu ontem as portas a dois projectos originais: O Olhar dos Cegos e A Memória das Lágrimas.
No primeiro, Georges Pacheco, fotógrafo nascido em França filho de pais portugueses, tenta perceber como é que os cegos abordam a questão do auto-retrato, no segundo reflecte sobre aquilo a que chama “os mecanismos do choro”. Pacheco tem uma formação académica em psicologia e arte. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1991 e desde 1992 que expõe regularmente em França e em Portugal. Em 2002, mostrou o trabalho Santo António em Alfama no Arquivo Fotográfico Municipal em Lisboa. Esta conversa por telefone aconteceu durante um intervalo na montagem das exposições no Porto.

Por que é que fotografas?
Essa é a grande questão. Tento resolver pela fotografia o que não consigo resolver por outro tipo de linguagem. É uma maneira de me confrontar com a realidade, com o outro, com o exterior. Gosto de me confrontar com as pessoas, com o humano, para tentar chegar à essência, àquilo que é primordial. É também uma forma de me conhecer.

Achas que quem se auto-retrata pela fotografia está sempre a mostrar outra pessoa?
O auto-retrato é um jogo complexo. No caso do trabalho A Memória das Lágrimas, eu não ficava na sala durante a execução final do trabalho, mas o meu olhar sim.

Preferes que o fotógrafo não tenha muito protagonismo. Porquê esta opção pelo seu “desaparecimento”?
É importante para mim. É uma forma de conviver com a fotografia. É uma hierarquia de poder entre o que se chama o modelo, o sujeito fotográfico, e o fotógrafo. Quando o fotógrafo parte para a fotografia já vai com uma série de desejos, vai com uma série de preconceitos sobre o que vai fazer. Quer fazer uma fotografia “bonita”. Tento fugir a isso, libertar-me para chegar a uma certa verdade. Pode ser a verdade de um modelo que fica sozinho perante uma câmara, confrontado consigo mesmo. Quando falo de um regresso a si, quero que as pessoas sejam mesmo autênticas, não finjam, não mintam naquele momento. Quero que se entreguem de corpo e alma a uma coisa muito íntima que é realizar um auto-retrato numa intimidade muito grande. Quer o trabalho dos cegos ou o das lágrimas, a pessoa, está num momento de grande intimidade.

Esta situação em concreto de trabalhar com quem não vê, com quem não se vê, coloca o fotógrafo numa situação de vantagem. Foi essa vantagem que quiseste anular quando pediste a cada um dos retratados para carregarem no botão?
Não é só isso. Eu quis sobretudo pôr os cegos perante uma experiência nova. Um auto-retrato é uma coisa que tem muito sentido para eles. Dá-lhes poder. É, por outro lado, uma relação activa, e não passiva do tipo “vem aqui hoje um fotógrafo tirar-me o retrato”. É o cego que quer fazer a fotografia, representar-se à sua maneira sabendo que vai ser exposto e visto por outras pessoas. É uma tripla acção que tenta afastar a imagem que temos do ceguinho pobre.

O “eu” de que falas nos retratos só é captável se for o próprio a fazê-lo?
Não sei se é mais difícil. O difícil neste trabalho é que entro na vida de cada pessoa, na sua história pessoal de maneira muito rápida. Antes de fazer a fotografia há uma conversa para tentar perceber perante quem estou. Mesmo com estas informações, não é possível conhecer quase nada da pessoa e por isso a ideia de resultado perde um pouco o sentido. As pessoas estão cheias de segredos, nunca mostramos tudo o que somos realmente. No auto-retrato há um pouco mais de liberdade, porque a ideia é chegar ao mais autêntico. Tirar um retrato a uma pessoa é uma coisa muito diferente. Eu quero é que as pessoas se confrontem consigo e com as suas emoções, ou com uma certa ideia de representação.

Acreditas que é possível obter pela imagem fotográfica um objecto que seja um espelho fiel daquilo que verdadeiramente somos em determinado momento?
Não. Isso é impossível. A fotografia pode atingir muitas coisas, mas nunca a realidade.

São pequenas mentiras?
Sim são pequenas mentiras. Mas tento sempre encontrar essa ideia de “instante decisivo”. Neste projecto dou a cada um a possibilidade de encontrar o seu “instante decisivo”.

Tentas dar o mínimo de indicações...
Sim. No caso do trabalho das lágrimas houve pessoas que ficaram quase uma hora sozinhas dentro da sala. A primeira relação da fotografia é a relação com o tempo. O tempo de que falo no meu trabalho é um tempo interior. É um tempo psicológico que as pessoas vão tentar parar naquele momento.

Dizes que os cegos com quem trabalhaste demonstraram mais liberdade à frente da câmara do que quem vê. Que diferenças foram essas?
Ao princípio tinha pensado fazer estes auto-retratos apenas com um enquadramento. Mostrava a mão das pessoas a carregar no disparador. No fundo era para dizer que estas imagens eram mesmo auto-retratos. Pensava que houvesse variações, mas todos colocavam a mão no mesmo sítio, em cima da coxa. Tentei então aproximar-me mais da pessoa. Há um momento em que o foco está feito e não é possível haver grandes movimentos. Como eles tem um bom controlo do corpo, as fotografias ficaram bem focadas. Escolhi o enquadramento conforme o que sentia. Por vezes concentrava-me apenas no rosto.

Mas aí não havia o risco de se sentirem intimidados?
Não creio. Houve uma mulher que no fim de ter feito o auto-retrato, pediu-me que lhe desse o resultado da sua análise psicológica. Perguntou-me “então qual é o resultado?”. Como se o auto-retrato tivesse feito um teste psicológico. Pensamos que os cegos estão fora da representação mas não é verdade. Uma mulher passou a mão pelos cabelos, arranjou-os para a fotografia. Como alguém que vê, é igual. Isso quer dizer que para os cegos também interessa a imagem que vai ser transmitida de si na fotografia. Outra pessoa, não quis ser fotografada no próprio dia. Foi fotografado um dia depois. Apresentou-se com uma roupa diferente com um fato para justificar um certo estatuto social, porque desempenha um cargo diferente na associação. Chegou com uns óculos de sol. Disse-lhe que não faria sentido fazer a imagem assim e ele tirou os óculos.

E em relação à atitude dos cegos de nascença com a dos que perderam a visão ao longo da vida?
A grande diferença está nas “Imagens-Desejo”. No início tinha pensado em pedir uma descrição o mais pormenorizada possível da fotografia que eles gostariam de tirar se tivessem visão. Dava algumas coordenadas como a cor, o enquadramento, o local, o motivo, etc. Mas não funcionou. Tive de fazer uma pergunta mais aberta do tipo “qual a fotografia que gostaria de tirar”. Muitos não dizem se é a preto e branco ou a cores. Mas não fiz nenhum tipo de categorização entre uns e outros.

