28 junho, 2010

 fotografiafalada


Islândia, 2003
© Manel Armengol

(Manel Armengol)

Esta fotografia funcionou para mim como núcleo definidor da minha primeira viagem à Islândia, uma viagem totalmente solitária, durante 12 dias. A maior parte do tempo, estive em silêncio, sozinho. Para mim, esta condição foi fundamental, porque a relação que estabeleci entre mim e o mundo exterior acabou por ser fortíssima…
Era para mostrar apenas a montanha do vulcão. Estava a entardecer, já havia pouca luz, mas em Julho nunca anoitece completamente, há sempre alguma luz. E assim de repente, ao vê-la de longe… gosto de tudo o que são cosmogonias, relatos antigos das origens… pareceu-me uma mesa ritual no meio da planura… uma ideia que me surgiu como uma aparição – uma mesa ritual natural: ‘vou parar aqui’, pensei. Estava tudo enevoado. ‘vou esperar para ver se aparece uma luz especial, alguma coisa’, pensei. Estava um vento tremendo, ao ponto de ter de me proteger por trás do carro para não ser atirado para o chão. Tinha a câmara e o tripé preparados. Esperei uma meia-hora até que esta luz se definisse. Foi uma emoção… estava à espera que acontecesse alguma coisa que efectivamente aconteceu… alguma coisa que era muito improvável que acontecesse, mas que acabou por acontecer… foi um momento mágico, fundamental, foi a imagem que sustentou todo o trabalho da primeira viagem. Recordo-me de ter pensado que estava perto de um antigo vulcão e da sua chaminé e de pensar que ia a até ao centro da terra… lembrei-me também da lava e das cosmogonias do axis mundi… o que é que existe entre o céu e o centro da terra? Surgiu-me esta pergunta enquanto esperava
.

Manel Armengol, Terrae
Galeria Pente 10, Trav. da Fábrica dos Pentes, 10, Lisboa,
Até 3 de Julho

PHE10 - 5 paragens. #3




A rua já foi uma lírica urbana, agora é um paraíso perdido

Se considerarmos cada fotografia como uma pequena máquina do tempo que é accionada no momento em que alguém a vê, é inevitável não entrarmos na viagem rumo às ruas de Nova Iorque dos anos 40 através das imagens de Helen Levitt (EUA, 1913-2009), onde as crianças se movimentam em liberdade numa teia de cumplicidades e todo o tipo de brincadeiras. Passeios, portas, escadas, esquinas e reentrâncias, fontes, árvores e pontos de água a espirrar géisers - tudo serve para campo de acção desta Lírica Urbana nos bairros populares da grande metrópole registada por uma das últimas grandes autoras da fotografia de rua do século XX, aposta forte da programação do festival com uma exposição antológica (a primeira desde a sua morte em 2009) que abarca trabalhos captados entre 1936 a 1993. A mostra foi comissariada pelo catalão Jorge Ribalta que dedica um ensaio à autora no livro El tiempo expandido que reúne ensaios de vários autores sobre a diversidade de propostas do festival.

As cópias de época de pequeno formato que dão corpo à exposição, sobretudo as que foram registadas durante a primeira década de trabalho de Levitt, convidam-nos de uma maneira eficaz a entrar nessa cápsula do tempo, já que em muitas delas é preciso encostar o nariz ao vidro da moldura e alguma concentração para ver os risos, as caretas e as pistolas de fingir usadas nestas microscópicas peças de teatro, fugazes instantes da vida quotidiana raramente tidos em conta pela “grande” história urbana. Esta subtileza no momento de revelar o seu trabalho através de pequenos formatos está em sintonia com uma actuação de grande delicadeza no momento de fazer o disparo. Helen Levitt bebeu todos os ensinamentos de Walker Evans (uma das suas maiores referências na fotografia a par de Henri Cartier-Bresson), para quem a força do documento fotográfico, o realismo máximo, se conseguiam sobretudo quanto os fotógrafos conseguiam passar despercebidos, sem influenciar o sujeito e, de preferência, com uma máquina Leica na mão.

O mundo que Helen Levitt fotografou nas ruas de Nova Iorque na década de 40, o trabalho pelo qual ficou mais conhecida, desapareceu. Como quase desapareceu a prática fotográfica cândida com que se divertia a registar o divertimento dos outros, a lírica urbana (título mais adequado não podia haver) que hoje os fotógrafos têm mais dificuldade em apreender. É um paraíso perdido.


