30 março, 2009

 fotografiafalada

Edgar Martins, Landscapes Beyond: The Burden of Proof
© Edgar Martins


Há uma relação muito interessante entre estas duas séries. A dos fogos florestais (The Rehersal of Space) foi produzida entre 2005 e 2006 em Portugal. Inicialmente era para ter sido feita a partir de uma residência em várias corporações de bombeiros pelo país fora, mas esse esquema não funcionou. Acabei por ter ajuda da Protecção Civil e todas as manhãs telefonava a pedir as coordenadas dos incêndios activos. As fotografias de glaciares (Landscapes Beyond: The Burden of Proof) foram todas captadas em países nórdicos, nomeadamente na Islândia.

As imagens das duas sérias são muito fotográficas no sentido ortodoxo da palavra. São minimalistas. São muito… fotográficas, não sei bem que outra expressão usar se não esta. São algo ortodoxas a nível estrutural, a nível formal e a nível pictórico. Quero que o observador faça uma primeira leitura e, à medida que as for estudando, se aperceba que algo mais sinistro está a acontecer dentro delas.

As fotografias de fogos, foram criadas para fazer alusão à pintura romântica de William Turner e John Constable. As imagens de glaciares tentam fazer alusão à fotografia topográfica do século XIX, do apelo ao histórico e ao sublime. No entanto, a particularidade destas fotografias é que, enquanto as pinturas de Turner e Constable celebravam a vida e a morte, estas fotografias fazem o oposto. Anunciam não só a morte do espaço, mas a morte da paisagem como tema pictórico.

A série das paisagens nórdicas surgiu depois das imagens de fogo, mas foram estas que inspiraram as primeiras. De uma forma geral, o meu trabalho lida com duas polaridades: o impacto do modernismo no meio-ambiente em sentido lato; e com a fotografia enquanto processo de representação. Sempre fiz alusão não só ao uso de determinados temas dentro da fotografia, como também à forma como estes temas são entendidos pelo próprio observador. Queria criar um trabalho que lidasse com paisagem, mas que fosse para além disso – que reflectisse sobre o tema da paisagem.

Sempre tive um grande fascínio pela fotografia topográfica do final do século XIX e início do século XX, não pelas fotografias em si, mas pela função que essas fotografias tinham na sociedade. Hoje em dia, a fotografia já não tem as mesmas funções. No trabalho de paisagem nos países nórdicos quis criar imagens que possam ser vistas quase como um exercício de futilidade. Ou seja, nos antigos esquemas topográficos, a fotografia trazia ao mundo espaços remotos, espaços que nunca tinham sido vistos. Nestes trabalhos fiz expedições. Fui com equipas de geógrafos, de geólogos e com equipas de socorro. Quis ir a sítios desolados, de difícil acesso. Embora não estejam muito presentes, sabia que ao representar estes espaços estava a captar lugares que, de uma forma ou de outra, já eram conhecidos. É neste sentido que digo que o resultado desta série acabou por ser um exercício de futilidade. E é neste sentido que estes trabalhos lidam com a morte da paisagem como tema pictórico.

(Edgar Martins)


Edgar Martins, The Rehersal of Space
© Edgar Martins

Topologias, de Edgar Martins
Museu do Oriente, Lisboa
Até 19 de Abril

28 março, 2009

leilões

Alberto Garcia-Alix, autorretrato (mano tatuada), 2000
(leilão Phillips de Pury)


Avizinham-se mais três grandes leilões de fotografia:

»»Sotheby`s (30 de Março): conjunto muito heterogéneo de fotografias que vai desde o início da história da fotografia até à contemporaneidade. Inclui um naipe de grandes nomes, entre os quais Alfred Stiglitz (1864-1946), Paul Strand (1890-1976), Manuel Álvarez Bravo (1902-2002), Berenice Abbott (1898-1991) e William Henry Fox Talbot (1800-1877);

»»Christie`s (31 de Março): terceira e última sessão do leilão do espólio do realizador de cinema Leon Constantiner centrado em imagens do século XX e na obra de Helmut Newton (1920-2004);

»»Phillips de Pury (1 de Abril): conjunto de fotografias sobretudo ligadas à contemporaneidade. Tem muitos dos grandes nomes da história da fotografia da segunda metade do século XX. A venda inclui dois lotes com obras de Helena Almeida.

Helena Almeida, Dessin Habité (Inhabited Drawing), 1977
(leilão Phillips de Pury)

26 março, 2009

DBPP - Paul Graham


Do livro a shimmer of possibility, 2007
© Paul Graham/cortesia Anthony Reynolds Gallery, London


O britânico Paul Graham é o vencedor do 2009 Deutsche Börse Photography Prize, dotado de 30 mil libras (32,5 mil euros). O prémio foi ontem à noite anunciado na Photographers’ Gallery, em Londres, por Jefferson Hack, co-fundador da revista Dazed & Confused. Graham foi escolhido pela edição em livro do trabalho a shimmer of possibility (steidl MACK, Outubro de 2007). O Deutsche Börse Photography Prize reconhece fotógrafos vivos de qualquer nacionalidade que tenham realizado no ano anterior trabalhos marcantes para a fotografia europeia, quer seja através de exposições ou de publicações.
Os outros finalistas do prémio eram: Emily Jacir (1970, Pal.); Tod Papageorge (1940, EUA); e Taryn Simon (1975, EUA).

25 março, 2009

PHE09 - programa

Joshua Benoliel, sem título




Foi hoje desvendado em Madrid o programa de exposições da próxima edição do PHotoEspaña que decorrerá em diferentes locais entre 3 de Junho e 26 de Julho. Lisboa é, pelo segundo ano consecutivo, um dos destinos das exposições da Secção Oficial: o Museu Colecção Berardo receberá a mostra antológica de Cristóbal Hara e uma exposição de Mabel Palacin, que inclui fotografia e vídeo. E Portugal estará também presente em Espanha com um ciclo de cinema de Pedro Costa e com uma exposição antológica de Joshua Benoliel, agendada para a Fundação Saura, em Cuenca. O cinema de Pedro Costa poderá ser visto na Filmoteca espanhola que passará 14 obras fundamentais do realizador, entre as quais "O sangue", "Casa de Lava", "Ossos" e "No quarto da Vanda".

Em declarações citadas pela agência Lusa, Sérgio Mah, comissário geral do festival, destacou a importância da participação de Pedro Costa: "É uma oportunidade excelente para ter alguém que aposta nos modelos documentais e que mantém um compromisso temático que é muito evidente, sobre a vida nas cidades e a vida contemporânea". Ainda na apresentação, Mah recordou que a edição deste ano continua a apostar nos "múltiplos sentidos da história e da cultura fotográfica", apresentando obras "que mantêm um relacionamento peculiar com o quotidiano, com as vivências e gestos mais próximos e comuns". "É um tema muito aberto, mas também fundamental para perceber o tempo social que vivemos. É uma forma de reflectir tendências e fenómenos contemporâneos muito específicos das artes visuais", explicou.

A edição 2009 daquele que é um dos maiores festivais de fotografia da Europa acolherá 72 exposições de 248 artistas e criadores de 40 nacionalidades, organizados segundo a temática do Quotidiano. Entre os artistas escolhidos contam-se os nomes de Gerhard Richter, Larry Sultan, Iñigo Manglano-Ovalle, Malick Sidibé, Dorothea Lange, Ugo Mulas, Jindrich Styrsky, Annie Leibovitz e Mauro Restiffe.

