18 novembro, 2008

Paris#7 (notas atrasadas)

Lee Miller, Women with Fire Masks, Downshire Hill, Londres, 1941
© Lee Miller Archives

**É possível ir a Paris sem tirar uma única fotografia? É.

**Há quem duvide da existência de uma "escola de Düsseldorf" da fotografia. As catalogações são sempre redutoras e formadoras de equívocos, mas o certo é que um grupo alargado de artistas que a frequentaram, guiados pela nova objectividade, se destacou no panorama artístico contemporâneo formando um corpo de trabalho que, apesar de muito diversificado na forma e no conteúdo, partilha a mesma filiação estética, as mesmas orientações criativas - a do arquivo e a da tipificação. E isto é capaz de ser uma "escola". A exposição Objectivités, que junta professores e alunos da Kunstakademie de Düsseldorf, é uma das propostas mais interessantes da programação do Mois de la Photo. Foi publicado um catálogo que se reveste de particular importância para compreender a produção fotográfica actual.

**Uma rapariga fotografava outra rapariga de ar acabrunhado e cabelo colado à cara pela chuva miudinha. Cenário escolhido: uma fotografia de publicidade a um perfume francês. Aposto que ela não gostou de se ver. O ficheiro deve ter sido apagado.

**Nos 70` americanos fotografou-se com despudor, criatividade e ilusão. Já vimos muitas das imagens que foram escolhidas para a exposição sobre fotografia americana deste período, patente na Biblioteca Nacional de França. Mas o que emociona nunca cansa. E para lá da emoção do reencontro, há a emoção da descoberta pessoal, como a que fiz de Louis Faurer e Bruce Gilden.

**Garry Winogrand: I photograph to find out what something looks like when photographed.

**Parecia uma barata tonta ali para os lados da Bastilha à procura da rua Jules-Cousin. Perguntei a um farmacêutico, a um jornaleiro e a mais meia dúzia de pessoas com cara de quem fosse capaz de me apontar o dedo da direcção certa. Nada, nem um. Depois de meia hora à deriva, desisti. Ou quase: no metro espreitei o mapa outra vez. Zero. Arrisquei mais uma pergunta, a última. A mulher, que notou o sotaque estrangeirado, sorriu, sacou um guia de ruas da mala, seguiu as coordenadas e com um sotaque britânico carregado deu-me as indicações que me levariam à Galeria Vu (uma inglesa a orientar-me em Paris!). Subi à superfície outra vez, andei os quarteirões que precisava e… bati com o nariz na porta quando o programa garantia o contrário. Atrás de mim, duas italianas que vinham ao mesmo entoaram de rajada 10 palavras por segundo. Aí umas 9 deviam ser asneiras, pragas e amaldiçoamentos. À minha conta, os senhores da Vu também devem ter ficado com as orelhas a arder.

**Na Maison Européenne de la Photographie a bicha para entrar chegava à rua. Sabine Weiss apresenta um trabalho de fotojornalismo clássico que inclui uma dúzia de fotografias de Portugal dos anos 50 e 80. Parei algum tempo à frente de uma imagem da Baixa de Lisboa onde uma mulher com um cesto de flores à cabeça corre para o outro lado da estrada, talvez em direcção à Praça do Rossio, onde as rosas e os malmequeres já reinaram. MacDermott & MacGough andam fascinados pelos antigos processos fotográficos (cianotipia, papel salgado...) mas não se deixaram enredar pela armadilha arqueológica. An Experience of Amusing Chemistry é um olhar delicado, actual e criativo para as antigas maneiras de ver. No fotojornalismo, destaque também para a obra do turco Göksin Sipahioglu, mítico fundador da agência Sipa.

**Na rua Gosciny as indicações aparecem em balões de banda de desenhada e letra de brincar. Nos postes e no chão. Parece que estamos dentro dos quadradinhos a disparar mais rápido do que Lucky Luke. Pum! Morri.