Helen Levitt, Lírica Urbana. Fotografías 1936-1993
Museo Colecciones ICO (MUICO), Zorrilla, 3, Madrid
Até 28 de Agosto

PHE10 - 5 paragens. #2



Madres e hijas
© Adriana Lestido



Adriana Lestido mete-se dentro das histórias, não se limita a observá-las

O trabalho que Adriana Lestido (Argentina, 1955) tem desenvolvido ao longo dos 30 anos que já leva de carreira está impregnado de uma aproximação documental que se inclui dentro do género do fotojornalismo. As primeiras séries presentes na retrospectiva Amores Difíciles (a primeira mostra individual que apresenta em Espanha com obras captadas entre 1979 e 2007) denunciam muito directamente essa condição formal. Mas à medida que se avança rumo a trabalhos mais recentes, descobre-se uma procura de registos mais fugazes e diluídos, uma procura “pela vivência do tempo como um processo narrativo” que vai revelando uma visão mais poética e emotiva, “uma voz interior”.

A experiência da maternidade em situações emocionais limite tem formado um dos temas centrais da obra da fotógrafa argentina. Dentro desse universo que aborda a dificuldade de construir relacionamentos estáveis (Madres Adolescentes, sobre a solidão e o medo de uma maternidade antes do tempo numa casa estranha, Mujeres Presas, sobre os condicionamentos de ser mãe na prisão), onde é mais nítida a reflexão sobre questões sociais, surge um olhar mais pessoal acerca da “dificuldade de amar” e que se revela sobretudo nos projectos Madres e hijas, El Amor e Villa Gesell. Aqui, os sentidos e as experiências íntimas falam mais alto - a nitidez, o foco e o enquadramento perfeito foram ficando para trás. No primeiro trabalho, Lestido acompanhou durante quase cinco anos alguns altos e baixos do relacionamento de quatro pares de mães e filhas. Em El Amor (1995-2005) e Villa Gesell (2005) aparecem as vivências mais introspectivas e ligadas a uma tentativa de libertar as imagens de qualquer género ou tipologia estética. Lestido é “uma documentalista que não se dilui no género fotojornalístico e que procura um olhar interior, os aspectos mais emocionais que privilegiam os sentidos”, afirmou o comissário Santiago Olmo na apresentação da mostra.

Para Olmo, todas as séries apresentadas (um total de 159 fotografias) são “para ver e sentir”, porque Adriana Lestido “é uma fotógrafa que se mete dentro das histórias, não se limita a observá-las”.


Madres e hijas
© Adriana Lestido


Adriana Lestido, Amores Difíciles
Casa de América, Marqués del Duero, 2, Madrid
Até 29 de Agosto

PHE - 5 paragens. #1

Victoria Beckham
© Juergen Teller


Depois de Juergen Teller a fotografia de moda nunca mais será a mesma

A primeira fotografia visível na exposição Calves and Thighs de Juergen Teller (Alemanha, 1964) não estava programada à partida. Só apareceu porque Katy Baggott, amiga e agente do autor, morreu recentemente durante a preparação da mostra em Madrid. A imagem, que aparece por cima de uma dedicatória de Teller, mostra Baggott com Nobuyoshi Araki, a estrela planetária da fotografia japonesa, num braço de ferro renhido. Embora tenha sido escolhida com o propósito de homenagear alguém, a representação de um personagem do círculo mais íntimo do fotógrafo alemão em confronto (amigável) com um famoso ilustra bem as dicotomias e os conflitos temáticos que atravessam as séries agora seleccionadas pelo comissário inglês Paul Wombell a partir de uma exposição já apresentada em Nuremberga. A sensação de navegação à vista não se relaciona apenas com a aproximação formal da maioria das imagens de Teller (desfocadas, sobreexpostas, tortas… enfim, “retorcidas”, como alguém as classificou) - estende-se aos sujeitos fotografadas que podem ir de auto-retratos intimistas a tomar banho com o filho a objectos vernaculares (muitas vezes abjectos) ou ainda às pernas de Vitoria Beckham enfiada dentro de um saco de compras da marca de roupa Mark Jacobs.

Fotógrafo de moda durante muitos anos para publicações como Arena, The Face e I-D, Teller, juntamente com o conterrâneo Wolfgang Tillmans, é reconhecido como alguém que contribui para quebrar os limites e deu início a mais uma discussão acerca do verdadeiro lugar do género na criação conceptual contemporânea. Enfastiado com a repetição dos cânones, o fotógrafo alemão começou a colocar lado a lado imagens vindas de um universo pessoal e encomendas mais voltadas para a divulgação e publicidade das criações de estilistas ou marcas de roupa. No meio de todo este caldeirão imagético, cujo resultado se aproxima de um exercício de psicanálise público, prevalece um fio condutor mínimo ao nível do tema – o retrato. E também ao nível da forma – o flash e a luz artificial.

O catálogo da exposição, que o comissário classifica como “extensão” da mostra, abre com 102 perguntas dirigidas por vários amigos (muitos famosos, como não podia deixar de ser) a Juergen Teller. As tentativas de resposta não são dadas com texto – são dadas com imagens.