Mais informações no site do PHE09 aqui

fototipias

© António Machado de Mendia, 1913

Em Junho de 1875, Carlos Relvas gabava-se de ter "introduzido" em Portugal "o processo de phototypia". Antes do rico amador da Golegã, José Júlio Rodrigues, da secção Photographica da Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, garantia ter feito, em finais de 1874, "ensaios" com aquele processo fotográfico que, na sua óptica, fornecia "um manancial fecundissimo de esplendidos primores d`arte; destinada porém a morrer, victima da photogravura [...]". Medalhas de mérito à parte, a fototipia foi durante os últimos 20 anos do século XIX um dos processos de reprodução mais exclusivos e cultivados e o alemão Emílio Biel, radicado no Porto, conseguiu industrializar a sua produção, com a edição de álbuns memoráveis.
O Arquivo Municipal de Lisboa - Arquivo Fotográfico acaba de inaugurar uma exposição que relembra a subtileza e a qualidade deste processo de reprodução fotográfica através de trabalhos inéditos do fotógrafo António Machado de Mendia (1880-1933), a maior parte dos quais paisagens captadas no País Basco. Há também reproduções de fotografias captadas por Eduardo Portugal (1900-1958), Domingos Alvão, Silva Nogueira, Francesco Rochinni e outros fotógrafos em actividade no final do século XIX e primeira metade do século XX. Paralelamente a esta exposição, o Arquivo mostra ainda outros processos de impressão fotomecânicos, materiais e processos de fabrico.

»»fototipia: processo de impressão fotomecânico, comercializado a partir de 1868, que permite imprimir muitas provas a partir da mesma matriz, com excelente reprodução dos meios-tons, detalhe minucioso nas sombras e a aparência de fotografias reais. A rede deste processo fotomecânico, irregular, é dificilmente perceptível à vista desarmada, pelo que a semelhança com as provas fotográficas é notável.
(descrição: AML-AF)

Fototipias
Arquivo Municipal de Lisboa - Arquivo Fotográfico, rua da Palma, 246
Até 21 de Maio
Serviço educativo: Paula Figueiredo e Alexandra Nunes

aprender

© Neil Stewart


Estão abertas as inscrições para os workshops Campus PHE Grandes Maestros do PHoto España 09. Durante duas semanas grandes nomes da fotografia mundial partilham com alunos os seus conhecimentos e as suas abordagens ao suporte fotográfico. Esta edição contará com os seguintes formadores: Stephen Shore, Alessandra Sanguinetti, Ángel Marcos, Roger Ballen, Patrick Faigenbaum, Neil Stewart, Jim Goldberg, Stefan Ruiz e Rosângela Rennó.
Inscrições e mais informações aqui

=ColecçãoàVista= 10

Koos Breukel (1962), Porto, 2001
Colecção Nacional de Fotografia © Centro Português de Fotografia


Filtro de dois olhares

Koos Breukel nasceu em Haia em 1962 e estudou na Academia Real das Artes de 1982 a 1986. Inicia-se como fotógrafo freelancer em Amesterdão e especializa-se em fotografia de retrato. Cedo publicado em jornais e revistas, o seu trabalho é hoje considerado um dos melhores exemplos de fotografia de retrato contemporâneo da Holanda. As suas imagens, a preto e branco, são reconhecidas pela técnica perfeita, pelo aproveitamento da luz e pelo constante alvo – retratos de pessoas. Nesse encontro momentâneo entre fotógrafo e fotografado, busca o conhecimento do alvo, da sua história ou histórias. Tenta percepcionar o sofrimento dessas pessoas, provocado pelos reveses da vida, numa tentativa de verificar até que ponto os conseguiram ultrapassar. Nas suas imagens assiste-se a uma paralisia efémera que nos transporta à descoberta da intensidade interna e intimista de quem se dispôs a posar.
(texto:CPF)

24 março, 2009

Mar Fêmea

© Nelson d`Aires

O mar mulher de Vila do Conde

Sérgio C. Andrade
(P2, Público, 20.03.2009)

Há um fundo permanentemente negro nas fotografias de Nelson d'Aires (n. Vila do Conde, 1975). Os raros momentos de luz são os que vêm do mar, mas sempre toldado por um céu irremediavelmente já rendido à noite. São apenas reflexos (relâmpagos, quase) do mar mais íntimo da terra, e por isso mais conforme com a natureza do feminino, como se depreende do título da selecção de fotografias, Mar Fêmea, que Nelson d'Aires expõe na Kgaleria, em Lisboa, até 28 de Março.

Um texto de valter hugo mãe, outro autor vilacondense que sabe bem de que realidade falam estas imagens, explica essa associação. "Quem vive de encontro ao mar conhece dois sentimentos mais fortes, o desejo de partir e o martírio de esperar. É porque alguém parte que outros aprendem a espera, e esta fica sobretudo do lado das mulheres, esses humanos mais parecidos às flores e capazes de fincarem os pés na areia como sondas emocionadas que perscrutam incansavelmente as águas."

As fotografias de Nelson d'Aires "mostram o momento mais feminino do mar" - acrescenta o escritor de O apocalipse dos trabalhadores -, "com o granulado acentuado do preto-e-branco e com a essencialidade da narrativa que contêm". E essas narrativas são as de uma terra de fortes tradições, com as das festas, romarias e outros rituais religiosos. Mas também - e principalmente, aqui - as das horas difíceis vividas à beira do mar, à espera. "Porque esperar também é esperar pelo que não vem, até que o coração se convença de que chega a hora de voltar a casa e suportar a dor", escreve valter hugo mãe.

Nelson d'Aires é um fotógrafo autodidacta, que, depois de dez anos a trabalhar no sector da construção civil, decidiu abraçar a aventura da fotografia e do fotojornalismo. No seu currículo tem o Prémio Reportagem da 7ª edição do Prémio Fotojornalismo Visão/BES, em 2007, por um trabalho sobre a trasladação da Irmã Lúcia. Integra actualmente o colectivo Kameraphoto e tem realizado (ou participado em) sucessivas exposições online e em diferentes galerias e espaços públicos por todo o país.

A exposição Mar Fêmea terá uma evolução até ao dia do seu encerramento, e, durante a sua permanência na Kgaleria, serão realizadas novas fotografias, que substituirão as anteriores.


Mar Fêmea, de Nelson d`Aires
KGaleria, Rua da Vinha, 43A
Até 28 de Março

23 março, 2009

duas

Aspecto da exposição de Rosângela Rennó
© Galeria Cristina Guerra


Duas críticas a exposições de fotografia:

»»José Marmeleira fala sobre Arquivo Universal - A condição do documento e a utopia fotográfica moderna, patente no Museu Colecção Berardo, em Lisboa. aqui

»»Luísa Soares Oliveira fala sobre Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita..., de Rosângela Rennó, patente na Galeria Cristina Guerra, em Lisboa. aqui

BES Photo

© André Gomes


Inaugura amanhã ao público no Museu Colecção Berardo a exposição com os trabalhos dos três finalistas da quinta edição do prémio BES Photo. André Gomes, Edgar Martins e Luís Palma foram escolhidos por unanimidade por um júri de selecção, composto por Delfim Sardo (curador), Miguel von Hafe Pérez (curador) e Nuno Crespo (crítico de arte).
A decisão sobre o vencedor será tomada por um júri constituído por Agnès Sire, (directora da Fondation Henri Cartier-Bresson e curadora independente), Helena Almeida (artista e vencedora da 1ª edição do BES Photo) e Paul Wombell (curador).

Prémio BES Photo
Museu Colecção Berardo, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Até 17 de Maio

20 março, 2009

*Três perguntas a...