Essas “imagens-desejo” surpreenderam-te?
Não, não me surpreenderam. Sabia que ia ter imagens cliché. O pôr do sol foi uma delas. E que imagem pode simbolizar melhor a ausência de luz que o pôr-do-sol? O pôr do sol é a perda da luz. O que mais me surpreendeu foi a incapacidade de descrição de uma imagem.

Que objectivos persegues com estes trabalhos?
Uma das coisas importantes é a reacção das pessoas com estas imagens. Gostava que sentissem um abanão. Acho que a fotografia contemporânea meteu de lado a pessoa. Gostava que quem vê também se apercebesse dos mecanismos interiores de cada pessoa. Que aprenda alguma coisa sobre a condição humana. Quero que tenham emoções. É muito fácil encontrar emoções na ópera, na música, mas na fotografia não. Uma das perguntas com que parti para o trabalho dos cegos foi: de que forma o olhar dos cegos toca quem vê as imagens?

No caso da Memória das Lágrimas, a ideia era também chegar à emoção através de um momento de profunda tristeza...
O trabalho não era só sobre tristeza. As pessoas podiam chorar de alegria.

Qual foi a reacção destes auto-retratados depois do disparo?
Houve pessoas que me agradeceram. Porque tinha sido um momento muito forte para elas. É um exercício que pode ter um lado de catártico. Houve pessoas com quem estive a falar duas ou três horas sobre a sua fotografia.

Não receias que estes trabalhos sejam entendidos como uma exploração do sentimento das pessoas?
Não, porque não faço fotografias para ter uma emoção a qualquer preço. Não sabia se os auto-retratos resultariam. Tento perceber apenas quais são os mecanismos de decisão das pessoas e a imagem que cada um quer dar de si.

Mas, em França, onde O Olhar dos Cegos foi exposto, houve alguma polémica.
Não chegou a ser polémica. O presidente da câmara de Le Mans mandou tirar um cartaz que estava pendurado na sede da autarquia. Mas também tive muitas reacções positivas. Estas imagens não são só visuais. Somos obrigados a entrar nelas de outras formas.

Consideras-te o fotógrafo destes auto-retratos?
Tento sempre ficar numa situação de igualdade com cada fotografado. Tento fazer uma partilha de poder. Cada fotografia é de Georges Pacheco e do modelo que faz o auto-retrato. O dinheiro que resulta da venda de uma fotografia é dividido.

Que projectos te ocupam agora?
Estou a trabalhar na ideia de fazer auto-retratos durante o orgasmo, um momento em que as pessoas se sentem um todo. Interessa-me também as situações em que as pessoas estão no fim da vida. Nessa altura, normalmente, não somos tão tentados a fingir. Somos autênticos. Estamos tão rodeados de fingimento que me interessa voltar à verdade.


» Galeria O Olhar dos Cegos
» Galeria A Memória das Lágrimas


Georges Pacheco
O Olhar dos Cegos e A Memória das Lágrimas
Silo, Espaço Cultural, Norte Shopping, Porto
Piso 0, Rua 2 (entre as lojas 0.240 e 0.246)
Todos os dias das 13h00 às 24h00
Até 22 de Maio

30 março, 2007

a escolhida

Oficial das Nações Unidas transporta um polícia ferido. Timor-Leste, 25 de Maio de 2006, Manuel de Almeida (Agência Lusa)


“É uma imagem clássica do fotojornalismo. Transmite emoção, acção e um grande sentido de emergência”. A descrição é de MaryAnne Golon, presidente do júri que reconheceu esta imagem de Manuel de Almeida (Agência Lusa), captada em Timor-Leste, em 25 de Maio de 2006, como a melhor da edição deste ano do Prémio Fotojornalismo Visão/BES. O fotógrafo do PÚBLICO Daniel Rocha foi distinguido com uma menção honrosa, na categoria Notícias.
MaryAnne Golon, directora de fotografia da revista Time, revelou que quando o júri viu esta fotografia reagiu de imediato. “Percebemos logo que era uma fotografia forte. Foi tirada num país que não está ser acompanhado de forma eficaz pela imprensa mundial. É importante para Portugal e Timor-Leste que seja esta a imagem escolhida”, afirmou ao PÚBLICO já depois de a sala ter aplaudido de pé o fotojornalista vencedor.
Antes da cerimónia, um grupo de fotógrafos e curiosos olha atentamente as imagens submetidas a concurso que passam num ecrã. Qualquer uma delas pode ser a grande vencedora. De vez em quando há alguém que reconhece uma fotografia sua. Pode ser esta. Ou aquela.
À medida que os prémios e os cheques vão sendo entregues, cresce a expectativa na sala. Ainda antes no anúncio do Grande Prémio, um momento de suspense com um pequeno filme que faz um retrato dos principais momentos do processo de escolha. Stanley Greene, fotógrafo da agência Vu, defende a imagem vencedora dizendo que a cara do militar que carrega o corpo “concentra muitas emoções e transmite humanismo”. Antes da votação, MaryAnne pergunta se alguém quer defender outra fotografia. Perante o silêncio, pergunta quem é que vota na imagem de Manuel de Almeida. Todos levantam a mão.
O fotojornalista da Lusa recorda o momento do disparo que lhe valeu o galardão: “foi no dia em que chegaram as tropas australianas a Timor-Leste houve um tiroteio e eu estava perto. Não era um tiroteio qualquer, eram rajadas pesadas que davam a entender que alguma coisa grave se estava a passar. Corri para lá com polícias e jornalistas timorenses. A certa altura já não podia avançar mais. Dobrei uma esquina e deparo com dezenas de corpos estendidos no chão. Não havia quase ninguém de pé. Só este homem que corria e mais uma pessoa”.
No pequeno discurso improvisado, já de medalha ao peito, Manuel de Almeida alertou que “é preciso olhar para o que se está a passar em Timor-Leste”. “Temos de ajudá-los!”
Sérgio B. Gomes (Público, 31-03-2007)

é hoje

Confrontos entre palestinianos e as forças do Exército israelita na Cisjordânia
(© Moises Saman)

Vale a pena ler a entrevista que Jean-François Leroy, um dos membros do júri do Prémio de Fotojornalismo Visão/BES, deu a Alexandra Prado Coelho. O director do festival Visa Pour L`Image revela uma visão muito própria do que é fotojornalismo e aponta algumas pistas sobre a tendência generalizada para se publicar cada vez menos fotografia jornalística na imprensa. Moises Saman, fotojornalista, integra também o grupo de pessoas que vai escolher as imagens vencedoras deste ano. No P2 de hoje, Moises fala sobre a má experiência que passou no Iraque quando, em Março de 2003, foi detido em Bagdad juntamente com outros dois jornalistas.
Os vencedores do Prémio de Fotojornalismo Visão/BES vão ser conhecidos hoje, durante uma cerimónia no CCB, agendada para as 18h30.