Juergen Teller, Calves and Thighs
Comunidad de Madrid/Sala Alcalá 31
Até 22 de Agosto

27 junho, 2010

László Moholy-Nagy

Ellen Frank, 1929

László Moholy-Nagy - Regresso ao artista total

Sérgio B. Gomes
(Ípsilon, Público, 18.06.2010)

Se havia em Madrid um lugar perfeito para expor a obra eclética de László Moholy-Nagy (Bácsborsod, Hungria, 1895 – Chicago, EUA, 1946), esse lugar era o Círculo de Bellas Artes (CBA), a casa que ostenta a estátua altaneira de Minerva, a deusa da guerra, da sabedoria e das artes. Uma casa multidisciplinar por excelência, para onde confluem todo o tipo de manifestações criativas, sem filhos pródigos ou parentes pobres. É o mesmo tipo de atitude transversal que norteou todo o percurso de Moholy-Nagy como teórico, pedagogo, académico e criador em vários suportes que vão do cinema à pintura, do desenho gráfico à fotografia, da cenografia à escultura. Um labor intenso, sem hierarquias estéticas, que, durante os anos 20, 30 e 40, procurou a concretização do ideário moderno de artista total, em substituição do endeusamento do artista como génio.

A luz e as suas qualidades como matéria-prima criativa ocuparam a maior parte das obras e do raciocínio teórico de László Moholy-Nagy. Mas não menos importante é a intervenção crítica em relação ao seu tempo histórico, a centelha que fez com que se acendesse essa vontade de procurar nas nuances dos claros-escuros e nos jogos de reflexos dos espelhos uma reacção vanguardista aos cânones, uma alternativa que tenta “despertar o espectador, torná-lo activo”.

“O tempo expandido” é o tema escolhido por Sérgio Mah para fechar o seu último ano como comissário-geral do PHotoEspaña, no âmbito do qual foi inaugurada a exposição de Moholy-Nagy. Se considerarmos o conjunto da obra do mestre húngaro como uma procura incessante por uma “arte nova” capaz de “responder a um momento histórico presidido pela máquina e pela Revolução Industrial”, a mostra que Oliva María Rubio comissariou no CBA representa uma resposta ao tema expandida no tempo.





Ecletismo

O ecletismo com que todos os anos se apresenta o festival - modelo que, ao longo dos anos, se tem afirmado como uma imagem de marca do PHotoEspaña - tem os seus perigos e as suas vantagens. Se por um lado, a variedade das propostas expositivas pode dar contributos importantes para reflectir sobre o tema central, por outro pode estilhaçar demasiado essas referências que, por si mesmas, são difíceis de condensar numa exposição, quanto mais em dezenas delas. As três exposições da Secção Oficial mais direccionadas para os autores clássicos, onde se inclui a mostra A Arte da Luz de László Moholy-Nagy (que já tem itinerâncias agendadas para o Martin Gropius Bau de Berlim e para o Gemeentemuseum Den Haag de Haia), são um bom exemplo de como pode resultar bem esse ecletismo. De uma assentada, podem comparar-se, por exemplo, três utilizações/abordagens muito distintas do suporte fotográfico nos EUA dentro da década de 40 do século passado, se a Moholy-Nagy juntarmos mais duas exposições: Anatomia do Movimento, de Harold Edgerton (EUA, 1903-1990), sobre as experiências com aparelhos fotográficos ultra-rápidos, capazes de revelar os mais ínfimos segredos do movimento; e Lírica Urbana, de Helen Levitt (EUA, 1913-2009), sobre a vida nas ruas de Nova Iorque.

De tão vasta e diversificada que é, a obra do mestre húngaro agora apresentada no festival madrileno pode entrar facilmente em diálogo com outras propostas expositivas. Durante a apresentação da mostra, a comissária Olivia María Rubio, directora de exposições da La Fábrica, empresa que organiza o PHotoEspaña, confessou que entre todas as artes tocadas por Moholy-Nagy, apenas a escultura não está representada. De resto, entre outros grupos de obras, podem ver-se provas de época dos conhecidos fotogramas, imagens conseguidas com a acção directa da luz sobre uma superfície sensibilizada sem a intermediação da máquina que, para o autor, produzem “um efeito sublime, radiante, quase imaterial”, em contraponto com os raiogramas desenvolvidos por Man Ray na mesma época, tecnicamente semelhantes mas com a representação de objectos de contornos bem definidos, menos “poéticos” e à procura do efeito “surpreendente”. São simbólicas também as fotografias captadas de maneira tradicional (com máquina), onde os enquadramentos e as perspectivas revelam o interesse Moholy-Nagy pelas linhas de força e formas geométricas, características de vários autores modernistas que lhe sucederam (não é claro que tenha conhecido Alexander Rodchenko, fotógrafo russo com uma linguagem fotográfica semelhante). Num conjunto muito pouco conhecido, László Moholy-Nagy revela-se também como um dos pioneiros da fotografia a cores, aqui com registos de pendor intimista, sobretudo captados em família.