Luiz Pacheco
© Pedro Loureiro

Pedro Loureiro. Nasceu na Gafanha da Nazaré, em 1969. Estudou fotografia na MI21/Ecole des Arts et Metiers de l’image, em Paris. De 1991 a 1998 foi fotógrafo do semanário O Independente. Em 1996, foi bolseiro do programa comunitário Leonardo da Vinci, em Paris. Ajudou a fundar a KameraPhoto, agência de fotógrafos, em 2002, e a K Galeria, em 2005. Entre 1998 a 2005 foi fotógrafo da revista Grande Reportagem, e entre 2006 a 2008 editou a revista Notícias Sábado. Actualmente é free lancer e fotógrafo residente na revista de literatura LER. Desenvolve projectos na área da edição e multimédia. Já publicou fotografias e portfólios em dezenas de jornais e revistas nacionais e internacionais. Vive e trabalha em Lisboa. Expõe actualmente Fotografias 94-05 na livraria e galeria Vemos, Ouvimos e Lemos, em Serpa.


Por que é que fotografas?
Fotografo porque me interessa o outro. Interessa-me a vida dos outros, as histórias que têm para contar, não no sentido voyeur, de ir à procura da intimidade. De alguma forma também há intimidade quando me contam histórias, mas nunca fotografo ninguém sem pedir autorização e sem ter uma pequena conversa e explicar o que é que estou a fazer, o que é que pretendo das pessoas. Salvo raras excepções, falo sempre com as pessoas, tento saber um pouco mais sobre elas.

Não tenho a ousadia de achar que pela fotografia conto a verdade ou faço um mundo melhor - não acredito muito na verdade da fotografia, a verdade da fotografia é sempre relativa.

As tuas fotografias apresentam-se muitas vezes distanciadas do sujeito mas nunca a um ponto de se perder o envolvimento mínimo com o que nos queres mostrar. Dão a informação necessária a partir de um ponto que parece sempre no limite de qualquer coisa. O que é que te leva a optar por este espaço de intermediação?
O que me interessa muitas vezes é fotografar uma narrativa - todas as imagens têm pequenos pormenores que nos permitem construir uma narrativa à volta dessa pessoa. Muitas das minhas imagens têm sido feitas com a intenção de serem publicadas em revistas e jornais, estamos a falar de informação de imprensa. Tento sempre contar uma história em cada fotografia. Mas sei que aquelas imagens vão ter uma determinada escala e por isso tenho de ter algum cuidado a fotografar. Mas também há uma vontade própria, ou seja, quando estou a fotografar não penso se as imagens são para tal ou tal sítio.

Esse distanciamento permite ter narrativas à volta das personagens que são sempre centrais e nunca colaterais. Quando capto pessoas, tento dar o olhar que me é dirigido e depois passá-lo para quem vê. As fotografias têm de ter uma leitura própria e a maneira como as pessoas vão ler as minhas fotografias sempre se me colocou. O espaço que guardo entre mim e o sujeito permite-me dar um bom enquadramento da história - da mesma maneira que um texto não começa numa frase e acaba na outra, também as imagens têm de ter uma ordem de leitura. As minhas fotografias têm sobretudo informação e essa informação é conseguida guardando uma certa distância. Hoje não há muito espaço para este tipo de fotografia, infelizmente foi-se perdendo.

Tens uma vasta experiência na área do fotojornalismo e já acompanhaste diferentes projectos editoriais ao longo dos últimos anos. A que é que atribuis a actual encruzilhada em que está envolvida a produção fotográfica documental de grande fôlego em Portugal?
Tenho dúvidas que haja produção documental de grande fôlego em Portugal - não me parece que esteja a haver. Há de facto muitos jornais, muitas revistas e há pessoas óptimas a trabalhar, mas produção documental não existe. A imprensa tem aí um papel, mas não é exclusivo. Na verdade, se juntarmos todos os trabalhos que os fotojornalistas têm feito talvez consigamos encontrar um conjunto de imagens sobre o que é que foi o país nos anos 80 e nos anos 90. Hoje, as instituições que deveriam pensar nisso não o fazem - o CPF não existe, não é dotado de verbas, o Arquivo Municipal de Lisboa não é dotado de verbas, não há dinheiro, mas, no entanto há dinheiro para vir o Nick Knight e para vir o Steven Klein [para fotografar as campanhas de publicidade Portugal Europe's West Coast]. Aí fala-se sempre em milhões e pergunto por que é que esses milhões não são aplicados num conjunto de fotógrafos, de arquitectos, de artistas plásticos, de pintores que documentem e pensem o que há em Portugal.

Ao contrário de outros países não se está a fazer nada. Em França, por exemplo, o Ministério da Agricultura tem uma série de fotógrafos durante o ano inteiro a registar como é hoje a agricultura em França. E comparam como é que foi a agricultura nos anos 70, como é que foi nos anos 80, e como é que as coisas chegaram onde chegaram. Cá não há ninguém. Acho que o problema da falta de produção documental em Portugal passa mais por aí do que propriamente pelos jornais que não têm de ter essa responsabilidade. Há instituições e ministérios que deveriam ter essa responsabilidade e não a têm.

Daqui a uns anos vamos estar a perguntar como é que este país era há 10 ou há 20 anos. Se isto continua assim, havemos de chegar a 2020, a 2030 sem registos nenhuns. Curiosamente os fotógrafos até fazem mais esse registo em termos internacionais - vão mais à Holanda, à Inglaterra, à Alemanha - do que cá em Portugal. Muitas vezes nem estamos a falar de grandes verbas, estamos a falar de coisas muito pequenas.

Há na fotografia em Portugal um problema que não sei identificar. Vejo muitas exposições, mas é tudo muito efémero. O documental e o fotojornalismo não estão na moda. Há até uma vergonha de os meter na parede, uma vergonha de nós próprios, e isso é uma coisa também muito portuguesa, mas já era tempo de acabar. Tenho muita pena, mas produção documental de grande fôlego em Portugal não há.

 fotografiafalada

Robert Adams, Tract house and vegetable garden, Longmont, Colorado, EUA, 1973
Cortesia George Eastman House


Esta fotografia fala-nos do presente.
Ao mesmo tempo que relê a idade de ouro da fotografia documental dos anos de 50 e 60 está a ser coerente com as ideias do conceptualismo.
Nos anos 70, o documento fotográfico já não é um produto fácil, requer metodologias complexas, já não é como o naturalismo do século XIX. Os fotógrafos conceptuais desta década estão a fazer uma contribuição sobre a transformação do espaço urbano. Não só nos deixam a crítica da representação, o conceptualismo, como também nos deixam todo o discurso sobre o direito à cidade num momento em que a cidade está a desaparecer.
A exposição
New Topographics: Photographs of a Man-Altered Landscape, na qual Robert Adams participou, ajudou a redefinir o documento fotográfico em relação à cidade, numa época em que a cidade se estava a converter num território parecido com o que vivemos hoje - a cidade neoliberal, privatizada. Eles começam a mostrar esta realidade no momento em que começou a acontecer.

(Jorge Ribalta, P2, Público, 14.03.2009)

Arquivo Universal - A condição do documento e a utopia fotográfica moderna
Museu Colecção Berardo, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Até 3 de Junho

18 março, 2009

PHE09 - O Quotidiano

Viktor Kolar, série Ostrava, 1979
© Viktor Kolar


O tema da 12ª edição do PHotoEspaña é O Quotidiano. O programa geral de exposições vai ser apresentado no dia 25 no Círculo de Bellas Artes, em Madrid.
Entretanto, a organização já avançou alguns nomes do cartaz que contará com "reconhecidos nomes da fotografia clássica e contemporânea" como Dorothea Lange e Íñigo Manglano-Ovalle e uma grande exposição colectiva dedicada à fotografia dos anos 70.

17 março, 2009

*Três perguntas a...


self-portrait
© Rita Barros


Rita Barros nasceu em Lisboa. Tem um mestrado em Art in Media; Studio Art, da New York University/International Centre of Photography, e uma licenciatura em Photography, da SUNY (State University of New York). Tem retratos e paisagens urbanas publicadas em vários jornais e revistas. Expõe individualmente desde 1992. A série Quinze Anos: Chelsea Hotel é um dos principais marcos da sua carreira. Mostra actualmente o trabalho Wall, na Casa da Cerca, Centro de Arte Contemporânea, em Almada, e participa na exposição colectiva Artistas Portugueses Lá Fora, no Museu da Electricidade, em Lisboa. Vive e trabalha em Nova Iorque.

