31 julho, 2006

Para o Porto

Paula Luttringer, da exposição Lamento de los muros

Há três exposições novas no Centro Português de Fotografia:
1. El Lamento de los Muros, da argentina Paula Luttringer, partiu dos relatos de 50 mulheres que, à semelhança da fotógrafa, se incluem num grupo de uma centena de milhar de pessoas raptadas e presas pela ditadura militar do general Videla (1976-1983). As imagens revelam os espaços lúgubres de cadeias onde os chamados “desaparecidos” foram encarcerados. Do que se conhece, 30 mil pessoas morreram e mais 100 mil foram interrogadas em prisões clandestinas, encapuçadas e drogadas para não reconhecerem o local do crime nem os seus carrascos.
O jornalista do PÚBLICO Jorge Marmelo conversou com a fotógrafa. A entrevista saiu no jornal de sexta-feira.

Um dia entendi finalmente que, enquanto estive presa, permaneci a maior parte do tempo com os olhos vendados e que vivi essa realidade vendo apenas parcelas dela. Dei-me, então, conta de que essas fotos, que também para mim são as mais confusas, mais ambíguas, são as que melhor reflectem aquilo que eu vivi, porque sempre estava a ver as coisas por baixo de uma venda. Confesso que temi que ninguém entendesse nada deste trabalho
Paula Luttringer, Público, 28.07.2006

Esta colecção de imagens é um testemunho de uma realidade que não tem lugar, que não pode ter lugar, porque a memória dela apenas se guardou nas lacunas do sentir.
(...)
As imagens evocam os lugares que se sabe foram prisões clandestinas.
Mostram, como só as fotografias o fazem, a ausência do inenarrável, um vazio que se preenche com os testemunhos de quem não esquece e a quem não deixam esquecer. Como aquela imagem onde uma sombra opressora se projecta sobre um muro de betão e a luz parece moldar a permanência frágil de uma memória de dor.

Maria do Carmo Serén, texto de apresentação da exposição, 2006


Marta Sicurella, da exposição Vesúvio

2. Vesúvio, de Marta Sicurella, que foi Prémio Pedro Miguel Frade (CPF), concentra-se na contemplação turística das cidades, no acto de ver turisticamente. Nas imagens panorâmicas quase só se vê o céu e quem vê. É o Vesúvio, mas podia ser outro sítio, onde a febre turística tudo atropela, tudo quer ver.

E assim se constrói o estatuto de objecto fotográfico que explica a situação fotografada, mas onde o objecto está ausente. Recurso que se conhecia nas imagens onde o tema apenas se manifesta em reflexo, em sombra, em ausência.
Maria do Carmo Serén, texto de apresentação da exposição, 2006


Fotógrafo não identificado, da exposição A África pelos Africanos, Saint-Louis-du-Sénégal, ca. 1915

3. África pelos Africanos, de vários autores (1900-2000), prolonga um ciclo de imagens de vários países captadas por fotógrafos deste continente.

É um passeio pelos muitos países africanos, da Argélia ou Senegal a Madagascar ou África do Sul, do Zimbabwé ao Togo, e, ainda dos países de língua portuguesa, a Guiné, Angola, Moçambique, onde a paisagem, aquela imensidão suspensa sob o Sol, que fez a nossa memória de África, está quase ausente: essa África é apenas um mito para os europeus.
(...)

É um passeio demorado, a fixar nomes de fotógrafos experimentados, de artistas ainda desconhecidos. É também uma história político-social, económica e cultural, de encontros e periferias de terra e de alma, da estranheza daquela organização caótica que se repete nos lugares, no espaço cénico, nas colagens.
É uma história do corpo, sim, é uma história do corpo. Mas sobre isso tudo é uma história de olhares. Muitos olhares.