Falar da enorme importância de László Moholy-Nagy na história da fotografia será sempre um eufemismo. O contributo teórico e criativo que deu para a emancipação plena da produção fotográfica nas primeiras décadas do século XX é incontornável não só para uma prática até então desconsiderada, como para o conjunto de outras artes para onde levou a linguagem da fotografia, principalmente para o cinema e para a pintura. Consciente de que a “a arte é o que desperta os sentidos, que aguça a vista, a mente e as sensações”, Moholy-Nagy “trabalhará com afinco (…) num projecto pedagógico alargado que se concentra na formação desse homem total, suma de psicofísico, intelecto e afecto, um homem não dividido e uma arte que se funde com a vida”, escreve María Rubio no livro de ensaios em torno da proposta temática (novidade deste festival).

Sempre fiel à “estética da luz” e sem contrariar a sua concepção das artes como um todo, a fotografia foi um dos suportes a que László Moholy-Nagy mais voltou. Sobretudo porque “alimentava a ideia de criar uma arte nova à volta da fotografia e porque acreditava que as antigas artes já não podiam representar a vida moderna”. Em paralelo à prática artística e pedagógica (foi professor da Bauhaus em Weimar, 1923-1925, e em Dessau, 1925-1928, na Alemanha, da New Bauhaus e do Institute of Design, ambas em Chicago, nos EUA, até à sua morte, em 1946) desenvolveu uma ampla reflexão teórica em torno da fotografia, cujo principal ensaio é Pintura, Fotografia, Cinema (1925), onde elabora sobre “a luz como matriz da arte”.

Apesar de ter orientado toda a sua criação rumo a um tempo repleto de ideais e de futuro que a história se encarregou de desmentir, a arte de László Moholy-Nagy continua a deslumbrar e muitas das suas máximas revelaram-se certeiras ou estão agora a acontecer diante dos nossos olhos. Como aquela que diz: “Os analfabetos do futuro não serão apenas aqueles que ignorarem a linguagem escrita, mas também todos os que ignorarem o uso da máquina fotográfica”.



Ascona, Itália, 1930

22 junho, 2010

Vanessa Winship


© Vanessa Winship

A fotógrafa inglesa Vanessa Winship ganhou o prémio Descubrimientos do PHoto España 2010 com o trabalho Sweet Nothings, captado durante 2008. Depois deste reconhecimento, Winship terá direito a uma exposição individual na próxima edição do festival. Sweet Nothings reúne retratos de raparigas de zonas rurais da Turquia vestidas com uniformes escolares.
O júri do prémio era constituído por Francisco Carpio, crítico e comissário independente, Brett Rogers, directora da Photographer´s Gallery, de Londres e Markus Hartmann, director de publicações internacionais da editora Hatje Cantz.
Vanessa Winship (1960, Reino Unido) vive actualmente em Londres e, para além da Turquia, já trabalhou em vários países dos Balcãs e do Cáucaso. É representada pela agência Vu.
Já ganhou prémios no World Press Photo e foi nomeada fotógrafa do ano no Sony World Photography.
Os vencedores das edições anteriores do prémio foram: Alejandra Laviada, Yann Gross, Harri Palviranta, Stanislas Guigui, Vesselina Nikolaeva, Comenius Röthlisberger, Pedro Álvarez, Tanit Plana, Sophie Dubosc, Juan de la Cruz Megías, Paula Luttringer e Matías Costa. O Descubrimientos PHE, dirigido a fotógrafos profissionais, recebeu 1851 inscrições. Um grupo de 70 finalistas mostrou os seus portfólios a especialistas de diversas áreas da fotografia vindos de todo mundo. Georges Pacheco era o único fotógrafo português entre este grupo.

17 junho, 2010

OjodePez

O prazo para recepção de portfólios do OjodePez Photo Meeting Barcelona foi ampliado até 1 de Julho.
O visionamento dos trabalhos vai ser feito nos dias 15, 16 e 17 de Julho por Jamie Wellford, Christian Caujolle, Jessica Murray, Craig Cohen, Chris Boot, Silvia Omedes o Gigi Giannuzzi.
Durante estes dias, haverá conferências, projecções e oficinas de trabalho com Susan Meiselas, Alex Majoli, Michael Ackerman, Donald Weber e Bloomberg & Chanarin
Mais informações aqui