Por que é que fotografas?
Fotografo pela mesma razão que me levanto todos os dias, tomo um duche, um café. Não por hábito, mas por ser assim que vivo e que encaro o mundo. A fotografia, para mim, é uma conversa que mantenho, uma maneira de comunicar através das cores e formas e que ultrapassa a dislexia e a confusão do significado das palavras.

Em Wall, a maleabilidade do corpo é um contraponto à força pictórica e imutável de uma superfície plana. Esta coreografia táctil que ambiciona superar os limites da física é também uma tentativa de transportar a tua fotografia rumo a universos narrativos mais ficcionais?
Tenho uma forte ligação à narrativa: contar uma história, exprimir uma ideia que não tem de ser objectiva. Em Wall continuo uma ideia iniciada em 2000: através de uma sequência de acções conto uma história de uma forma puramente visual e sem o apoio da escrita. Os títulos são as “pistas” para a ideia que é desenvolvida. No caso de Wall, a parede serve de metáfora e apoio para uma queda e um querer transcender o real. Tenho também uma grande ligação com a literatura o que tem decididamente influenciado o desenvolver destas histórias que conto.

Desde 2000 que crias pequenos livros fotográficos artesanais de tiragem muito limitada. Que importância atribuis a estes objectos? O que é que te leva a produzi-los?
Foi depois de ter feito o livro sobre o Chelsea Hotel que decidi que o formato da edição era ideal para apresentar narrativas que ficam contidas num espaço delimitado criando assim uma experiência intimista: um livro. Como objecto que é, o livro carrega toda uma sensualidade do ser tocado e o leitor ao manuseá-lo participa no movimento da narrativa. Também é importante o facto de os meus livros serem construídos à mão e de haver um envolvimento total e físico nesta criação (contrariamente às edições de tipografia). Cresci rodeada por livros com encadernações muito bonitas. O meu pai era um colecionador que partilhava a sua paixão e que me fazia apreciar a beleza e raridade das suas aquisições.

SWPA09

Piotr Fajfer, Polónia
© Piotr Fajfer

Foram hoje anunciados os vencedores dos Sony World Photography Awards 2009.
A lista de vencedores está aqui

=ColecçãoàVista= 9

Expo Watch Camera, Magnus Niéll, Expo Camera Co., Nova Iorque, EUA
Colecção de Câmaras do CPF © Centro Português de Fotografia

A câmara que parece um relógio

Concebida para ser pequena, facilmente transportada e confundida com um relógio de bolso, esta câmara teve um enorme sucesso junto do público. O seu criador, Magnus Niéll (cidadão sueco, residente em Nova Iorque), patenteou o invento em 1904, tendo-o descrito como uma inovação em matéria de câmaras fotográficas, tanto na sua forma, como na sua construção. A pequena câmara mede apenas 55mm de diâmetro e cabe na palma da mão, tendo sido produzida nas versões metalizada (mais comum), azul, vermelho e preto. Utiliza filme em rolo e permite efectuar 25 exposições em negativos de 15x22mm. A fotografia é obtida pelo botão de dar corda ao relógio, cuja parte superior serve de tampa da objectiva. Embora não seja uma peça rara, é muito valorizada pelos coleccionadores e por isso difícil de encontrar no mercado do coleccionismo.
(texto:CPF)

16 março, 2009

O homem da multidão


Daniel Rocha/Público


O crítico Eduardo Cintra Torres ficou encantado com esta imagem do fotojornalista Daniel Rocha. Eis o texto que escreveu para o Arte Photographica:

A fotografia de Daniel Rocha que ilustrou a manifestação de sexta-feira em Lisboa tem o brilho das grandes imagens prenhes de significados. É um texto aberto à espera dos nossos pensamentos e, também, das nossas emoções.

Em vez dos cem mil, dos duzentos mil, um só. Um homem olha para a câmara do fotógrafo, para nós. Ele está parado, está a posar para nós, mas não se exibe a si mesmo, exibe a sua razão de estar ali, sabe-se lá donde ele vem, não parece de Lisboa, não tem ar de Restauradores, do Palácio Foz escondido mas mostrado o suficiente para situar a fotografia, para fazer dela a imagem da reportagem, da notícia.

O homem exibe a sua luta, seja ela qual for, com o São Guevara numa bandeira e na boina. A bandeira é preta, será anarquista, será comunista, será guevarista, ou é apenas um contra que tem o santo como bandeira de ser contra? É do contra, vê-se-lhe na cara. A bandeira é preta, mas a camisa é vermelha, um mais um dá a simbologia dos anarcas, mas a boina é verde, porque em Portugal os internacionalistas gostam é da santa terrinha, o Guevara é como se fosse a Catarina Eufémia, são parecidos nas suas imagens simbólicas, podia ser ela na bandeira se ela, a Santa Catarina mártir, não fosse propriedade privada do PC.

Enquanto o homem pára para nós, o resto do mundo anda dum lado para o outro. O fotógrafo escolheu uma velocidade de captação que isolou o momento exacto e deixou que os outros manifestantes continuassem — nesta imagem parada — andando, marchando, falando. O movimento do homem de chapéu branco que está por trás do protagonista ficou congelado para sempre na fotografia. E mesmo o São Guevara tremula ligeiramente na bandeira.

O homem parou para o fotógrafo porque sabia que ia ser uma grande fotografia. E foi. Vê-se-lhe nos olhos. Ele parou a luta para a fotografia, mas a paragem foi mais luta que o resto. Ele tem a cara forte, marcada, arguta, popular, inteligente no centro visual da imagem. O centro geométrico cai-lhe na garganta, que é órgão físico de importância numa manifestação, e a cabeça está logo acima, triangula em conjunto com a intersecção das diagonais.

A cabeça é o centro de tudo porque o ângulo ligeiramente picado, com o fotógrafo um pouco mais alto ou acima dele, atira-lhe o corpo para o asfalto da cor da bandeira. A lente angular aproxima de nós a mão que segura o pau da bandeira, mas não nos ameaça, não há perigo, a mão segura gentilmente o mastro, que repousa no ombro. Os óculos, queiramos ou não, são sinal de inteligência e também repousam sobre o peito, porque o dia não é de leituras, mas de andaduras.

A multidão não ameaça, manifesta-se, fala pelo número, fala pela garganta que a fotografia mostra mas só ouve por imagem, a manifestação diz não, que é a única palavra que se lê bem da bandeirola ao fundo.

Não sei por onde vou, sei que não vou por aí, diz-me o homem. Não sabemos quem ele é, não sabemos de onde vem, não sabemos se é do PC, do BE, do sindicato A ou B, se é anarquista, se é livre ou prisioneiro dalguma ideologia, não sabemos, não queremos saber o que quer dizer o sorriso irónico que lhe aflora nos olhos e nos lábios. Ele é o homem da multidão. Ele é o homem daquela multidão e, por causa desta fotografia, de muitas outras multidões.

Eduardo Cintra Torres

Topologias em Lisboa

Edgar Martins, Topologias
© Edgar Martins

Topologias, de Edgar Martins, chega a Lisboa pela mão do Museu do Oriente. Este trabalho, com apresentações em vários locais, entre quais Nova Iorque, está plasmado num álbum com o mesmo nome editado no ano passado pela editora americana Aperture.
No ano passado Edgar Martins, um dos fotógrafos portugueses com maior reconhecimento internacional, ganhou o prémio Personal/Fine Arts Series, nos New York Photo Awards.
A mostra é inaugurada no dia 20 e está patente até ao dia 19 de Abril, na Galeria de Exposições Temporárias, do Museu do Oriente.