**Alguém me pode explicar por que é que o Metro de Lisboa nos obriga a sacar do bilhete sempre que queremos sair de uma estação? Em Paris, e na generalidade das cidades com metro, as portas abrem-se e já está.

**Desilusão máxima: Expérimentations Photographiques en Europe des Anées 20 à Nos Jours. Não há aqui um retrato das experimentações fotográficas coisa nenhuma. O que há é um percurso metido à pressão por meia dúzia de salas onde aparecem artistas avant-garde que usaram a fotografia como suporte.

**Desilusão mínima: Gabriele Basilico, Moscou Verticale. Esta aposta na vertigem pela monumentalidade pode não resultar muito bem e pode até transformar-se na visão de um turista embriagado. Basilico deslumbrou-se até à miopia com a grandeza dos mastodontes arquitectónicos do antigo império russo ou então bebeu uns copitos de vodka a mais.

**O melhor, ao vivo e a preto e branco: Philip Jones Griffiths, Recollections.

**A surpresa, ao vivo e a cores: Reiner Riedler, Fake Holidays.

**O que não vi e gostava de ter visto: John Bulmer, Hard Sixties, l´Angleterre post-industrielle; Nathan Lerner, L`héritage du Bauhaus à Chicago; Xavier Lambours, XElles27; Werner Bischof, Images d`Après-guerre; Jackie Nickerson, Faith; Joakim Eskildsen, Voyages chez les Roms; Miguel Rio Branco, Photos Volées; Pierre Verger, L`Espagne Prémonitoire; Sarah Moon, 1-2-3-4-5; Henri Cartier-Bresson e Walker Evans, Photographier l`Amérique, 1929-1947.

**No Jeu de paume, logo de manhã, há casa cheia. Lee Miller é rainha - pelas fotografias que tirou, pelas fotografias que lhe tiraram.

**Em frente ao Centro Cultural Sueco, onde vi fotografias de Lars Tunbjörk, há um pequeno jardim onde apetece ficar muito tempo. As folhas começaram a cair e os tons de castanho parecem infinitos. O trabalho de Tunbjörk é uma imitação esforçada da crítica consumista de Martin Parr, mas não passa disso. É das heras a ganhar terreno às paredes que me vou lembrar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Então e a expo do Thomas Weinberger comissariada pelo Jorge Calado, que está na Gulbenkian de Paris?

Anónimo disse...

O trabalho do Basilico em Moscovo é um remake das fotografias de vanguarda dos anos 1920s. O Rodchenko em diversos textos argumentou que a fotografia só conseguia romper com a tradição pictórica se criasse uma nova tomada de vista, evitando que a linha do horizonte divida o enquadramento pela metade. Esta nova tomada de vista no entender de Rodchenko revolucionava a fotografia e era revolucionária em si mesmo, vide Phillips, Christopher Photography in the Modern Era. European Documents and Critical Writings, 1913-1940 (New York: The Metropolitan Museum of Art / Aperture, 1989).
É muitissimo irónico que seja o Basilico a fazê-lo contrariando o seu modo de fotografar, mas creio no portfólio de S.Francisco já o havia feito.

A filiação do Lars Tunbjörk no Martin Parr é muito injusta para o Lars. O mimetismo da fotografia e a sua transversalidade por vezes levam-nos a associações que parecendo óbvias não o são. Os trabalhos de Lars Tunbjörk não têm a mesma temática nem os mesmo interesses do Parr.

Um abraço

Paulo Catrica

Anónimo disse...

Estás no bom caminho e estarás enquanto a tua profissão for um meio, um treino, mas nunca um fim ou um vício. O trampolim, em vez de um confortável sofá. E já que nos apresentamos com nome, perfil e uma especificidade no mundo, que o nosso traço tenha pois "identidade" e a capacidade de arranhar.

Fiquei a pensar naquela de Rodchenko e da nova tomada de vista.

 
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