=ColecçãoàVista= 56

Ewald Rüffer, Régua, ca.1984
Fundo Ewald Rüffer © Centro Português de Fotografia

Férias em Portugal

Desconhece-se o que levou Ewald Rüffer a fazer tantas viagens a Portugal. Talvez parte da explicação resida no facto de ter sido membro da Associação Luso-Hanseática, orientada para a promoção das relações existentes entre a cidade de Hamburgo e Portugal. Desconhece-se o que mais o fascina no país; desconhecem-se o curriculum e o percurso do autor. Mas conhecemos o poder das imagens, a importância que elas têm, os sítios, os costumes, as gentes, o quotidiano, a cultura, a tradição, as belas paisagens… E revemo-nos em cada uma delas. É notável o facto de as típicas e comuns imagens de férias terem tanto para nos contar sobre nós próprios e sobre o nosso país. Entre 1955 e 1995 fez inúmeras viagens a Portugal e elaborou um registo fotográfico dos diversos locais por onde passou, de norte a sul, incluindo as ilhas.
(texto:CPF)

11 junho, 2010

PHE10 - notas #2

João Castilho, da série Redemunho
© João Castilho


# Na televisão, logo de manhãzinha, quatro jornalistas conversam com Felipe González, a eminência (pouco) parda da política espanhola, sobre a crise e a soluções para voltar a respirar acima da linha da água. Quando uma televisão começa o dia desta maneira é porque a coisa pode ser mesmo grave. Afinal é possível: um político pode falar na televisão durante mais de três minutos seguidos sem ser interrompido.

# Com tanta conversa até me perdi nas horas. Engoli o café e quando cheguei ao Instituto Cervantes para mais um inauguração PHE um polícia carrancudo quis saber o que levava na mochila. Logo a seguir, uma senhora simpática agarrou-me pelo braço e perguntou-me o nome e, sem mais, enfiou-me na conferência de imprensa Percepciones del consumidor español ante el robo de identidad. Nem reagi, não sei bem porquê, talvez por causa do polícia carrancudo. Antes de entrar na sala, os jornalistas tinham de passar por um painel em frente ao qual um rapaz disfarçado de polícia tirava instaxes (o suporte com que a FujiFilm tentou imitar a Polaroid). Puseram-me um cartaz à frente do peito e o flash disparou numa brincadeirinha de marketing cujo objectivo real desconheço. Duas raparigas levaram-me depois para a antiga caixa forte do edifício onde está instalado o Cervantes e eu então percebi que estava no casamento errado. Como uma vez um tio meu que seguiu o carro dos noivos de outra família. Saí de fininho já com uma nota de prensa na mãos que titula Los españoles afirmam estar muy preocupados por el robo de identidad pero son poco precavidos.

# Alejandro Castellote e Juan Antonio Molina fizeram um bom trabalho de comissariado dos Encubrimientos (os Descubrimientos voltados apenas para os fotógrafos da América do Sul). Ficaram-me especialmente os trabalhos de João Castilho (Brasil), Sebastián Friedman e Alejandro Lipszyc (ambos da Argentina).

# Saquei da instax para me rir mais um bocado. É anedótica. Mas pelo menos dá para ver que meço 1,75 cm.

# Ali a dois passos, Juergen Teller apresentava Calves & Thighs, fotografias esbranquiçadas ora intimistas, ora absurdas ou as duas coisas juntas. Quase todas à procura da provocação.

# Na Alcalá quase todos os dias há uma manifestação. Hoje eram os trabalhadores dos correios. As pandeiretas e os apitos davam o tom de samba com que os sindicatos querem fazer dançar as medidas de austeridade decretadas por Zapatero.

# Os vídeos de Roman Signer no Matadero casam na perfeição com o local. Rastilhos, explosões, fumo e fogo numa sala negra por onde também já andou a língua do diabo.

# Num par de dias já ouvi três pessoas a dizer que é preciso reciclar os actuais políticos, ou lá o que isso significa na realidade. É capaz de ter a ver com aquela coisa de esquerda e direita.

09 junho, 2010

PHE10 - notas #1

Helen Levitt, Nova Iorque, 1940


# Chove, está frio em Madrid. O cheiro da terra molhada no Jardim Botánico compensou a barulheira dentro das salas onde estão os trabalhos de Bleda y Rosa e de Jem Southam.

# A exposição de Óscar Muñoz no Circulo de Bellas Artes (CBA) mostra como pode ser efémera a imagem. E como a memória é uma faculdade que convém exercitar.

# Os do El Brillante puseram no meio da tasca um bocadillo de calamares do tamanho de gente. É só para que fique bem claro que é ali que se come o melhor bocadillo de calamares de Madrid. E era preciso? Não.

# Fernando Sánchez Castilllo quis registar pessoas a tocar nas estátuas equestres de Franco que se retiraram das ruas de muitas localidades e cidades espanholas. Deu-se mal. A maior parte das instituições que ainda guardam este tesourinho deprimente não lhe abriram as portas do refugo onde Franco está encarcerado.