13 março, 2009

Yann Arthus-Bertrand

© Emmanuel Duparcq/AFP


A última crónica de Página de Rosto, uma das novas rubricas do P2 de domingo, assinada por José Vítor Malheiros, fala sobre o francês Yann Arthus-Bertrand e o seu projecto "A Terra vista do céu", que originou vários livros e exposições no mundo inteiro.
Aqui fica o texto:

Yann Arthus-Bertrand visto de cima

Foi num fim de tarde do Verão de 2000, em Paris, que vi pela primeira vez as fotos de Yann Arthus-Bertrand. Era uma exposição no Jardim do Luxemburgo, ao ar livre, enormes fotos coloridas de manchas às vezes quase abstractas, penduradas no gradeamento, para serem vistas do lado de fora.

Os transeuntes deslizavam numa marcha silenciosa pelo passeio, hipnotizados pelas imagens, crianças puxavam os pais para lhes mostrar o que tinham visto mais adiante, grupos de pessoas paravam à frente de uma fotografia interrompendo o tráfego, envoltos num fascínio que a chuva miúda do fim do dia só conseguia ampliar.

As fotos da exposição pertenciam ao projecto "A Terra vista do céu", que tinha saído em livro há uns meses e que conheceria um êxito extraordinário em todo o mundo. Eram fotografias tiradas do ar mas muitas delas a baixa altitude, a partir de helicópteros e balões. E mostravam um planeta que, não sendo completamente desconhecido, se revelava dilacerantemente belo e tocantemente frágil, onde a perspectiva tornava surpreendentes as coisas mais familiares, com a terra e as plantas e a água e as casas a desenhar um mosaico de uma variedade e um colorido inesperado. Não eram apenas as grandes paisagens mas também as catástrofes naturais, os sinais da actividade humana, os campos e os jardins e os bairros mostrados de cima mas a uma escala humana, às vezes as próprias pessoas, acenando, uma caravana de dromedários lançando as suas sombras alongadas no pôr-do-sol, pessoas no meio de uma lixeira, tanques a enferrujar ao sol do Iraque.

O enorme livro, que o Scientific American dizia parecer mais uma coffee table que um coffee-table book, conseguiu o efeito que Arthus-Bertrand pretendia, um efeito semelhante àquela fotografia da Terra tirada do espaço na véspera de Natal de 1968, que nos mostrou sozinhos no espaço e que evidenciava tão claramente a nossa fragilidade e como as nossas disputas eram insensatas e mesquinhas.

Arthus-Bertrand, que fará 63 anos dentro de dias, lançou o seu projecto da "Terra vista do céu" em 1994, para assinalar o início do século XXI. O objectivo era fazer o grande fresco do planeta, um recenseamento que mostrasse o estado do nosso habitat. O projecto teve dificuldade em encontrar financiamento mas acabou por conseguir o aval da UNESCO e, a partir daí, as portas começaram a abrir-se. O projecto da "Terra vista do céu" deu origem a inúmeras exposições, prolongou-se por outros livros, alargou-se a duas séries de documentários (Vu du Ciel) tendo acumulado 300.000 fotos de mais de 150 países.

Mas antes de "A Terra vista do céu" já Arthus-Bertrand era famoso. Francês, nascido em 1946, começou por se apaixonar pelo cinema, foi assistente de realização, foi actor (no currículo menciona que contracenou com Michelle Morgan). Aos vinte anos tornou-se encarregado de uma reserva natural em França. Aos trinta anos parte para o Quénia com a mulher, Anne, para fazer um estudo sobre os leões da reserva Massaï Mara. É neste país, onde ficará três anos, que nascem as duas paixões de hoje: a fotografia e o ar. Fotografa os leões, começa a pilotar balões, descobre a beleza dos grandes espaços vistos do céu, lança o seu primeiro livro (Lions). De regresso a França inicia uma carreira como fotógrafo de desporto, de aventura, de viagem. Durante uma dúzia de anos a sua vida distribui-se pelo Paris-Dakar, por Roland Garros, publica na Paris-Match, na Geo, Life, National Geographic.

Em 1991 funda uma agência que reúne especialistas de fotografia aérea de todo o mundo, Altitude.

Lança e apoia organizações e campanhas ambientalistas (Action Carbone, GoodPlanet, Développement Durable Pourquoi?), lança sites de ecologia, apadrinha escolas dedicadas à conservação da Natureza (há sete escolas com o seu nome em França). E vai publicando livros, mais de 50 até agora. E está sempre no terreno, acompanhado de uma equipa que o apoia e transporta os 150 (mínimo) a 450 quilos de material que o seu trabalho exige (20 quilos de máquinas). Para além dos que ficam no quartel-general e asseguram a logística, angariam financiamentos públicos e privados, negoceiam contratos, tratam das relações públicas, tentam obter autorizações de voo. "Em muitos países", queixa-se Yann no seu site oficial, "a fotografia aérea é proibida e considerada como espionagem". As negociações exigem investimento e diplomacia. Há 4 anos que espera autorização para sobrevoar a China, por exemplo.

Há dias, toda a equipa foi expulsa da Argentina quando se preparava para fotografar a barragem de Yacyretá, propriedade da Argentina e do Paraguai, devido a uma acusação de não pagamento de uma dívida a uma agência de viagens. O zelo policial, segundo Arthus-Bertrand, deve-se simplesmente ao facto de que as suas fotos iriam levantar o problema do impacto ambiental da barragem e dos deslocados causados pela sua construção.

Nos últimos anos o cinema e o vídeo captaram a sua atenção.

Home, uma longa-metragem para o cinema, TV, Internet e DVD produzida por Luc Besson, deve estrear a 5 de Junho. O tema são ainda os desafios da protecção do planeta.

Mas o grande projecto dos últimos anos chama-se "6.000 milhões de outros", e aqui Arthus-Bertrand desce à Terra. Nada menos do que 5.000 entrevistas filmadas, feitas em 75 países a pessoas comuns, por seis realizadores, e que deu origem a uma grande exposição no Grand Palais, em Paris, que terminou no mês passado. O projecto nasceu em 2003 mas está a conhecer um novo fôlego na Internet, no site http://www.6milliardsdautres.org/, onde se convidam pessoas de todo o mundo a filmar-se com a sua webcam, a responder a algumas perguntas simples e profundas e a enviar o depoimento para o site. Perguntas como "Qual é a sua primeira recordação?" "É feliz?" "Sente-se livre?" "O que significa Deus para si?" "O que é o amor?" "O que gostaria de transmitir aos seus filhos?" A ideia nasceu depois de uma avaria de helicóptero no Mali, ocorrida ainda antes da realização da "Terra vista do céu", e parece uma página de Saint-Exupéry: "Tive de ficar à espera do piloto e passei uma tarde inteira a falar com um aldeão. Falou-me do seu quotidiano, das suas esperanças, dos seus medos. A sua única ambição era ter comida suficiente para alimentar os filhos", conta Arthus-Bertrand no seu site. "Estava a trabalhar numa encomenda para uma revista e de repente vi-me mergulhado nestas necessidades elementares. Ele olhava-me nos olhos, sem queixas, sem pedir nada, sem ressentimentos. Tinha ido fotografar paisagens e fiquei cativado pelo seu rosto, pela sua palavra".
José Vitor Malheiros


Yann Arthus-Bertrand , Brise-glace Louis Saint Laurent dans Resolute Bay, Territoire de Nunavut, Canadá
© Yann Arthus-Bertrand

12 março, 2009

Weegee em Madrid


Weegee, O palhaço Emmett Kelly, 1944
© Getty images

Retratos da cidade nua

Sérgio C. Andrade
(P2, Público, 06.03.2009)

Há um auto-retrato de 1942 que é todo um programa de vida. Arthur Fellig (1899-1968), mais conhecido por Weegee, abre a mala do Chevrolet e mostra o seu estúdio de trabalho em directo: a máquina Speed Graphic com o seu potente flash, o equipamento de revelação e impressão, a máquina de escrever e... a caixa dos charutos.
Weegee vivia praticamente 24 horas na rua, sempre perto do acontecimento e do que podia vir a acontecer, por via do rádio transístor com que captava em permanência as comunicações da polícia: acidentes, incêndios, lutas entre bandos, homicídios e todas as manifestações mais sórdidas das ruas de Nova Iorque, junto das quais chegava sempre em primeiro lugar. De passagem, também captava instantâneos da entrada e saída da ópera ou do cinema, dos restaurantes ou dos clubes. Para todas essas situações, Weegee moldava uma estranha e perturbadora fotogenia, sempre a preto e branco, que depois registou no seu livro Naked City (1945).

