27 junho, 2010

László Moholy-Nagy

Ellen Frank, 1929

László Moholy-Nagy - Regresso ao artista total

Sérgio B. Gomes
(Ípsilon, Público, 18.06.2010)

Se havia em Madrid um lugar perfeito para expor a obra eclética de László Moholy-Nagy (Bácsborsod, Hungria, 1895 – Chicago, EUA, 1946), esse lugar era o Círculo de Bellas Artes (CBA), a casa que ostenta a estátua altaneira de Minerva, a deusa da guerra, da sabedoria e das artes. Uma casa multidisciplinar por excelência, para onde confluem todo o tipo de manifestações criativas, sem filhos pródigos ou parentes pobres. É o mesmo tipo de atitude transversal que norteou todo o percurso de Moholy-Nagy como teórico, pedagogo, académico e criador em vários suportes que vão do cinema à pintura, do desenho gráfico à fotografia, da cenografia à escultura. Um labor intenso, sem hierarquias estéticas, que, durante os anos 20, 30 e 40, procurou a concretização do ideário moderno de artista total, em substituição do endeusamento do artista como génio.

A luz e as suas qualidades como matéria-prima criativa ocuparam a maior parte das obras e do raciocínio teórico de László Moholy-Nagy. Mas não menos importante é a intervenção crítica em relação ao seu tempo histórico, a centelha que fez com que se acendesse essa vontade de procurar nas nuances dos claros-escuros e nos jogos de reflexos dos espelhos uma reacção vanguardista aos cânones, uma alternativa que tenta “despertar o espectador, torná-lo activo”.

“O tempo expandido” é o tema escolhido por Sérgio Mah para fechar o seu último ano como comissário-geral do PHotoEspaña, no âmbito do qual foi inaugurada a exposição de Moholy-Nagy. Se considerarmos o conjunto da obra do mestre húngaro como uma procura incessante por uma “arte nova” capaz de “responder a um momento histórico presidido pela máquina e pela Revolução Industrial”, a mostra que Oliva María Rubio comissariou no CBA representa uma resposta ao tema expandida no tempo.





Ecletismo

O ecletismo com que todos os anos se apresenta o festival - modelo que, ao longo dos anos, se tem afirmado como uma imagem de marca do PHotoEspaña - tem os seus perigos e as suas vantagens. Se por um lado, a variedade das propostas expositivas pode dar contributos importantes para reflectir sobre o tema central, por outro pode estilhaçar demasiado essas referências que, por si mesmas, são difíceis de condensar numa exposição, quanto mais em dezenas delas. As três exposições da Secção Oficial mais direccionadas para os autores clássicos, onde se inclui a mostra A Arte da Luz de László Moholy-Nagy (que já tem itinerâncias agendadas para o Martin Gropius Bau de Berlim e para o Gemeentemuseum Den Haag de Haia), são um bom exemplo de como pode resultar bem esse ecletismo. De uma assentada, podem comparar-se, por exemplo, três utilizações/abordagens muito distintas do suporte fotográfico nos EUA dentro da década de 40 do século passado, se a Moholy-Nagy juntarmos mais duas exposições: Anatomia do Movimento, de Harold Edgerton (EUA, 1903-1990), sobre as experiências com aparelhos fotográficos ultra-rápidos, capazes de revelar os mais ínfimos segredos do movimento; e Lírica Urbana, de Helen Levitt (EUA, 1913-2009), sobre a vida nas ruas de Nova Iorque.

De tão vasta e diversificada que é, a obra do mestre húngaro agora apresentada no festival madrileno pode entrar facilmente em diálogo com outras propostas expositivas. Durante a apresentação da mostra, a comissária Olivia María Rubio, directora de exposições da La Fábrica, empresa que organiza o PHotoEspaña, confessou que entre todas as artes tocadas por Moholy-Nagy, apenas a escultura não está representada. De resto, entre outros grupos de obras, podem ver-se provas de época dos conhecidos fotogramas, imagens conseguidas com a acção directa da luz sobre uma superfície sensibilizada sem a intermediação da máquina que, para o autor, produzem “um efeito sublime, radiante, quase imaterial”, em contraponto com os raiogramas desenvolvidos por Man Ray na mesma época, tecnicamente semelhantes mas com a representação de objectos de contornos bem definidos, menos “poéticos” e à procura do efeito “surpreendente”. São simbólicas também as fotografias captadas de maneira tradicional (com máquina), onde os enquadramentos e as perspectivas revelam o interesse Moholy-Nagy pelas linhas de força e formas geométricas, características de vários autores modernistas que lhe sucederam (não é claro que tenha conhecido Alexander Rodchenko, fotógrafo russo com uma linguagem fotográfica semelhante). Num conjunto muito pouco conhecido, László Moholy-Nagy revela-se também como um dos pioneiros da fotografia a cores, aqui com registos de pendor intimista, sobretudo captados em família.

Falar da enorme importância de László Moholy-Nagy na história da fotografia será sempre um eufemismo. O contributo teórico e criativo que deu para a emancipação plena da produção fotográfica nas primeiras décadas do século XX é incontornável não só para uma prática até então desconsiderada, como para o conjunto de outras artes para onde levou a linguagem da fotografia, principalmente para o cinema e para a pintura. Consciente de que a “a arte é o que desperta os sentidos, que aguça a vista, a mente e as sensações”, Moholy-Nagy “trabalhará com afinco (…) num projecto pedagógico alargado que se concentra na formação desse homem total, suma de psicofísico, intelecto e afecto, um homem não dividido e uma arte que se funde com a vida”, escreve María Rubio no livro de ensaios em torno da proposta temática (novidade deste festival).

Sempre fiel à “estética da luz” e sem contrariar a sua concepção das artes como um todo, a fotografia foi um dos suportes a que László Moholy-Nagy mais voltou. Sobretudo porque “alimentava a ideia de criar uma arte nova à volta da fotografia e porque acreditava que as antigas artes já não podiam representar a vida moderna”. Em paralelo à prática artística e pedagógica (foi professor da Bauhaus em Weimar, 1923-1925, e em Dessau, 1925-1928, na Alemanha, da New Bauhaus e do Institute of Design, ambas em Chicago, nos EUA, até à sua morte, em 1946) desenvolveu uma ampla reflexão teórica em torno da fotografia, cujo principal ensaio é Pintura, Fotografia, Cinema (1925), onde elabora sobre “a luz como matriz da arte”.

Apesar de ter orientado toda a sua criação rumo a um tempo repleto de ideais e de futuro que a história se encarregou de desmentir, a arte de László Moholy-Nagy continua a deslumbrar e muitas das suas máximas revelaram-se certeiras ou estão agora a acontecer diante dos nossos olhos. Como aquela que diz: “Os analfabetos do futuro não serão apenas aqueles que ignorarem a linguagem escrita, mas também todos os que ignorarem o uso da máquina fotográfica”.



Ascona, Itália, 1930

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