# O mestre László Moholy-Nagy reina no CBA. A exposição revela na perfeição como era um artista total.

# Este ano, a fita não foi cortada pelo realeza do topo. Mas enviaram reforços.

# Os Amores Difíciles da argentina Adriana Lestido são uma das boas surpresas do festival. Mais de 30 anos de trabalho resumidos em pequenos conjuntos que mostram bem como podem ser intrincadas as relações humanas.

# No sempre magnífico e singular espaço do Canal Isabel II, Isabel Muñoz põe-nos à prova com imagens violentas que testemunham um cerimonial religioso do Curdistão.

# O mundo que Helen Levitt fotografou nas ruas de Nova Iorque (sobretudo na década de 40) desapareceu. Como desapareceu o tipo de prática fotográfica com que se divertia a registar o divertimento dos mais novos.

PHE10

Hiroshi Sugimoto, da série Tri City Drive-in, San Bernardino, 1993
Hiroshi Sugimoto/Cortesia Galeria Koyanagi


Tempo para pensar os tempos da fotografia
(P2
, Público, 9.05.2010)

No metro, dois homens discutem em amena cavaqueira e muitos gestos à mistura um dos actuais temas de Madrid – Mourinho, claro.

Um desconfia da capacidade do treinador português para levantar o Real das ruas da amargura. O outro vai lembrando os títulos, os sucessos e o carácter do antigo técnico adjunto de Bobby Robson no Barcelona. Madrid vive um tempo de expectativa e anseia pela mestria que José Mourinho já provou noutros emblemas. E o clube quer voltar rapidamente para as primeiras páginas dos jornais, com o treinador prometido a erguer a taça e os jogadores eufóricos, todos juntos em registos fotográficos de alcance global e de consumo rápido. Não podemos saber se o treinador português será campeão em Espanha, nem tão-pouco se levantará troféus ao serviço do Real.

Mas, se isso acontecer, aí talvez o artista norte-americano Paul Pfeiffer se interesse pelas fotografias de Mourinho vitorioso, em êxtase. Talvez o queira isolar de todo o ruído visual que o cercará para dele dar uma percepção de ser mítico, “o mito de herói solitário e desmesurado, fora do tempo e do espaço”, tal qual os heróis do basquetebol da NBA que aparecem sozinhos nas fotografias que Pfeiffer manipulou para a série Quatro Cavaleiros do Apocalipse, um dos trabalhos seleccionados pelo comissário-geral do festival PHotoEspaña 2010, Sérgio Mah, para a exposição colectiva Entre Tempos – Instantes, Intervalos e Durações que ontem foi inaugurada no Teatro Fernán Gómez, em Madrid.

Nas fotografias que Pfeiffer foi buscar aos arquivos on-line da NBA, o torneio norte-americano de basquetebol, algumas das maiores lendas da modalidade aparecem suspensas, num tempo e num espaço “limpo” digitalmente de todos os elementos que possam perturbar a contemplação absoluta dos momentos escolhidos, instantes que revelam esforço máximo, toda a energia do corpo e da expressão humanas. São fotografias para ver devagar. Que implicam algum grau de reflexão e uma certa predisposição.

Parar para ver imagens, parar para pensar sobre elas e sobre a maneira como se situam conceptualmente no actual panorama criativo. Sérgio Mah, que agora termina um ciclo de três anos à frente do PHotoEspaña (o nome do novo comissário ainda não é conhecido), definiu os três temas mal foi convidado para liderar o festival – Lugar, Quotidiano e Tempo. Mas quis guardar para a última edição o programa mais “reflexivo” e que envolvesse o espectador de uma forma mais intensa “para se tentar perceber o lugar da imagem fotográfica e a sua singularidade no panorama da arte contemporânea”, disse ao P2 o comissário português durante uma visita à exposição. “O que se pretende é a existência do espectador pensativo, diferente do espectador apressado, desinteressado e longínquo. Apesar da tendência para dar valor à rapidez e à velocidade como características que distinguem as sociedades pós-modernas, começa a ser desconcertante (e também necessário) assinalar indícios de inclinações artísticas que tendem para ritmos contrários, favorecendo uma relação mais desacelerada, experiencial e dialéctica com o tempo”, escreve o comissário no catálogo da exposição que reúne trabalhos de 17 artistas, entre os quais o do português Daniel Blaufuks.

Para Mah, a reflexão acerca do tema genérico Tempo “ajuda-nos a tomar plena consciência de que a linguagem fotográfica já saiu da fotografia há muito” para ser utilizada no vídeo, na escultura, na pintura e em todo o tipo de artes visuais. “A fotografia foi muito importante na reprodução do tempo racional e cronometrado, mas também foi muito importante na produção de um tempo predominante visual, fenomenológico, plástico, mental, metafórico e não linear.” Os trabalhos escolhidos para Entre Tempos estão mais relacionados com o último grupo de categorias da fotografia. E foi a partir daqui que surgiram os quatro grandes núcleos da mostra – os efeitos das interrupções, a reprodução de momentos efémeros, o jogo entre imagem fixa e imagem em movimento e a relação da imagem com a percepção da história.