Três tiradas de Leroy:

O meu objectivo em Perpignan é mostrar o verdadeiro mundo, e se hoje precisamos de histórias individuais para compreender o mundo, então, desculpem, mas somos estúpidos.

Toda a gente agora pensa que é um bom fotógrafo, porque a tecnologia é tão boa que é quase impossível fazer uma má fotografia. Para fazer uma má fotografia tem que se lutar com a câmara.

Não considero fotojornalismo arte. Acho obsceno tirar uma fotografia numa guerra e vendê-la numa galeria. Mas se vender é obsceno, comprá-la é totalmente perverso.

29 março, 2007

do Oriente

Chegada de uma delegação otomana às cerimónias
de inauguração da barragem de Hindié, no Iraque.
(Z. G. Donatossian, papel albuminado, © Colecção Pierre de Gigord)


Não foi preciso muito tempo até a fotografia chegar ao Império Otomano, destino exótico e refúgio para muitos intelectuais, escritores e viajantes ao longo do século XIX. A novidade de trazer um registo visual de lugares onde, até então, a fotografia nunca tinha concretizado o seu labor mais simples, o de memória documental, começou a levar cada vez mais experimentadores até junto de paisagens inóspitas, povos de vestes estranhas ao olhar do ocidente. Se as fronteiras não travaram a expansão da novidade fotográfica, a religião colocou-lhe alguns entraves -o islão é contra a representação de imagens que possam ser objecto de adoração, a fotografia permitia esse fascínio. O exercício da fotografia ficou vedado às minorias, entre as quais a arménia, uma das que melhor dominava diferentes idiomas.
O Instituto do Mundo Árabe de Paris decidiu recuperar as imagens que representam os primórdios da memória visual fotográfica de uma parte dessa vasta massa geográfica, o Médio Oriente, feita pela mão de quem lá viveu, e não apenas de quem por lá passou. Os arménios são os protagonistas desse primeiro olhar.
Vítimas de constantes perseguições e massacres, sobretudo a partir de 1915, foram obrigados dispersar em massa para vários países árabes da região. A fotografia foi um dos seus meios de subsistência. Parte significativa da imagem que temos hoje do Oriente do século XIX, de Istambul ao Cairo, deve-se ao trabalho desta comunidade.
Começaram por ser assistentes de fotógrafos-viajantes para logo depois se instalarem por conta própria, como aconteceu com os irmãos Abdulah, em Istambul, onde montaram o primeiro estúdio da Anatólia, em 1858. Alcançaram grande reputação a ponto de se transformarem nos fotógrafos oficiais do sultão, porta de entrada privilegiada para o interior de palácios, retiros e paisagens vedadas ao comum dos mortais. As primeiras imagens do faustoso interior de Topkapi, por exemplo, são da sua autoria. Outro exemplo de pioneirismo: a primeira escola de fotografia do Médio Oriente foi fundada em Jerusalém, em 1859, pelo patriarca arménio Yessayi Garabadian, alguém que percebeu a importância da fotografia como ferramenta de reprodução de documentos e escrituras antigas.
Os arménios experimentaram todas as possibilidades que a fotografia tinha para lhes oferecer. Depois de expulsos das suas terras, fizeram sobretudo retrato, mas também reproduziram a arquitectura, testemunharam a guerra ou, simplesmente, registaram os acontecimentos.
Pena que a exposição de Paris acabe já este fim-de-semana. Fica uma pequena amostra do que lá foi visto nesta galeria. E fica também o catálogo editado pelo Instituto do Mundo Árabe.

Mulheres turcas com os seus admiradores.
(Irmãos Abdulah, cerca de 1865, papel albuminado, © Colecção Pierre de Gigord)


Filhos do sultão durante uma festa de circuncisão de príncipes e órfãos.
(Tarkulyan Bogos, Phébus, Istambul, cerca de 1874,
papel albuminado, © Colecção Pierre de Gigord)


L’Orient des photographes arméniens
Com textos de Farouk Mardam-Bey e Badr El Hage
Institut du Monde Arabe, 2007
96 páginas (25 x 25 cm), 23 euros.

28 março, 2007

LIFE só online

Foram precisos 200 saltos para o fotógrafo Philippe Halsman apanhar
a Marilyn a expressão exacta para capa deste número de 9 de Novembro de 1959

Já lhe tinham dado uma machadada, mas desta foi de vez. A revista LIFE, suporte de muitas imagens que marcaram o século XX, abrigo do melhor que se publicou em fotojornalismo, vai deixar de existir em papel. Depois de, em 2004, ter deixado as bancas como revista autónoma e passar a sair como suplemento de fim-de-semana de 103 jornais dos EUA, a LIFE passa agora a existir apenas em suporte digital. A última edição em papel será publicada no dia 20 de Abril. Um comunicado da Time Inc., proprietário do título, justifica o fim da revista em papel com o declínio da venda de jornais e o desinvestimento do mercado publicitário neste suporte.
As palavras de Ann Moore, presidente da Time: "Crescer implica assumir riscos e o potencial da LIFE é enorme, mas, infelizmente, os tempos estão contra nós. O mercado mudou radicalmente desde 2004 e já não faz sentido manter a revista como suplemento de jornais. De qualquer maneira, a Time Inc. continua a empenhada em manter a marca LIFE e estaremos agora concentrados na migração deste título histórico para diferentes e inovadoras plataformas digitais".
Os planos da empresa passam agora por dar ao site da revista um novo alento. Uma das ideias mais ambiciosas prevê a disponibilização da gigantesca colecção de 10 milhões de imagens. O comunicado divulgado há dois dias diz que é "a mais importante colecção de fotografias que cobrem acontecimentos e pessoas do século XX". A promessa é colocar todo o espólio visível de forma gratuita. O mais extraordinário é que mais de 97 por cento da colecção nunca foi vista em público. Para além deste carácter histórico e arquivístico, a Time promete ainda tornar o site da uma referência para quem quiser ver fotografia contemporânea.
Apesar do fim da revista, a empresa continuará a publicar livros dedicados à imagem fotográfica. O segundo volume do LIFE Picture Puzzle Book sai para as bancas no dia 2 de Abril.
Antes de ser comprada pela Time, em 1936, e de ter assumido a forma com que hoje a reconhecemos, a LIFE, fundada em 1883, era uma revista de humor e de assuntos generalistas. Em 1976 deixou de se publicar. No final da mesma década, em 78, regressou com uma periodicidade mensal que se manteria até 2000. Depois de alguns soluços e vicissitudes, abandona as bancas como revista autónoma e passa a publicar-se como suplemento de mais de uma centena de títulos por todos os Estados Unidos.
Para ver galerias de imagens com algumas das mais marcantes capas da LIFE clique aqui.