Uma retrospectiva da obra de Weegee - cujos trabalhos já puderam ser também vistos em Portugal, na Lisboa Photo, no Centro de Artes Visuais de Coimbra e no Museu de Serralves - está agora em exposição na Fundação Telefónica, em Madrid, até 17 de Maio. Tem como título óbvio Weegee's New York e conta com 270 fotografias da colecção privada dos suíços Michel e Michèle Auer.

=ColecçãoàVista= 8


Frank Eugene (1865 – 1936), La Cigale, 1904
Colecção Nacional de Fotografia © Centro Português de Fotografia


Camera Work

Frank Eugene, foi gráfico, gravador, fotógrafo e pintor. Nasceu em Nova Iorque onde viveu até 1886. Parte então para Munique, na Alemanha, onde vive até 1898, passando alguns anos em Londres até 1906. Acaba por regressar à Alemanha onde vive até a sua morte. Estudou pintura em Nova Iorque e Munique. Aprendeu Artes Gráficas e iniciou-se na fotografia como amador. Foi um dos membros fundadores da Photo-Secession que abandonou em 1913. Colaborou com Stieglitz na revista Camera Work (1903-1917), onde publicou, desde 1904 até 1916 as suas imagens. A presente fotogravura foi a primeira obra do autor a ser publicada no n.º 5 desta revista, em Janeiro de 1904. As técnicas da gravura estavam bem presentes no seu trabalho. Experimentou também os processos de platina e goma dicromatada.
(texto:CPF)

11 março, 2009


entre aspas


No concerto em Lisboa, contou que o seu marido, Fred "sonic" Smith, costumava dizer: "Tricia, acho que és meio portuguesa!"
[risos] Sim. Ele dizia que um dia eu ia acordar e começar a falar como um pescador português, porque tinha tantos livros sobre Portugal - a nossa biblioteca era um pouco antiga, com álbuns de fotografia de Portugal dos anos 30, com imensos pescadores. (...)

Patti Smith em entrevista a Kathleen Gomes, Ípsilon, 6.03.2009

cut

João Pinto de Sousa, s/título, 2008
(© João Pinto de Sousa)


Cut, o título da exposição individual na Ordem dos Médicos, no Porto, foi escolhido porque o fotógrafo [João Pinto de Sousa] é também cirurgião. O corte é o fundamento da estética fotográfica como o é da invasão cirúrgica.

Sabemos, naturalmente, que os médicos reparam em detalhes e nessa persistência determinada que é a vida. O cut fotográfico suspende num “eternamente” necessariamente variável, o acontecer, o que é afinal uma catástrofe física que o devir da natureza fluida do mundo, de modo algum previa.

Mas a vida não é de facto o que as fotografias, sempre pretéritas e sempre de imagem fixa, nos mostram. É o que sabemos e o que sentimos ao olhá-las que nos devolve o seu significado. Para isso qualquer coisa, qualquer organização na imagem, nos aponta o caminho; só assim ela é entendida e nos cede o seu fascínio. Do fotógrafo exige-se que conheça o código da transferência.
Cut estende-se por duas salas, numa delas a cidade aparece-nos fraccionada, esclarecida pela publicidade, pelas sobreposições de imagens identificadas, pelas atitudes dos seus utentes.

Sobressai a sua face desestruturada, oferecendo-nos o labirinto que a transforma em cidade subterrânea ou, pelo contrário, a urbe acima dos olhos que esconde os seus fetiches da indiferença do nosso olhar citadino. Ocultamento é, naturalmente, uma das suas características que apenas a apropriação da fotografia torna destacável: as suas margens sociais, o seu vício do consumismo, a sublimação da sua violência, as infra-estruturas que a suportam, os mitos arqueológicos da sua austeridade. São imagens de brecha que, como num videoclip de cor, nos impõem aquele olhar que é nosso contemporâneo, breve, difuso, vagamente perceptivo e raras vezes normativo. É o olhar da acumulação, da saturação de imagens, de um quotidiano rodeado de imagens de sucedâneo.

E, no entanto, desafiam-nos com os seus argumentos, apelam á nossa experiência e à nossa aprendizagem cultural. Jogam com a nossa memória fotográfica. Tudo nelas recusa a censurada perspectiva triangular, tudo se move em “olhares de Deus” que o cinema nos trouxe ou na proximidade do motivo, construindo-se no paralelismo dos planos. Uma ironia suave conjuga-se na aparência distanciada dos lugares, no testemunho humano dos objectos, na indeterminação e no desfoque ou na organização da montagem mas não desloca o sentimento geral que este zapping urbano nos insinua, a solidão das pessoas e dos lugares, o irredutível cenário da nossa perigosa sobremodenidade.

Esta flutuação de vida torna-se tese na segunda sala; não se trata de um enclausuramento interior provocado pela difusão da imagem, pela cópia infinita do mundo onde florescem os não-lugares da nossa vagabundagem, que o fotógrafo flaneur nos oferece à associação compreensiva, actualizando ou não o conhecimento vago da tribo urbana. O que se debate aqui é a previsibilidade do horizonte que a obra aberta nos oferece; a previsibilidade do horizonte do olhar, quando esse horizonte, no visível, se esconde. Seja pela abordagem barroca da diluição da cor pelo negro, (a mostra começa aí com um hospital nocturno, definindo-se apenas pelas diversas refracções de cor nas janelas, imediatamente seguido duma estrutura de caixas de plástico que sugerem o amontoado urbano), seja pelas paisagens marítimas, (o mar, que sempre foi o símbolo mais fiel do horizonte) onde o horizonte se desvirtua: pela multidão da praia que o devora, seja porque o plano é uma transparência e o mar, um conceito; ou está destinado ao lugar do espectador, (como a imagem do homem no paredão). Um quase plongé na Ribeira do Porto esmiúça detalhes perceptíveis no longe e no perto, como um qualquer quadro famoso de Pieter Bruegel, que representava, como sabemos, o olhar nórdico que contrariava o olhar perspectivo. Aí, com paciência, podemos imaginar as histórias que queremos do quotidiano, o olhar nunca se perde no infinito; não há fim nem princípio.

O ponto de vista de um caminhar para um horizonte invisível, (e, portanto, imprevisível) representa-se em três fotografias. Só vemos o caminhar, é uma coisa muito bela e muito inquietante. O futuro, o progresso, o dinamismo da vida surgem-nos bloqueados, são análises que aqui neste mundo do presente expandido não funcionam. O que ressalta é a impossibilidade dos limites do ver e do prever. A sedução constrói-se do que falta, da ilusão, da procura de um sentido de infinito.

Maria do Carmo Serén
Março de 2009

Cut, de João Pinto de Sousa
Ordem dos Médicos, Porto
Até 26 de Março

09 março, 2009

*À conversa com...