Maria do Carmo Serén, texto de apresentação da exposição, 2006

30 julho, 2006

Como ver

Roy Stuart

“As obras desta exposição são eróticas”, vinha escrito no convite que a Galeria Arqué distribuiu para divulgar uma mostra de Roy Stuart, fotógrafo voltado para a mulher, o seu corpo (o que esconde, o que mostra) e sua capacidade de transmitir sensualidade e provocar prazer. Nada de novo, portanto. Mas o aviso, escrito a vermelho, dá que pensar. Não sei se Roy Stuart, que vende livros na Taschen como pãezinhos quentes, quis fazer imagens eróticas, pornográficas, religiosas, grotescas ou fetichistas. No início, não encontrei nenhuma mensagem na galeria que me desse qualquer referência sobre as motivações do autor. Nem era preciso. Por isso percorri as imagens sem preconceitos, como tento sempre fazer. Já perto do fim, pego num desses convites que tinham sobrado onde a galeria estampou a dita frase: “As obras desta exposição são eróticas”. Não vá o meu cérebro imaginar que são – que todos os santos nos acudam - outra coisa ainda “pior”. Lida no fim ou no princípio, esta preocupação moralizante soa despropositada porque atenta contra a liberdade de quem vê, exercício cada vez mais difícil. Vinda de um espaço que toma a iniciativa de expor trabalhos com esta carga explícita, a tirada soa ainda mais absurda, como quem diz “depois não digam que não avisámos!”. É como se nos fosse dado um manual de ver, no limite, um código de conduta visual onde não convém passar dos “limites”. Não é preciso ver Roy Stuart para perceber que é possível chegar ao erótico através do pornográfico. Esse caminho levanta algum problema? A mim, nenhum. A espaços, o fotógrafo americano até consegue chegar lá.
Já agora, uma dúvida: se as obras desta exposição eram “eróticas” porquê a bolinha vermelha em tudo quanto era sítio? Esta simbologia não está mais no campo do pornográfico?

28 julho, 2006

Para Arles

Sophie Ristelhuber, Blowup, 2006


Já estão a decorrer a todo gás os Encontros de Fotografia de Arles. Este ano, a organização convidou o Raymond Depardon (fotojornalista, cineasta, escritor, “globe-trotter paysan”) para comissariar a maior parte das exposições apresentadas. Um dos polos do certame gira à volta das suas referências (Robert Adams, Cornell Capa) e dos seus “compagnons de route” (Susan Meiselas, Guy le Querec, Gilles Caron, Don McCullin, entre outros). O outro regressa à francofonia, com mostras de cinco autores “separados pela geografia, mas unidos pela língua”.
As exposições podem ser vistas até 17 de Setembro.
Para Arles, antes que o sol se esconda.

(...) la photographie créatrice est toujours dynamique, mais elle reste solitaire et avec des moyens limités. Il en faut de la passion et de l’énergie au photographe pour réaliser ses rêves et ses folies!

Les influences, les compagnons, les émergences, Raymond Depardon, comissário convidado dos Encontros de Arles 2006

Raymond Depardon sait et veut tout faire: photoreporter, cinéaste de fiction et du réel, écrivain, créateur au long cours. Globe-trotter paysan, il est parti de la ferme pour découvrir le monde sous toutes ses facettes: les êtres, tous les êtres, paysans et people, hommes politiques et passants, puissants et victimes; les territoires, tous les territoires: lieux et non-lieux, champs de labour ou de bataille, villes innombrables et déserts infinis… Écartelé entre les terres et les hommes, le sol des origines et les bruissements du monde, les éclats du spectacle et des combats, il trace notre portrait et le sien.
Depardon est un errant. Il 'voit' l’errance et la vit, non comme le moyen d’un regard et d’une prise mais comme le sujet même de la création.

L`archipel Depardon, Praçois Barré, presidente dos Encontros de Arles, 2006


Para ver os resumos de todas as exposições e saber mais sobre os seus autores (pdf, em francês ou inglês) clique aqui.

25 julho, 2006

Revolver II


"Un dia cualquiera, en guerra
Y ahí tienen la calle de Alcalá de Madrid, a la altura de Barquillo, un dia cualquiera de la guerra. Junto a los chicos hay una bomba sin estallar a la que no prestan atención porque les parece más excitante el objectivo del fotógrafo. Ello da ideia de hasta qué punto el horror, como el cuerpo a tierra, había devenido en algo cotidiano también para el fotógrafo, que dispara evidentemente desde el suelo. Nos gustaria tener un temperamento lo suficientemente cursi como para afirmar que las piedras que salpican la acera son las lágrimas de los edificios cercanos, pero en realidad son los dientes de las torres y áticos de la zona, cuyas bocas vacías clamaban al cielo. No sabemos, en la foto antigua, si es lunes o martes o sábado. En el Madrid sitiado no había pan, ni aceite ni dias de la semana. En cambio, juraríamos que la foto actual fue sacada un domingo"

Juan José Millás, EP[S], 9.07.2006

José Manuel Navia

24 julho, 2006

Personagem

"O ser humano tende a ser concebido, não como produtor de imagens ou espectador de imagens, mas personagem de um mundo que se apresenta, desde logo, vocacionado para ser imagem"