Esta capa de 27 de Junho de 1969 dedicada aos soldados mortos na guerra
do Vietname, durante a semana entre 28 de Maio e 3 de Junho, provocou
uma viragem na opinião pública contra o conflito

27 março, 2007

quartos com escritores

Salman Rushdie (© Daniel Mordzinski)

Daniel Mordzinski gosta de literatura e fotografia. Juntou as duas e saiu Quartos de escrita, quartos de hotel com escritores dentro. O que se pretende é desmitificar o acto da escrita captando algo tão simples, mas tão difícil como o recolhimento do autor. Para apanhar escritores em quartos de hotel é preciso apanhar escritores em trânsito. E onde há escritores em trânsito, há Mordzinski de máquina em punho, como aconteceu nas últimas edições do Correntes d`Escritas da Póvoa do Varzim. Foi por lá que o fotógrafo argentino retratou 32 escritores. O resto das imagens foram captadas um pouco por todo mundo. Ao todo há 61 retratos de pose negligee.
Daniel Mordzinski já publicou em Portugal Os rostos da escrita (Asa) e prepara um novo livro com mais retratos de escritores às voltas com quartos emprestados.

Em conversa com Alexandra Lucas Coelho, Daniel Mordzinski explica o que o move assim:

Com ‘Quartos de Escrita’ tento desmistificar o acto da escrita e mostrar algo tão simples, mas tão difícil de apanhar, como o recolhimento do autor. Esse momento em que o autor está no quarto de escrita. A divisão de hotel, a janela que dá para um pátio, a cama dura, o espelho alheio onde se olha antes de escrever uma primeira frase. Ou onde acaba de escrever uma obra-prima, quem sabe. Na realidade, há um momento do dia, ou do mês, ou do ano, ou da vida, em que o escritor olha à sua volta e se vê rodeado por um papel pintado que não pode ser de verdade e debaixo de umas goteiras que talvez nunca volte a ver e decide escrever. E nós lemos e sonhamos essas palavras durante o resto da nossa vida. Por isso quis, quero, apanhar esses momentos (podíamos dizer: espaços, ambientes, lugares) de trânsito, um trânsito múltiplo que nos deixa literatura e, com estas imagens, rostos para a imaginação.

Quartos de Escrita, Daniel Mordzinski
Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, Póvoa do Varzim
De seg. a sex. , das 09h30 às 19h30; sáb., das 14h00 às 18h00.
Até 30 de Março

26 março, 2007

Gursky

Pyongyang I, 2007
(© Andreas Gursky / DACS. Courtesy of Monika Sprüth / Philomene Magers)

A Wallpaper chama-lhe o fotógrafo vivo mais "coleccionável". É Andreas Gursky, o fotógrafo do todo pelo detalhe. Ou do detalhe pelo todo? Quem escolhe somos nós. E que melhor cenário para estes exercícios de estilo do que o festival de Arirang, na Coreia do Norte, onde milhares de pessoas se juntam para folclóricas coreografias de hossanas ao líder que está vivo e aos líderes que já morreram. A Wallpaper conta que Gursky precisou de 18 meses para convencer as autoridades norte-coreanas a fotografar os exercícios no Estádio de Maio. Depois da autorização correu para Pyongyang com uma máquina de grande formato. Dois zelosos "guias" fizeram-lhe companhia durante duas deslocações ao país, mas o fotógrafo alemão confessa que, à medida que os dias passaram, ia ficando cada vez mais tempo sozinho.
A propósito deste trabalho de Gursky, a revista lança uma dúvida: e se no desejo de estetizar um acontecimento colectivo de conotações políticas evidentes acabe por se anular a importância do indivíduo. Por um lado, é, com certeza, preocupante, mas não se pode olhar para este fenómeno com os nossos valores, defende-se. Numa passagem acerca da manipulação digital no seu trabalho, Gursky acaba por dar uma resposta complementar a esta inquietação: Se se olhar de perto para aquela imagem de ginastas, que na exposição tem 4 metros, à primeira vista parece uma obra de 'computer art', por causa da repetição das figuras, mas, à medida que se olha mais de perto, verifica-se que há de facto interacção humana. É suposto eles fazerem exactamente os mesmo movimentos, mas pelo facto de serem pessoas nunca será exactamente assim, nunca será 'computer art'.
A Haus der Kunst de Munique organizou uma grande retrospectiva do trabalho de Andreas Gursky que pode ser vista até ao dia 13 de Maio. A mostra viaja depois para Istanbul, Sharjah, Moscovo, Melbourne e Vancouver. Em Londres, também é possível ver parte do seu trabalho no White Cube Mason’s Yard (até 5 de Maio) e na galeria Monika Sprüth Philomene Magers (até 12 de Maio).

O portfolio da Wallpaper de Andreas Gursky está aqui.


Pyongyang I, 2007
(© Andreas Gursky / DACS. Courtesy of Monika Sprüth / Philomene Magers)

23 março, 2007

bowles

O Centro Cultural de Belém dedica um ciclo ao escritor norte-americano Paul Bowles, a partir de segunda-feira. Entre as iniciativas apresentadas destaque para a exposição de Daniel Blaufuks (Prémio Bes Photo 2006) que recupera textos, imagens e sons de uma estadia em Tânger, na qual travou conhecimento com o intelectual americano.
Parte dos trabalhos dessa viagem foram publicados por Blaufuks em 1991 (My Tangier, ed. Difusão Cultural). Outro olhar sobre os negativos fez com que viessem agora a público imagens inéditas para Next to Nothing.
Um bom amigo meteu-me há dias no alforge três livros. Um chama-se Tânger e Outros Marrocos, do francês Daniel Rondeau. Está lá a encruzilhada daquilo que é Marrocos. Está lá uma centelha daquilo que foi Paul Bowles. Vou a meio e já quero voltar outra vez à primeira página.

À noite, os Suques dormem sempre com um olho aberto. Aos primeiros alvores da madrugada, as frituras dos peixes, os pastéis viscosos, as garrafas de cerveja e Coca-Cola ainda encontram apreciadores. Sombras deslizam na madrugada. Os guardas dos estacionamentos de automóveis, enrolados como bolas nos vãos das portas, erguem uma pálpebra para vê-las passar. Os boémios, cheios de kif, descem até ao porto. Vão ver a cor do mar. Uma pequena prostituta, toda de preto, arrasta um dos seus clientes para a praia, pendurada no pescoço dele. A africana Tânger não tem horários.

Daniel Rondeau, Tânger e outros Marrocos


Tânger, Marrocos, 1980 (© Del Hillgartner)

Ciclo Paul Bowles - Um Abrigo na Terra
Centro Cultural de Belém, Lisboa
Até dia 31 de Março
Next to Nothing, de Daniel Blaufuks
Até dia 30 de Abril

22 março, 2007

recta final

Foi hoje divulgada a composição do júri do Prémio Fotojornalismo Visão 2007: MaryAnne Golon, Kadir van Lohuizen, Stanley Greene, Moises Saman.
O vencedor da sétima edição do galardão vai ser conhecido no dia 30 de Março, durante uma cerimónia no Centro Cultural de Belém. Um dia depois, às 16h00, no mesmo espaço, haverá uma conferência subordinada ao tema Fotojornalismo Hoje. O painel de conferencistas é o mesmo do júri do concurso.
O Prémio Fotojornalismo Visão é a maior distinção portuguesa na área da fotografia de imprensa. A edição deste ano recebeu um número de candidaturas recorde: 215 fotógrafos; mais de 6000 fotografias. Há sete categorias a concurso: Reportagem, Vida Quotidiana, Notícias, Retrato, Desporto, Espectáculo e Natureza. O prémio e de 2500 euros. O júri escolhe ainda a fotografia merecedora do Grande Prémio, no valor de 15 000 euros.