André Malraux, Selecting photographs for Le Musée imaginaire, circa 1947
Cortesia Maurice Jarnoux/Paris Match/Scoop


A grande (em quantidade e qualidade) exposição Arquivo Universal - A condição do documento e a utopia fotográfica moderna abre amanhã ao público no Museu Colecção Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. No meio de molduras encaixotadas e ao som de berbequins, o comissário catalão Jorge Ribalta aceitou responder a estas perguntas:

A condição de documento é uma maldição para a fotografia?
Pelo contrário. Creio que o documental é a grandeza da fotografia. O conceito de documento é muito mais complexo do que parece. Não tem a ver apenas com a representação das coisas, é muito mais do que isso. Defino documento através dos conceitos e relações de intersecção e de tensão não-pacífica entre museus, arquivo e meios de comunicação. Insisto: o documento tem a ver com esta tensão, que não é fácil e está em conflito.

Uma das razões pelas quais a noção de documento é difícil de definir é justamente porque é noção móbil, instável que muda historicamente – não significa o mesmo nos anos 30 e nos anos 50. Em todo caso, penso que esta capacidade de produzir documento é uma das grandezas da fotografia. Não é uma maldição. É justamente o contrário.

Acha que ainda é pela fotografia que o mundo mais se arquiva?
A fotografia continua a ser o fundamento e o edifício que suporta a cultura visual moderna. Foi o primeiro meio de comunicação de massas, antes da televisão, e partir da qual nasce a imprensa visual... sim, continua a ser [o meio pelo qual o mundo mais se arquiva].

Os meios de comunicação e as tecnologias não operam de maneira a anularem a anterior, mas de maneira a acumularem-se. Quando aparece uma tecnologia esta obriga a que a anterior se defina, mas não quer dizer que anterior desapareça e morra.

Estou contra a ideia de que a fotografia digital acabou com a fotografia. O que houve foi uma transformação.

O que é que esta exposição tenta provar? Que discussão pretende levantar?
A exposição tenta defender a ideia de documento fotográfico numa época em que se fala da morte da fotografia e da pós-fotografia. Tenta defender que a noção de documento é central e deve ser entendida de maneira complexa.

O que acontece agora na arte contemporânea é que parece que há uma moda do documental. Em geral, parece-me que há um uso muito superficial do conceito de documento que ignora a história do meio e a sua dimensão política. A fotografia não é só arte, também é… documento. Ou seja, pode ter um papel no debate público. E esta é uma dimensão importante. Se aceitarmos que a fotografia morreu, então aceitamos que ela já não tem capacidade de documentar, de intervir no debate público, que só pode ser arte. Resisto à ideia de uma fotografia que seja só arte. Pode ser mais coisas, deve ser mais coisas e não devemos renunciar a isso.

O digital empobreceu a mais-valia documental da fotografia?
Não me parece que tenha havido qualquer mudança estrutural. O problema do realismo fotográfico é prévio à fotografia digital. A partir dos anos 60/70 - quando toda uma série de novos artistas e fotógrafos afirmam que a fotografia não era transparente, que era ideologia e construção - começou a problematizar-se a questão que se coloca actualmente com a imagem digital - a questão do grau de realismo, a questão de saber até que ponto a imagem digital, através do Photoshop, põe em causa a condição realística da fotografia.

Não me parece que a tecnologia digital esteja agora a mudar as regras do debate. A partir dos anos 70, o documental passou a necessitar de algo mais do que simples imagens. Precisou de ser acompanhado de texto. Já não acreditávamos na inocência, na transparência da fotografia. Mas isto não quer dizer que o documental e o realismo não sejam necessários. O que se passa hoje é que é preciso pôr em acção métodos mais complexos para construir um documento fotográfico. É preciso estabelecer outro tipo de relacionamento entre o fotógrafo e o seu sujeito e é preciso tornar transparentes as políticas de representação. O debate actual sobre o realismo fotográfico está a repetir o que se discutiu nos anos e 70 e 80.

Qual é a maior utopia que hoje se apresenta ao suporte fotográfico?
Sou um moderno. Creio que a utopia actual é uma utopia moderna. Ou seja - e pode até parecer um pouco tonto dizê-lo – a utopia é poder compreender, intervir e melhorar o mundo. O documental é, historicamente, um género para a melhoria das classes desfavorecidas, nasce para melhorar a vida em sociedade e promover o acesso ao bem-estar. A exposição começa com o trabalho de Lewis Hine a denunciar o trabalho infantil em 1907. Um trabalho que depois provocou reformas legais e impediu que as crianças continuassem a ser exploradas. O documental está ligado a isto. É o seu projecto moderno tal como o entendo – ou seja fazer com que cada vez mais pessoas possam viver melhor e tenham acesso a melhores condições de vida. E isto continua a ser um projecto da fotografia que temos de defender.

O texto de Vanessa Rato no Íplison sobre a exposição está aqui

>>Post relacionado
>Arquivo Universal

Arquivo Universal - A condição do documento e a utopia fotográfica moderna
Museu Colecção Berardo, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Até 3 de Junho



07 março, 2009

Batalha de Sombras

Fernando Taborda, Estrada da Vida, 1954


Quando a fotografia portuguesa se movia por sombras
(P2, Público, 7.03.2009)

O palco principal da batalha é o papel fotográfico. As armas escolhidas são variadas, umas mais afiadas que outras, mas há uma que atravessa muitas provas e que se presta a usos diversificados - as sombras, que ora escondem, ora revelam correntes, intenções e influências. Na exposição Batalha de Sombras - a primeira apresentação pública de imagens fotográficas da colecção do Museu do Chiado que hoje é inaugurada no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira - mostra-se também pela primeira vez de forma estruturada e contextualizada a produção fotográfica dos "amadores" dos anos 50 que deram corpo a uma das décadas mais ricas e mais marcantes da história da fotografia portuguesa do século XX, pouco conhecida, pouco estudada, e muitas vezes arrumada em gavetas demasiado estanques.

Ao contrário do que o tema genérico possa sugerir, Batalha de Sombras não trata de lutas do bem contra o mal ou de jogos de poder entre entidades maléficas e anjos protectores. No momento em se davam os últimos retoques nas legendas das fotografias e no grande painel de abertura onde constam as biografias dos autores representados, Emília Tavares, comissária da exposição vinda do MC e que durante mais de dois anos preparou e investigou este período particular da história da fotografia portuguesa, justificava o título com a intenção de conjugar três aspectos: a marginalidade a que foram votados os trabalhos destes fotógrafos (uma escuridão que em alguns casos durou até hoje); a longa noite do contexto histórico, político e cultural do país que remeteu a produção fotográfica de 50 para um silencioso diálogo de sombras, onde a discussão girava quase exclusivamente à volta da técnica; a concretização pela imagem da melancolia, do desalento e da angústia existencial que percorreram a época...

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*À conversa com...


Varela Pécurto, Belezas da Noite, 1951


...Emília Tavares (comissária da exposição Batalha de Sombras)

Quem são os protagonistas desta batalha de sombras?
É a fotografia portuguesa dos anos 50. É uma época muito sombria da nossa história. A fotografia deste período reflecte um pouco essa melancolia e esse desalento. A batalha de sombras aqui evoca essa dicotomia que se estabeleceu historiograficamente entre fotógrafos que eram todos amadores, mas, supostamente, uns eram mais esclarecidos do que outros. Acho que é uma dicotomia errada se for vista de uma forma linear. Há muitas nuances, ambivalências e contradições.

A exposição relaciona o contexto social, político e histórico desse período com estes fotógrafos. Supostamente estariam a caminhar em sentidos opostos em termos de expressão fotográfica, mas como se vê na exposição não estão assim tão distantes. Mas o que importa sublinhar é que, por vezes, dentro do mesmo autor há manifestações de várias correntes fotográficas. Por outro lado, o título tem a ver com a marginalidade e com a quase inexistência de visibilidade para esta fotografia.

