09 junho, 2010

PHE10

Hiroshi Sugimoto, da série Tri City Drive-in, San Bernardino, 1993
Hiroshi Sugimoto/Cortesia Galeria Koyanagi


Tempo para pensar os tempos da fotografia
(P2
, Público, 9.05.2010)

No metro, dois homens discutem em amena cavaqueira e muitos gestos à mistura um dos actuais temas de Madrid – Mourinho, claro.

Um desconfia da capacidade do treinador português para levantar o Real das ruas da amargura. O outro vai lembrando os títulos, os sucessos e o carácter do antigo técnico adjunto de Bobby Robson no Barcelona. Madrid vive um tempo de expectativa e anseia pela mestria que José Mourinho já provou noutros emblemas. E o clube quer voltar rapidamente para as primeiras páginas dos jornais, com o treinador prometido a erguer a taça e os jogadores eufóricos, todos juntos em registos fotográficos de alcance global e de consumo rápido. Não podemos saber se o treinador português será campeão em Espanha, nem tão-pouco se levantará troféus ao serviço do Real.

Mas, se isso acontecer, aí talvez o artista norte-americano Paul Pfeiffer se interesse pelas fotografias de Mourinho vitorioso, em êxtase. Talvez o queira isolar de todo o ruído visual que o cercará para dele dar uma percepção de ser mítico, “o mito de herói solitário e desmesurado, fora do tempo e do espaço”, tal qual os heróis do basquetebol da NBA que aparecem sozinhos nas fotografias que Pfeiffer manipulou para a série Quatro Cavaleiros do Apocalipse, um dos trabalhos seleccionados pelo comissário-geral do festival PHotoEspaña 2010, Sérgio Mah, para a exposição colectiva Entre Tempos – Instantes, Intervalos e Durações que ontem foi inaugurada no Teatro Fernán Gómez, em Madrid.

Nas fotografias que Pfeiffer foi buscar aos arquivos on-line da NBA, o torneio norte-americano de basquetebol, algumas das maiores lendas da modalidade aparecem suspensas, num tempo e num espaço “limpo” digitalmente de todos os elementos que possam perturbar a contemplação absoluta dos momentos escolhidos, instantes que revelam esforço máximo, toda a energia do corpo e da expressão humanas. São fotografias para ver devagar. Que implicam algum grau de reflexão e uma certa predisposição.

Parar para ver imagens, parar para pensar sobre elas e sobre a maneira como se situam conceptualmente no actual panorama criativo. Sérgio Mah, que agora termina um ciclo de três anos à frente do PHotoEspaña (o nome do novo comissário ainda não é conhecido), definiu os três temas mal foi convidado para liderar o festival – Lugar, Quotidiano e Tempo. Mas quis guardar para a última edição o programa mais “reflexivo” e que envolvesse o espectador de uma forma mais intensa “para se tentar perceber o lugar da imagem fotográfica e a sua singularidade no panorama da arte contemporânea”, disse ao P2 o comissário português durante uma visita à exposição. “O que se pretende é a existência do espectador pensativo, diferente do espectador apressado, desinteressado e longínquo. Apesar da tendência para dar valor à rapidez e à velocidade como características que distinguem as sociedades pós-modernas, começa a ser desconcertante (e também necessário) assinalar indícios de inclinações artísticas que tendem para ritmos contrários, favorecendo uma relação mais desacelerada, experiencial e dialéctica com o tempo”, escreve o comissário no catálogo da exposição que reúne trabalhos de 17 artistas, entre os quais o do português Daniel Blaufuks.

Para Mah, a reflexão acerca do tema genérico Tempo “ajuda-nos a tomar plena consciência de que a linguagem fotográfica já saiu da fotografia há muito” para ser utilizada no vídeo, na escultura, na pintura e em todo o tipo de artes visuais. “A fotografia foi muito importante na reprodução do tempo racional e cronometrado, mas também foi muito importante na produção de um tempo predominante visual, fenomenológico, plástico, mental, metafórico e não linear.” Os trabalhos escolhidos para Entre Tempos estão mais relacionados com o último grupo de categorias da fotografia. E foi a partir daqui que surgiram os quatro grandes núcleos da mostra – os efeitos das interrupções, a reprodução de momentos efémeros, o jogo entre imagem fixa e imagem em movimento e a relação da imagem com a percepção da história.

A exposição abre com uma série recente de Jeff Wall que retoma o tema nuclear da sua obra – a realidade quotidiana e, através dela, a sugestão de que existe uma narratividade anterior e posterior às imagens captadas. Ao lado, o espanhol Ignasi Aballí mostra jogos de imagens retiradas de jornais e desprovidas de qualquer texto referencial num convite sedutor ao espectador para refazer algumas das grandes questões da história do nosso tempo.

A estimulação do imaginário continua com os trabalhos fotográficos de estética policial da inglesa Clare Strand, onde há muitos indícios, mas faltam as certezas. É a contaminação do real pelo ficcional. “As imagens ficcionais influenciam a maneira como vemos o real. Este trabalho cria um conjunto de histórias que nos instigam e nos interrogam”, explica Mah. Estes três nomes são alguns dos representantes dos “efeitos das interrupções” na fotografia.

No grupo de trabalhos voltados para o jogo imagem fixa versus imagem em movimento, o belga David Claerbout apresenta uma nova obra videográfica onde a câmara viaja por entre figuras suspensas, num jogo visual sincronizado com som. É uma criação voltada para “a adoração do instante”. Neste conjunto, incluem-se também obras de Tacita Dean, Ceal Floyer e Michael Snow, este último através de um vídeo apresentado na última edição da LisboaPhoto, em 2005.

A representar a relação da imagem com a percepção da história estão, entre outros, o trabalho que Daniel Blaufuks realizou em Terezin (República Checa), e o de Michael Wesely em Berlim. O primeiro revisitou a memória dos lugares e sugere uma experiência visual que está ao mesmo tempo ligada ao presente e ao passado. O segundo realizou um conjunto de imagens que mostram a reconstrução de Berlim. Cada imagem de Wesely tem dois anos de registo do mesmo local e em permanência. Funcionam como camadas da história e do espaço edificado que se construiu ou se destruiu. Mesmo ao lado, Hiroshi Sugimoto joga também com os tempos de exposição da fotografia, desta vez para nos dar um tempo mais curto – a luz por onde passaram horas de imagens cinematográficas.

Um dos artistas mais vistos ao longo do percurso (presente em vários núcleos temáticos) é Jochen Lempert, que no ano passado apresentou na Culturgest, em Lisboa, uma das exposições mais elogiadas do ano pela crítica internacional. Algumas dessas imagens, de minimalismo poético e de movimentos requintados, já foram vistas em Lisboa, mas há trabalhos novos incluídos. Como a série que fecha a exposição e que mostra várias imagens de fumo a sair do vulcão de Stromboli, na Itália. É um conjunto para apreciar com tempo. E para se perceber como ele pode ser imaterial e fluido. E para sairmos também com a noção de como ainda está em aberto a percepção que temos dele.



Michael Wesely, Potsdamer Platz, belim, 27.3.1997 - 13.12.1998
© Michael Wesely, Cortesia Colecção Thomas Kexel, Berlim

 
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