A organização do concurso fez um resumo da actividade de cada um dos elementos do júri:



MaryAnne Golon
Directora de fotografia da revista Time desde este ano. Trabalhou na mesma publicação como editora desde 1983. Liderou a equipa de fotógrafos que produziu as edições especiais do 11 de Setembro de 2001 e do furacão Katrina, ambas vencedoras do National Magazine Award para edições sobre um único tema. Individualmente, Golon já levou para casa vários prémios de fotografia da Pictures of the Year International (POYi) e da National Press Photographer’s Association (NPPA’s). Fez parte do júri do World Press Photo várias vezes, assim como de outros prémios internacionais de fotografia. Participa pela terceira vez no Prémio Fotojornalismo Visão. Este ano aceitou ser presidente do júri.


Jean-François Leroy
Jean-François Leroy é director-geral do Visa Pour l’Image, um dos mais importantes e conhecidos festivais internacionais de fotojornalismo que todos os verões se realiza em Perpignan, no sul de França. Enquanto fotojornalista, foi repórter da agência Sipa e colaborou com as revistas Photo-Reporter, Le Photographe, Photo-Revue. Foi editor da revista Photo entre 1984 e 1987. Em 1989, no ano em que se comemoraram os 150 anos do anúncio da descoberta do daguerreótipo, produziu, com Yann Arthus-Bertrand, um retrato fotográfico da França, projecto a que chamaram 3 Jours en France. No mesmo ano, fundou o Visa Pour l’Image. Hoje, além de director do festival de Perpignan, Jean-François Leroy é presidente do Institut des Images e gere a empresa Images-Evidence, do grupo Hachette Filipacchi. Já recebeu o grau de Cavaleiro das Artes e das Letras.


Kadir van Lohuizen
Fotografou vários conflitos internacionais e assuntos ambientais. Um dos seus projectos mais recentes chama-se Diamond Matters e deu-lhe fama mundial. Trata-se de uma série de fotografias que revelam as condições de trabalho e conflitos que rodeiam o negócio altamente lucrativo dos diamantes. Diamond Matters é também uma exposição que tem percorrido galerias de todo mundo, e um livro, que retrata o caminho das pedras preciosas, das paisagens lunares e aluviais das minas da África Ocidental até às joalharias da 5ª Avenida em Nova Iorque. Ganhou vários prémios, incluindo o maior prémio holandês de fotojornalismo, de Zilveren Camera, e dois prémios no World Press Photo. Ganhou o prémio Dick Scherpenzeel por imagens tiradas na Serra Leoa em 2000. O projecto sobre os diamantes já lhe valeu também um prémio para jornalismo de investigação na Holanda e na Bélgica. No livro Rivers, reuniu o resultado de sete anos de trabalho ao longo de sete rios de vários continentes.


Stanley Greene
Desde a queda do muro de Berlim, em 1989, quando fotografou uma rapariga no alto do muro com uma saia verde, um blusão de cabedal e um capacete da polícia da Alemanha de Leste, que as imagens de Stanley Greene correm mundo. Mali, Mauritânia, a guerra e a fome no sul do Sudão, o rescaldo do acidente de gás em Bhopal, na Índia, as operações de assistência dos médicos sem fronteiras no Ruanda e no Zaire foram algumas das suas reportagens. Em 1993, Greene foi premiado no World Press Photo por fotografias do ataque ao parlamento de Moscovo. Envolveu-se num projecto fotográfico sobre a rebelião da Tchetchénia, para onde viajou mais de 20 vezes entre 1994 e 2003. Daí resultou o livro Open Wound: Tchetchenia 1994 to 2003 e o prémio Picture of the Year pela história Tchetchénia, publicada na revista do New York Times. Stanley Greene, membro da agência Vu desde 1991, ganhou vários prémios de fotografia, entre os quais o W. Eugene Smith Award em fotografia humanística, que lhe permitiu continuar o seu trabalho sobre a região do Cáucaso. Em Junho, publicará um novo livro, Chalk Lines: The Caucasus.


Moises Saman
Fotógrafo do jornal nova-iorquino New York Newsday, foi notícia em Março de 2003, enquanto Bagdad estava a ser bombardeada. Ele e mais quatro ocidentais foram presos pela polícia secreta de Saddam Hussein, acusados de espionagem e levados para a prisão de Abu Ghraib. Viveram oito dias com outros civis iraquianos presos pelo regime. Moises Saman tem fotografado vários conflitos dos últimos anos. Esses trabalhos já deram origem a dois livros, Just War (2006) e This is War: Witness to Man’s Destruction (2004), testemunhos da dor e destruição causadas pela guerra e a realidade vivida na Palestina, Afeganistão e Iraque. O seu trabalho tem sido exposto em galerias na Europa e EUA. Nascido no Peru e com apenas 33 anos, Moises Saman já recebeu importantes galardões de fotojornalismo. Só este ano, ganhou prémios de duas instituições diferentes. Recebeu quatro distinções do New York Press Photographers Association e duas do World Press Photo, com reportagens sobre as eleições presidenciais no Haiti e a vida quotidiana no Afeganistão.

21 março, 2007

desafinado (para X.)

Karl Blossfeldt, Laserpitum siler (© Estate of Karl Blossfeldt)

Se você disser que eu desafino, amor
Saiba que isso em mim provoca imensa dor
Só privilegiados tem ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu
Se você insiste em classificar
Meu comportamento de antimusical
Eu, mesmo mentindo devo argumentar
Que isso é bossa nova, que isso é muito natural
O que você não sabe, nem sequer pressente
É que os desafinados também tem coração

Fotografei você na minha Rolleiflex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Este é o maior que você pode encontrar, viu!
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados,
No fundo do peito, bate calado...
No peito dos desafinados
Também bate um coração!