A exposição abre com uma série recente de Jeff Wall que retoma o tema nuclear da sua obra – a realidade quotidiana e, através dela, a sugestão de que existe uma narratividade anterior e posterior às imagens captadas. Ao lado, o espanhol Ignasi Aballí mostra jogos de imagens retiradas de jornais e desprovidas de qualquer texto referencial num convite sedutor ao espectador para refazer algumas das grandes questões da história do nosso tempo.

A estimulação do imaginário continua com os trabalhos fotográficos de estética policial da inglesa Clare Strand, onde há muitos indícios, mas faltam as certezas. É a contaminação do real pelo ficcional. “As imagens ficcionais influenciam a maneira como vemos o real. Este trabalho cria um conjunto de histórias que nos instigam e nos interrogam”, explica Mah. Estes três nomes são alguns dos representantes dos “efeitos das interrupções” na fotografia.

No grupo de trabalhos voltados para o jogo imagem fixa versus imagem em movimento, o belga David Claerbout apresenta uma nova obra videográfica onde a câmara viaja por entre figuras suspensas, num jogo visual sincronizado com som. É uma criação voltada para “a adoração do instante”. Neste conjunto, incluem-se também obras de Tacita Dean, Ceal Floyer e Michael Snow, este último através de um vídeo apresentado na última edição da LisboaPhoto, em 2005.

A representar a relação da imagem com a percepção da história estão, entre outros, o trabalho que Daniel Blaufuks realizou em Terezin (República Checa), e o de Michael Wesely em Berlim. O primeiro revisitou a memória dos lugares e sugere uma experiência visual que está ao mesmo tempo ligada ao presente e ao passado. O segundo realizou um conjunto de imagens que mostram a reconstrução de Berlim. Cada imagem de Wesely tem dois anos de registo do mesmo local e em permanência. Funcionam como camadas da história e do espaço edificado que se construiu ou se destruiu. Mesmo ao lado, Hiroshi Sugimoto joga também com os tempos de exposição da fotografia, desta vez para nos dar um tempo mais curto – a luz por onde passaram horas de imagens cinematográficas.

Um dos artistas mais vistos ao longo do percurso (presente em vários núcleos temáticos) é Jochen Lempert, que no ano passado apresentou na Culturgest, em Lisboa, uma das exposições mais elogiadas do ano pela crítica internacional. Algumas dessas imagens, de minimalismo poético e de movimentos requintados, já foram vistas em Lisboa, mas há trabalhos novos incluídos. Como a série que fecha a exposição e que mostra várias imagens de fumo a sair do vulcão de Stromboli, na Itália. É um conjunto para apreciar com tempo. E para se perceber como ele pode ser imaterial e fluido. E para sairmos também com a noção de como ainda está em aberto a percepção que temos dele.



Michael Wesely, Potsdamer Platz, belim, 27.3.1997 - 13.12.1998
© Michael Wesely, Cortesia Colecção Thomas Kexel, Berlim

01 junho, 2010

entre aspas

Louis-Ferdinand Céline

Qualquer tradução de um grande livro é uma fotografia a preto e branco de um quadro.

António Lobo Antunes, sobre "Viagem ao Fim da Noite", de Louis-Ferdinand Céline,
in Ípsilon, Público

Sally Mann


Sally Mann, Vinland (1992) da série Immediate Family
© Sally Mann/Gagosian Gallery



A última edição da Guardian Weekend Magazine publica uma reportagem sobre a primeira exposição individual da americana Sally Mann no Reino Unido. A mostra, que será inaugurada a 18 de Junho na The Photographers' Gallery de Londres, percorre alguns do trabalhos mais marcantes das diferentes fases da carreira de Mann desde que começou a fotografar, nos anos 70.
O artigo do Guardian está aqui

German Faces

Collie Schorr, Game Keeper, 2004
© Collier Schorr, cortesia 303 Gallery, Nova Iorque


Sérgio B. Gomes
(Público Online, 31.05.2010)

German Faces, da artista americana Collier Schorr, é a exposição que marca o arranque do PhotoEspaña, o festival de fotografia e artes visuais da capital espanhola, que estendeu mais uma vez até ao Museu Colecção Berardo parte da sua programação. No último ano como comissário do festival, o português Sérgio Mah escolheu trazer a Lisboa o trabalho meticuloso que Schorr tem vindo a desenvolver ao longo das últimas duas décadas na cidade alemã de Schwäbisch Gmünd, um conjunto que junta fotografia, vídeo, desenho colagem e que aborda as marcas da história e da memória nos lugares e nos gestos do quotidiano. A mostra, organizada em jeito de retrospectiva, abre amanhã ao público.