Todos estes autores estão na sombra. Produzem, fazem um trabalho fotográfico, mas sempre na sombra. Ou fazem-no num circuito muito fechado dos salões ou então não mostram os seus trabalhos. Gérard Castello-Lopes , Sena da Silva ou Carlos Afonso Dias têm percursos mais em conjunto ou mais isolados, mas completamente de costas voltadas para outras correntes. E também não mostram os seus trabalhos. Só a partir dos anos 80 é que se tornam conhecidos, quando António Sena os expõe.

Os autores e as obras estavam na sombra em relação à sociedade e ao meio cultural e artístico do seu período, são completamente ignorados. Mesmo os fotógrafos mais empenhados politicamente ou que tinham conotações políticas – há aqui autores que têm uma conotação declarada, como Carlos Afonso Dias que pertenceu ao MUD. Este ensejo de querer outra sociedade, outra cultura e outro regime manifesta-se sempre através de um lado muito melancólico. As imagens da sociedade portuguesa desta época são muito carregadas e tristes, marcadas por uma grande angústia existencial.

O que é que torna os anos 50 um momento tão particular na fotografia portuguesa?
Acho que é uma confluência de todas estas correntes que estão patentes na exposição. É a vertente do salonismo, do naturalismo, do surrealismo, do abstraccionismo, do humanismo e das aproximações às imagens mais neo-realistas ou com preocupação mais social.

A emergência de novas associações fotográficas nos anos 50 que vieram também dinamizar o meio.

Que importância tem a exposição surrealista na Casa Jalco para o desenvolvimento de correntes fotográficas mais desligadas da ideologia e dos salões?
Tem um significado social e cultural muito grande na época. Há uma intencionalidade muito própria para chocar. É o surrealismo ao serviço da inquietação. Dirige-se socialmente à burguesia enquanto que o neo-realismo quer intervir em relação ao povo. É um momento episódico que depois não tem qualquer continuidade, ao contrário do neo-realismo. Estancou ali.

Quando o movimento surrealista se dilui, no início dos anos 50, o próprio Lemos faz aproximações ao abstraccionismo. A influência fotográfica da exposição da Casa Jalco perde-se. Não é um caminho que seja explorado também porque internacionalmente a fotografia segue outros rumos. Quando chega Gérard Castello-Lopes e o seu grupo não estão interessados no surrealismo, estão mais interessados na fotografia realista de inspiração francesa e na escola americana.

Há muitos nomes nesta exposição sobejamente conhecidos mas outros sobre os quais raramente se ouviu falar. A que é que se deve este desconhecimento quase absoluto de um período da nossa história da fotografia que afinal não é assim tão distante?
Deve-se a essa inexistência de expressão pública da fotografia na época. Quando foi incorporada nas exposições de artes plásticas da Sociedade Nacional de Belas Artes a fotografia só esteve presente em 3 das 11 exposições. Não se falava sobre fotografia, os outros artistas não falavam sobre fotografia. Do ponto de vista historiográfico a atenção também foi quase nula. Há muita história da fotografia portuguesa que ainda está por desvendar. Aqui [nesta exposição] era importante conhecer as imagens para sabermos sobre o que é que estamos a falar. Se nem as imagens conhecíamos não se podia partir para lado nenhum. É por isso que é tão importante a investigação.


Continua a ser fulcral para a fotografia portuguesa procurar espólios e aprofundar conhecimentos sobre espólios já conhecidos e isso é uma luta que passa pelas universidades e pelos museus, por todos os agentes culturais que devem investir mais nesta vertente.

Outra coisa importante para esta questão da visibilidade é que todos estes autores de que fala esta exposição eram amadores, tinham outras profissões e a fotografia era como um passatempo, exceptuando alguns como António Paixão e João Martins. O que temos aqui era uma manifestação daquilo a que se pode chamar de “baixa cultura”.

Exceptuando o Harrington Sena e Franklin Figueiredo, todos os outros amadores salonistas têm até algum pudor em considerar a fotografia como arte. João Martins dizia, por exemplo, que a fotografia era arte mas não se equiparava à pintura.

Há outra vertente muito importante dos anos 50 que é a visita de muitos fotógrafos estrangeiros a Portugal. É muito interessante olhar hoje para essas imagens e para estas.

Paradoxalmente, neste clima social e cultural abafado, pouco discutido e ousado quanto baste, produziram-se imagens fotográficas com um grande impacto documental e estético que influenciaram muito do que se fez nas décadas seguintes...
A influência se calhar não é assim tão consciente. O livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre foi praticamente ignorado até há pouco tempo. Nos anos 60 a grande via de afirmação da fotografia portuguesas é a da fotorreportagem. Nomes como Jorge Guerra, Augusto Cabrita, Alfredo Cunha, e Eduardo Gageiro começam a explorar mais o real na fotografia. Quando olhamos para as suas imagens é natural vermos reflexos daquilo que está para trás no livro da dupla Palla/Costa Martins.

As outras vertentes são mais ou menos abandonadas. Os salões começaram a cair, vão morrendo por si próprios. A fotografia começa a ser também incorporada no discurso artístico de uma forma que não tinha sido até então. Os artistas plásticos começam a utilizar a fotografia integrando-a noutras linguagens.

No texto de apresentação afirma-se que a tradição e a inovação deixaram de ser neste período os principais pontos de referência. Para onde se voltaram então as principais correntes fotográficas?
Para a hibridez. O que mais me fascinou neste período foi a riqueza na contradição. Foi ter um fotógrafo com a paisagem mais bucólica possível, mais clássica e tradicional, e a seguir com uma abstracção a explorar as linhas, a luz e as sombras.

Olho para as correntes dos anos 50 como se fossem nichos, todos de costas voltadas, mas que a um certo nível estão a tecer uma rede, relações, contaminações e interferências. Olhando hoje historicamente para isso percebe-se que há ali um mapa de expressões do qual os próprios não se apercebiam.

Pode falar-se do surgimento de um modernismo fotográfico durante os anos 50? Em que escolhas se manifestava essa opção?
Pelo menos da afirmação de um certo modernismo, acho que sim. É curioso porque parece que estes autores surgiram do nada. Olha-se para trás e pergunta-se onde é que eles foram buscar as suas influências, as suas linguagens. Mas não nos podemos esquecer de uma coisa: apesar de serem fechados os salões tinham relacionamento internacional. E se calhar esta era a única esfera da fotografia portuguesa deste período a ter este contacto sistemático com coisas que se faziam noutros países.

É importante dizer aqui também – e sou obrigada a rever algumas das minhas posições quando publiquei em livro a investigação sobre João Martins – que não é assim tão linear a associação entre salonismo e fascismo. É óbvio que o salonismo também serviu a fotografia de propaganda, mas de facto este género não é só isso. E essa é a grande lição que tirei ao estudar agora a década de 50. É um estereótipo que acho que vale a pena rever. Dentro do salonismo as coisas não são rectilíneas.

A fotografia salonista teve algum impacto noutros géneros?
Não, porque não tinha expressão pública. Não podia influenciar nada porque não tinha visibilidade. Nem visibilidade nem reconhecimento.

Acha que o Estado Novo não impôs assim tanto como pensávamos a sua ideologia à produção fotográfica?
Acho que não. O regime nunca impôs uma linguagem fotográfica. Aquilo que António Ferro [líder do Secretariado da Propaganda Nacional e depois do Secretariado Nacional de Informação durante o Estado Novo] fez nas décadas anteriores foi contratar os grandes fotorrepórteres e aproveitar o trabalho que já tinham feito. A máquina de propaganda do regime foi buscar aquilo que já existia. A utilização dessas imagens é feita de acordo com interesses muito específicos do ponto de vista ideológico. Há imagens dos anos 30 que são aproveitadas para os grandes álbuns do Estado Novo que tinham sido publicadas em reportagens dez anos antes noutro contexto completamente diferente.

 
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