Tom Jobim

(hoje assinala-se o Dia Mundial da Poesia)

20 março, 2007

o pesadelo de Carter

Kevin Carter, Sudão, 1 de Março de 1993 (© CORBIS/Sygma)

O abutre espera pacientemente o momento para atacar o corpo em agonia de uma criança sudanesa. O fotógrafo, também predador, espera um momento certo para o disparo que garanta o maior dramatismo, o maior impacto à imagem.
Esperam.
Esperam ambos.
No impasse, o fotógrafo desiste, capta a espera do outro e vai-se embora.
Esta fotografia valeu ao sul-africano Kevin Carter um prémio Pulitzer em 1994. Desde que foi publicada na capa do New York Times, transformou-se no seu maior pesadelo. Para onde quer que se voltasse soava a pergunta: e depois, o que é que fizeste para ajudar a criança?”. Carter não fez nada e essa decisão acabou por lhe toldar a lucidez e levá-lo ao suicídio, no mesmo ano em que foi galardoado.
Kevin Carter começou a carreira como fotojornalista em 1984 no The Johannesburg Star. Retratou o apartheid a partir dos locais mais violentos e perigosos dos arredores da capital sul-africana. Desde a libertação de Mandela, em 1990, até à paz e democracia, em 1994, testemunhou a demência assassina que se instalou em bairros como o Soweto, Tokoza e Katlehong, a lado de outros três fotojornalistas, a saber Ken Oosterbroek, Greg Marinovich e João Silva, um grupo que ficou conhecido por “Bang Bang Club”.
John Carlin, jornalista inglês destacado pelo The Independent para cobrir o conflito sul-africano, traça no El Pais o percurso de Carter e explica como, nestes cenários, se perde a compaixão.

O espanhol Canal + transmite o documentário The Death of Kevin Carter: Casualty of the Bang Bang Club (Dan Krauss, 2004) no sábado, dia 24, às 21h30.
O site oficial do filme, produzido pela HBO, está aqui.
A entrevista com Dan Krauss pode ser lida aqui.


Kevin Carter

17 março, 2007


entre aspas

Diane Arbus, Girl with a Watch Cap, Nova Iorque, 1965
(© Cook Fine Art )

Acho que tiro fotografias porque existem coisas que ninguém seria capaz de ver a menos que eu as fotografasse.
Diane Arbus

Double Exposure, A Moment With Diane Arbus Created A Lasting Impression. Artigo de David Segal, Washington Post, sobre Diane Arbus.



Diane Arbus, Teenager with a baseball bat, Nova Iorque, 1962
(© Silverstein Photography)

16 março, 2007

lisboa

Lisboa, Rua do Arsenal, 1858, Colecção Alcídia e Luís Viegas Belchior
(© CNF 2705_26, CPF/MC)

O Centro Português de Fotografia inaugurou recentemente uma nova exposição no seu edifício sede, a Cadeia da Relação. O conjunto de imagens que agora se mostra faz parte do espólio Alcídia e Luís Viegas Belchior, comprado em Julho do ano passado pelo CPF por 230 mil euros. Esta colecção tem mais de 4800 imagens e enriquece de forma significativa a Colecção Nacional de Fotografia. Entre vários nomes importantes da fotografia portuguesa do século XIX, há ainda neste rico espólio vários núcleos de imagens de fotógrafos estrangeiros que passaram por Portugal, como é o caso do francês Amédée Lemaire de Ternante. São dele estas fotografias raras de Lisboa. Maria do Carmo Serén explica a exposição assim:

Em finais de Abril de 1858, D.Pedro V casa com a brevíssima rainha D.Estefânia. Tinham ambos 21 anos e o casamento duraria pouco mais de um ano. Em 1859 a rainha morre de difteria e o rei dois anos depois. Com D. Estefânia, que já aprendera português, desloca-se uma pequena corte e artistas diversos, que inclui o já então conhecido pintor e fotógrafo francês Amédée Lemaire de Ternante. Esta é, pois, a Lisboa desse ano ainda feliz e representa, ao que se sabe, um dos mais antigos e mais ricos conjuntos de imagens da capital e, pela diversidade dos temas abordados, um dos mais esclarecedores do país.
Trata-se de albuminas originais, respondendo ao objectivo de descoberta e de registo da capital do reino, apontando aspectos do património monumental, (os Jerónimos com a sua patine e erosão antes do restauro, a Torre de Belém, com as velhas galés de passeio ao fundo e, em primeiro plano, a seca das redes dos pescadores, a igreja da Estrela, o Aqueduto das Águas Livres, o Paço das Necessidades, o Chafariz d`El Rei, em Alfama), mas também vistas gerais da cidade. Não apenas o litoral obrigatório avistado do casario mais elevado, mas também S. Pedro de Alcântara e as muitas aldeias que permaneciam incólumes no interior da cidade e a panorâmica que se desfruta nos acontecimentos: as tribunas de recepção frente ao Cais das Colunas.
Já em estúdio, (um interior bastante elementar e um jardim onde uma cadeira permite o indispensável apoio) reencontramos a sociedade colunável, homens de canecão ou chapéu mole, suíças e bandós, mulheres com saias de balão à Imperatriz Eugénia, tão crispados, afinal, como os grupos populares que Ternante capta no quotidiano. Nos instantâneos, os rostos em movimento provam-nos a dificuldade da fotografia sem pose, mas também a sua ainda relativa novidade para o público comum.
E aquele retrato de Castilho, entre o solene e o 'habitué'. Afinal Castilho cedo se deixara fotografar em daguerreótipo, tornando bem conhecida, em artigo de imprensa, a estranha relação que se estabelece entre o fotógrafo e o fotografado.
A mostra suscitará olhares diversos, do historiador, do urbanista ou do curioso dessa já velha identidade que desbaratamos. Mas também do esteta, pois aqui e ali, certas composições falam bem da intenção do seu autor e deste nosso inabalável compromisso estético com tudo o que é reconhecido e traz consigo pergaminhos de antiguidade.

D. Maria Ana, irmã de D. Pedro V (?), 1858, Colecção Alcídia e Luís Viegas Belchior
(© CNF 2705_02, CPF/MC)

Fur

Nicole Kidman e Robert Downey Jr. em Fur

Passaram quase 40 anos sobre o momento em que Diane Arbus tomou uma dose demasiado generosa de comprimidos e cortou os pulsos numa banheira. Há quem veja neste suicídio o culminar de um percurso errático, a atitude derradeira e desesperada que confunde autor e obra. Porque Arbus (inadaptada?) se coloca (inadvertidamente?) dentro dela, junto de uma galeria de retratados que vivem ou decidiram viver à margem, como ela.
Fur - An Imaginary Portrait of Diane Arbus, de Steven Shainberg, estreou-se ontem em Portugal. Nicole Kidman foi a actriz escolhida para interpretar Arbus. Apesar de ter na mão a única biografia da fotógrafa escrita até hoje, da autoria de Patricia Bosworth, Shainberg não arriscou um retrato histórico. Preferiu o "retrato imaginário", epíteto que cauciona todas as derivações que quis introduzir no filme. Ainda assim, Bosworth, que chegou a ser modelo de Arbus, aparece como co-produtora da longa-metragem, como uma espécie de eminência parda da obra.
Em Fur..., Arbus é retratada como uma dedicada e "tímida" dona-de-casa que se transforma numa artista cheia da originalidade e talento. A rotina burguesa que vive na Nova Iorque de 1958 rompe-se a partir do momento em que começa a privar com Lionel, um enigmático vizinho (Robert Downey Jr.) que a conduz para o caminho que sempre quis seguir - o da criação artística.
Kathleen Gomes já viu o filme e explica hoje no Ípsilon por que é que Diane Arbus ainda assusta.
O site oficial do filme está aqui.