Para Mah, que fecha o seu ciclo de três anos como comissário do PhotoEspaña com o tema genérico Tempo, Collier Schorr “é uma das mais importantes artistas da actualidade”. Faz parte de uma geração “que está a fazer um trabalho muito interessante na actualização do histórico”, utilizando “de uma forma muito particular os cânones artísticos para abordar grandes questões da história”.

E uma das grandes questões da história à qual Schorr se dedicou ao longo dos últimos anos foi a II Guerra Mundial e as ressonâncias que o conflito continua a provocar na sociedade alemã. Collier Schorr (n.1963, Nova Iorque) chegou Schwäbisch Gmünd com um olhar de turista, mas à medida que se foi integrando na comunidade local quis aprofundar e problematizar “o seu quotidiano, os seus traços culturais e as suas idiossincrasias psicossociais”.

Ao longo das cinco salas que acolhem a mostra no Museu Colecção Berardo, o espectador é confrontado com imagens em diferentes suportes e dimensões que sugerem pequenas narrativas, que mostram pequenos detalhes, que apelam aos pormenores, que iludem a certeza entre o que faz parte do universo ficcional e o que faz parte do universo real. Nas palavras de Mah, a intenção é “perceber até que ponto a representação dos lugares não nos proporciona apenas uma consciência do espaço visível”, tendo em conta que os lugares “são depósitos de memórias” que articulam o passado e o presente.

Convocar o passado
Num percurso temático e formal pouco linear, Schorr (de ascendência judaica) convoca símbolos do passado nazi da Alemanha para questionar a forma como essa referência histórica ainda influencia a vida quotidiana e para perceber de que modo desperta expectativas, traumas e temores. Ao lado de retratos de rapazes fardados e com símbolos que nos ligam a um momento histórico preciso e dramático há imagens de momentos indefinidos no tempo e de objectos do quotidiano que dão referências abstractas e abrem campo à especulação e à dualidade de sentidos. Numa das imagens da série que mostra flores suspensas na paisagem por linhas, o bucolismo das diferentes cores e da claridade solarenga esconde o peso simbólico de fardas nazis e material de guerra que ali foi enterrado por um ex-militar. “Este é um lugar estigmatizado pela memória, guerra, nacionalismo, emigração e reconstrução social, ou seja, uma realidade marcada pelo seu tempo que a artista procura explorar de forma a fazer emergir os seus efeitos psíquicos e sociais”, explica Sérgio Mah no texto de apresentação da mostra.

Durante uma visita à exposição com um grupo de jornalistas na véspera da inauguração ao público, Collier explicou que não está interessada em fazer um trabalho que espelhe simplesmente “a luta do bem contra o mal”. “As minhas fotografias têm muito de comentário. O meu trabalho não é sobre tudo e mais alguma coisa. Quero que as pessoas entendam aquilo que quero dizer sobre um tema.” E para tentar concretizar essa tarefa, Collier veste a pele não só de fotógrafa, mas também de antropóloga social, psicanalista, arqueóloga e contadora de histórias.

A variedade de aproximações formais ao tema está bem espelhada na montagem final da exposição, que tanto inclui fotografias e desenhos realizados segundo as regras do documentalismo mais pragmático (os retratos fazem lembrar as séries tipológicas que August Sander realizou para a república de Weimar) como colagens resultantes de derivações ficcionais ou simples fotocópias de fotografias coladas na parede classificadas por Collier como “anotações”, como as que os escritores fazem ao lado dos textos.

Em vez de procurar a monumentalidade, os “vestígios da guerra” à larga escala, como o tema à primeira vista poderia sugerir, Collier orientou o seu discurso visual para universos ligados ao vernacular, ao bucólico, ao sexual e ao fetichista, problematizando a história, a memória colectiva e a identidade social a partir de uma escala micro, sem nunca sair dela.

A localidade de Schwäbisch Gmünd, bem como os rostos e os objectos que lhe dão forma, “compõem uma metáfora da Alemanha do pós-guerra, uma sociedade presa na sua própria história”, e que, por este trabalho, demonstra ter ainda alguns fantasmas no armário.

O restante programa do festival PhotoEspaña 2010 começa no dia 9 de Junho em Madrid e Cuenca, localidade que receberá a mostra Batalha de Sombras que reúne alguns dos autores mais representativos da produção fotográfica portuguesa dos anos 50. A maioria das exposições estará patente até ao dia 25 de Julho.

Haywagon, 2009
© Collier Schorr, cortesia 303 Gallery, Nova Iorque

 
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