30 março, 2009

 fotografiafalada

Edgar Martins, Landscapes Beyond: The Burden of Proof
© Edgar Martins


Há uma relação muito interessante entre estas duas séries. A dos fogos florestais (The Rehersal of Space) foi produzida entre 2005 e 2006 em Portugal. Inicialmente era para ter sido feita a partir de uma residência em várias corporações de bombeiros pelo país fora, mas esse esquema não funcionou. Acabei por ter ajuda da Protecção Civil e todas as manhãs telefonava a pedir as coordenadas dos incêndios activos. As fotografias de glaciares (Landscapes Beyond: The Burden of Proof) foram todas captadas em países nórdicos, nomeadamente na Islândia.

As imagens das duas sérias são muito fotográficas no sentido ortodoxo da palavra. São minimalistas. São muito… fotográficas, não sei bem que outra expressão usar se não esta. São algo ortodoxas a nível estrutural, a nível formal e a nível pictórico. Quero que o observador faça uma primeira leitura e, à medida que as for estudando, se aperceba que algo mais sinistro está a acontecer dentro delas.

As fotografias de fogos, foram criadas para fazer alusão à pintura romântica de William Turner e John Constable. As imagens de glaciares tentam fazer alusão à fotografia topográfica do século XIX, do apelo ao histórico e ao sublime. No entanto, a particularidade destas fotografias é que, enquanto as pinturas de Turner e Constable celebravam a vida e a morte, estas fotografias fazem o oposto. Anunciam não só a morte do espaço, mas a morte da paisagem como tema pictórico.

A série das paisagens nórdicas surgiu depois das imagens de fogo, mas foram estas que inspiraram as primeiras. De uma forma geral, o meu trabalho lida com duas polaridades: o impacto do modernismo no meio-ambiente em sentido lato; e com a fotografia enquanto processo de representação. Sempre fiz alusão não só ao uso de determinados temas dentro da fotografia, como também à forma como estes temas são entendidos pelo próprio observador. Queria criar um trabalho que lidasse com paisagem, mas que fosse para além disso – que reflectisse sobre o tema da paisagem.

Sempre tive um grande fascínio pela fotografia topográfica do final do século XIX e início do século XX, não pelas fotografias em si, mas pela função que essas fotografias tinham na sociedade. Hoje em dia, a fotografia já não tem as mesmas funções. No trabalho de paisagem nos países nórdicos quis criar imagens que possam ser vistas quase como um exercício de futilidade. Ou seja, nos antigos esquemas topográficos, a fotografia trazia ao mundo espaços remotos, espaços que nunca tinham sido vistos. Nestes trabalhos fiz expedições. Fui com equipas de geógrafos, de geólogos e com equipas de socorro. Quis ir a sítios desolados, de difícil acesso. Embora não estejam muito presentes, sabia que ao representar estes espaços estava a captar lugares que, de uma forma ou de outra, já eram conhecidos. É neste sentido que digo que o resultado desta série acabou por ser um exercício de futilidade. E é neste sentido que estes trabalhos lidam com a morte da paisagem como tema pictórico.

(Edgar Martins)


Edgar Martins, The Rehersal of Space
© Edgar Martins

Topologias, de Edgar Martins
Museu do Oriente, Lisboa
Até 19 de Abril

2 comentários:

Renata Caldeira disse...

Muito bom seu blog! :)

A miúda que não é nada de especial disse...

Numa dessas entrevistas que o Jornalista Sérgio Gomes fez em tempos a Martin Parr, perguntando-lhe que conselho daria a alguém que quer mandar um portfolio para a agência Magnum, o fotografo aconselhava que enviassem "uma coisa forte", e acrescentou, que "isso não é uma coisa fácil de fazer. A maioria dos fotógrafos copia o trabalho que os outros estão a fazer. E isto acontece em Portugal, na Inglaterra, na América, acontece em todo o mundo. Conseguimos perceber bem as influências nos trabalhos das pessoas. É muito difícil encontrar identidade no trabalho de um fotógrafo." Eu creio que Edgar Martins tem "identidade". Um trabalho singular e próprio. Por isso o felicito. Talvez fosse difícil apaixonar-me loucamente por o seu género, mas aplaudo com respeito e admiração.

( De qualquer modo, pode haver coincidências e semelhanças sem "cópias"! Não foi isso que aconteceu com Heraclito no ocidente e Lao Tsu no oriente em tempos em que nem mesmo havia Internet? quem copiou quem? Quem foi influenciado por quem? )

 
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