Nicole Kidman em Fur

15 março, 2007


entre aspas

Os actores Clifton Collins Jr. (Perry Smith, esq.) e Mark Pellegrino (Dick Hickock, dir.), em Capote (2005)

Andava um velho fotógrafo a rondar o porto de Acapulco com a sua antiga máquina de madeira e quando o Estrellita entrou na doca Otto encomendou-lhe seis retratos de Perry junto da sua presa. Do ponto de vista técnico, o trabalho do velhote era um desastre, tudo escuro e manchado. Mas, no entanto, nem por isso deixava de ser uma fotografia notável e isso devia-se à expressão de Perry, ao seu ar de triunfo completo, de beatude plena, como se finalmente, tal como no sonho, o grande pássaro amarelo o tivesse vindo buscar para o levar ao Paraíso.

A Sangue-Frio, Truman Capote

14 março, 2007

*Três perguntas a...

Auto-retrato, 2007

Maria Carapeto. Nasceu em S. Pedro do Corval, no Alentejo. Tem 46 anos. Estudou fotografia na Cooperativa Árvore, no Porto, na Aula do Risco, em Lisboa, e na Universidade de Brighton, na Inglaterra, onde viveu dez anos. Regressou a Portugal e trabalha como fotógrafa freelance. Tem uma paixão por roupas antigas e pelos mistérios que carregam. Na série The poetics of clothes adensa o imaginário sobre este tema concentrando a objectiva em pequenos pormenores do vestuário feminino. Em Junho de 2006, publicou na Egoísta, dedicada ao Renascimento, um conjunto de fotografias a que chamou Desencontros. Recentemente, no número especial da mesma revista, dedicada a Agustina Bessa-Luís, mostrou imagens que remetem para o imaginário ligado aos colares de pérolas na obra e na figura da escritora. Prepara o livro Ausência, com texto de Paulo Barriga.

¿Por que é que fotografas?
Quantas vezes me pergunto a mim mesma!

¿O que é que te dá o desfoque que não te dá a nitidez?
Para além da estética visual, a ideia de memória.

¿Que projectos te ocupam agora?
O projecto de um livro de fotografia e escrita, em colaboração com Paulo Barriga, que se chamará Ausência. Vai ser publicado pela 100Luz, de Castro Verde, no final da Primavera. Para além disso, tento dar seguimento a mais uns quantos work in progress.


The poetics of clothes, 2002 (© Maria Carapeto)

13 março, 2007

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Lou Reed, 1999 (© Robert Wilson, 82 x 56 cm, prova única)

Lou Reed, 1999 (© Robert Wilson, 82 x 56 cm, prova única)


Estou à procura do mistério de cada um.

Robert Wilson, Ípsilon, 9.03.2007

As polaróides de famosos tiradas por Robert Wilson estiveram escondidas durante muito tempo. Agora saíram do escuro para serem vistas em público pela primeira vez na Galeria Luís Serpa, em Lisboa.
Um dos exercícios que se pode fazer ao percorrermos estas imagens é o da comparação entre retratos da mesma pessoa feitos a cores e a preto e branco. É interessante, mas não surpreendente, notar, por exemplo, a diferença da carga dramática entre uma e outra técnica. Descobrir como uma pessoa se transforma em duas pessoas apenas pelo tipo de luz que nela incide ou a coloração com que nos é dada a ver. Wilson gosta da luz. Percebe-se isso nestas imagens onde ela é usada com parcimónia e em doses q.b..
A história destas fotografias resume-se a isto: em 1999, a Polaroid decidiu colocar nas mãos de Robert Wilson uma nova máquina de instantâneos de grande formato; o "artista total", como é conhecido, começa a experimentar o novo brinquedo com os amigos famosos que frequentam ou colaboram com o Watermill Centre, o centro de artes que fundou em 1992, em Long Island; primeiro posaram, entre outros, Philip Glass, Lou Reed, Isabella Rossellini, Cindy Sherman e Susan Sontag; depois vieram mais amigos, uns convidados, outros não, como Hillary Clinton que pediu para ser fotografada.
No auto-retrato que ofereceu ao galerista Luís Serpa, Wilson quase desaparece na escuridão. "É para conquistar um espaço", explicou ao Ípsilon.

Nan Goldin, 1999 (© Robert Wilson, 82 x 56 cm, prova única)

Nan Goldin, 1999 (© Robert Wilson, 82 x 56 cm, prova única)


Polaroids Portraits
Galeria Luís Serpa, R. Tenente Raul Cascais 1B, Lisboa
Tel.: 213977794
e-mail: info@galerialuisserpa.com
De terça a sábado, das 15h00 às 19h30, excepto feriados.
Até 28 de Abril

12 março, 2007

ir ver

ÁGUA. Iceberg IV, baía Disko, Gronelândia, 2004
(Lynn Davis, cortesia Edwynn Houk Gallery, Nova Iorque )


Para quem ainda está na dúvida sobre se deve ir até à Gulbenkian ver a exposição INGenuidades, aqui fica uma galeria com uma pequena amostra do extraordinário trabalho de Jorge Calado que, através da representação fotográfica, nos coloca perante o poder dos Elementos e a grandeza do engenho do Homem.




INGenuidades, Fotografia e Engenharia - 1846-2006
Galeria de Exposições Temporárias
Fundação Calouste Gulbenkian
Av. de Berna, 45 A
Tel: 217823000
Das 10h00 às 18h00;
até 29 de Abril
Entrada a 3 euros

10 março, 2007

artivistas

Face 2 Face Project (© JR)

Regresso ao Face 2 Face. O site do projecto de JR e Marco tem um vídeo, imagens e textos que ajudam a perceber melhor como é que estas fotografias gigantes podem contribuir para a aproximação de israelitas e palestinianos.
JR usa as ruas como galeria desde 2001. No ano passado, fotografias da sua autoria, do projecto Portrait d'une Génération, foram coladas nas paredes da Maison Européenne de la Photographie e da câmara de Paris.
O Face 2 Face nasceu em 2005. Com ele, estes “artivistas” querem confrontar comunidades de ambos os lados com o seu semelhante, separado por fronteiras, barricadas, check points e muros. Querem mostrar como são próximos na expressão da alegria, descontracção e humor. Querem que vizinhos conheçam outra imagem que não aquela que aparece diariamente nas notícias em manifestações de ódio, vingança, radicalismo e barbárie. Como uma criança que puxa o vestido da mãe para se fazer notar, este exagero de pose funciona como um grito de quem diz "Nós aqui sabemos rir! E também sabemos fazer rir!".

Today, ‘face to face’ is necessary. Within a few years, we will come back for ‘hand in hand’

Face 2 Face Project (© JR)

09 março, 2007

salvar

Ernst Leitz II


Ernst Leitz II (1871-1956) era filho de Ernst Leitz (1843 - 1925), fundador da mítica fábrica que esteve na origem de uma maravilha técnica a que chamaram Leica, lançada em 1925. Pouco depois de Hitler subir ao poder na Alemanha, em 1933, o patrão da Leitz, sediada em Wetzlar, a norte de Frankfurt, apercebe-se do início da perseguição movida aos judeus. Entre esse ano e o dia 1 de Setembro de 1939, data do bloqueio das fronteiras alemãs depois da invasão da Polónia, Leitz II evitou que cerca de seis dezenas de funcionários de origem judaica da sua fábrica sofressem as consequências da debilidade mental de quem acreditou na pureza e supremacia de uma raça. O modesto patrão de Wetzlar repetiu os mesmos passos até ao limite do possível. Primeiro empregava um jovem judeu a quem dava formação. Algum tempo depois, o aprendiz recebia da empresa, sob um qualquer pretexto profissional, um bilhete e um visto para Nova Iorque. A acompanhá-lo ia uma carta de recomendação e uma Leica. Com a reputação da marca em alta nos EUA, estes trabalhadores especializados da Leitz não tinham problemas em arranjar trabalho numa qualquer sucursal da empresa.
Em vida, Ernst Leitz II apenas uma vez referiu esta estratégia para salvar judeus de uma morte anunciada, quando em 1947 se viu perante um tribunal encarregado de fazer uma "desnazificação".
Este episódio da vida de Ernst Leitz II é uma das histórias da tese do rabino e fotógrafo de origem americana Frank Dabba Smith intitulada A fotografia e o Holocausto.
Mark Honigsbaum, do Financial Times, tem um longo texto acerca das proezas humanitárias de Ernst Leitz II aqui.
Jean-Pierre Langellier escreveu também recentemente sobre o assunto no Le Monde. O artigo está aqui.

Nova Iorque, 1914. Fotografia captada por Ernst Leitz II

08 março, 2007

mulheres

Ele andava a distribuir propaganda clandestina e foi preso.
Deu-me para ir tirar um retrato

(© Colecção particular)

A Magnum presta hoje homenagem às mulheres no dia criado para que nos lembremos delas (ainda é preciso?). O ensaio editado por Tia Dunn inclui imagens de Martine Franck, Inge Morath, Susan Meiselas, Lise Sarfati e Marilyn Silverstone.
Deixo também a minha muito modesta homenagem às mulheres através deste retrato, cujo sorriso resgatei das solas dos sapatos ali para os lados da Rua de S. Nicolau.


Woman`s day (© Magnum Group)

07 março, 2007

debater

Coimbra (© Colecção Alexandre Ramires)

A livraria Almedina Estádio de Coimbra apresenta um ciclo de conferências em torno da fotografia. Amanhã, às 21h00, o historiador e coleccionador Alexandre Ramires fala da história da fotografia vista a partir de Coimbra. Durante a palestra serão mostradas imagens inéditas da cidade e máquinas de outros tempos na tentativa de perceber melhor a forma como Coimbra recebeu e acompanhou os primórdios da fotografia.
No dia 22 de Março, o tema é Fotografia de Arte. Para a discussão foram convidados Pedro Medeiros, freelancer, e Nuno Patinho, fotógrafo e videasta que trabalha também em iluminação no teatro.

06 março, 2007

passar o muro

© Oleg Popov/Reuters

De um lado chamam-lhe o “muro da vergonha”, do outro “barreira de segurança”. O projecto Face to Face quer atenuar o peso das toneladas de betão que separam Israel e a Cisjordânia com caras bem dispostas de ambos os lados.
O muro suporta as imagens. Estamos a olhar para ele.
Por trás das imagens há muro. É certo.
O muro é de um material concreto. Inultrapassável.
Estamos a olhar para eles e sentimos que afinal é possível passar para lá - pela imaginação.
Em Belém, os rostos de israelitas e palestinianos estão do mesmo lado, para que se olhem e se compreendam.


© Oleg Popov/Reuters

dez



Mais uma volta, mais uma preciosidade. Reflections by ten Portuguese photographers é o catálogo da primeira grande exposição de fotografia portuguesa organizada na Inglaterra. O objectivo era dar uma imagem de Portugal que não fosse a do estereotipado postal turístico das praias do sul.
A comissária Amanda Hopkinson seleccionou trabalhos de Gérard Castello Lopes, Paulo Nozolino, Luísa Ferreira, Clara Azevedo, Lúcia Vasconcelos, Mariano Piçarra, Carlos Guarita, Margarida Dias, Pedro Baptista e Henrique Seruca.
Na introdução, Jorge Calado faz uma resenha de alguns dos momentos mais marcantes da nossa história da fotografia. Destaque ainda para os textos de cada um dos fotógrafos que abrem os portfólios.


Gérard Castello Lopes


Reflections by ten Portuguese photographers
Amanda Hopkinson, Frontline/Portugal 600, Londres, 1996

04 março, 2007

ler, ver e ouvir

A Day Saved, da série Collected Short Stories, 2003 (© Daniel Blaufuks)

Ler o texto do Jornal de Notícias de hoje onde Jorge Molder fala sobre a forma como dá corpo à sua obra.
Ver e ouvir Daniel Blaufuks a falar com Ana Sousa Dias sobre si e sobre o que o move na fotografia (terça-feira, na 2:, às 23h30).


Da série Anatomia & Boxe, Jorge Molder. (colecção particular)

03 março, 2007

davidson

Uma das imagens da série Time of Change (© Bruce Davidson/Magnum Photos)

Bruce Davidson, um dos históricos da Magnum, expõe dois ensaios na Fondation Henri Cartier-Bresson. Tido como um fotógrafo "profundamente humanista", Davidson (n.1933), não se considera documentarista, condição que, para si, o alheia do processo de criação fotográfico.
Time of Change e East 100th St. reúnem uma centena de imagens a preto e branco originalmente publicadas na revista DU.
Time of Change revela episódios da emancipação dos negros americanos no início da década de 60. East 100th St. é um retrato da cultura hispânica no bairro de Harlem da mesma altura.
Influenciado pela fotografia de Cartier-Bresson, Davidson vai expor entre Junho e Setembro de 2007, na Maison Européenne de la Photographie, o seu mais recente projecto em torno dos jardins de Paris.
O International Herald Tribune publica um texto sobre Bruce Davidson aqui.


Time of Change - East 100th St., de Bruce Davidson
Fundation Henri Cartier-Bresson
2, Impasse Lebouis, Paris
Tel.: 33156802700.
De 4ª a Dom. das 13h às 18h30, sáb. das 11h00 às 18h45.
Até 22 de Abril.

 
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