João Lopes, Entre as Imagens, Diário de Notícias, , 21.07.2006

21 julho, 2006

Morreu o PIDE fotógrafo

António Rosa Casaco, Prelúdio da Noite, s/d


António Rosa Casaco, o antigo inspector da PIDE envolvido no assassinato de Humberto Delgado, morreu há cerca de 15 dias em Portugal, com 91 anos. Casaco foi um fotógrafo amador reconhecido e, dentro da actividade fotográfica de Salão, alcançou algum sucesso com dezenas de prémios em Portugal e no estrangeiro.
Foi um dos fundadores do Foto-Clube 6x6 (1950) com Nunes de Almeida, Harrington Sena, Silva Araújo e Fernando Vicente.
Em 1954 publicou o livro Salazar na Intimidade, resultado de uma convivência muito próxima com o presidente do Conselho. Antes, em 1952, assina as imagens do livro Vacances Avec Salazar, de Christine Garnier.
Uma fotografia, a que chamou “Estendal” foi admitida em mais de 150 salões internacionais e, segundo o próprio, a mais premiada até então em Portugal, com “cerca” de 50 distinções.
No PÚBLICO de hoje, Maria José Oliveira explica como é que Rosa Casaco conseguiu evitar a barra dos tribunais durante 30 anos.

Quando disparo, é num estado de espírito muito especial, sempre com alegria, alheio a tudo que me rodeia excepto o motivo que me emocionou, com a convicção de que tudo correrá bem. Não há outro sentimento a dominar-me que não seja o sentido inefável da arte e se porventura a dor impera, a máquina é logo esquecida

António Rosa Casaco, a minha fotografia preferida, in Foto-Grafia, ed. A. M. de Moura Peixoto, 1954-1955, Lisboa

Foto-Grafia, págs. 20 e 21

20 julho, 2006

Revolver

José Manuel Navia


Às voltas com o 70º aniversário do início da Guerra Civil de Espanha (17.07.1936), a revista do jornal El País decidiu regressar aos lugares onde foram captadas algumas imagens que marcaram o conflito. Um exercício típico de quem procura “revolver” o passado, um regresso ao “lugar do crime”, visto agora por olhos diferentes (José Manuel Navia), outro tempo, outras máquinas.
As fotografias que agora se fizeram - com a vontade explícita de comparar geografias, encenar o olhar de quem fixou - estão ligadas de forma umbilical com as imagens que lhe deram origem na banalidade e no horror, na banalização do horror.
Mesmo quando agora se vêem cores de fim de tarde, rostos de crianças inocentes, mesmo quando a morte, o medo, os buracos das balas, os edifícios destruídos e o soldado alvejado na cabeça já não estão lá, sobrepomos todos os traços de composição, todos os personagens que povoaram esses momentos fundadores. Vivem lá como fantasmas.
Quando as percorremos em par, sentimos que estas imagens (as de ontem e as de “hoje”) foram condenadas para sempre a esse instante primeiro de horror, o mais varrido por diferentes olhares, o mais reproduzido, o mais procurado, e por isso tornado o mais banal.



Y así fueron sucediéndose, en medio de crecientes sufrimientos y privaciones de la población civil, las batallas de la guerra de España ante la atenta mirada de corresponsales y fotógrafos extranjeros, armados con cámaras Leica y películas Kodak, que nos dejarían los más vivos testimonios de ese cruce de guerras: jóvenes en su mayoría, estaban decididos a que todo el mundo se acordara de España. Fue la primera guerra radiada día a día, la primera fotografiada escena tras escena. Los medios de comunicación habían adquirido una nueva dimensión en los años veinte, con la fotografía incorporada a las revistas y periódicos más populares. La guerra de España, que para muchos combatientes extranjeros fue su last great cause, para las revistas ilustradas fue un regalo, una “buena guerra”, la más fotogénica de las guerras posibles.

Santos Juliá, EP[S], 9.07.2006

18 julho, 2006

SilvaBlaufuksThemlitzAraújo

Vasco Araújo

Augusto Alves da Silva

Estão escolhidos os participantes do BESphoto 2006: Augusto Alves da Silva, Daniel Blaufuks, Susanne Themlitz e Vasco Araújo.
Este ano ninguém recusou entrar no prémio, ao contrário do que aconteceu na edição anterior quando Paulo Nozolino e a dupla João Maria Gusmão/Pedro Paiva decidiram protestar publicamente pela forma como foi escolhido o júri na estreia do galardão, em 2004.
A indefinição à volta do que vai ser e como se vão distribuir os espaços de exposição do Centro Cultural de Belém (parceiro do BES nesta iniciativa) levou os organizadores a equacionarem outro local para acolher as obras dos quatro artistas seleccionados.
Do que ficou dito na apresentação de ontem existe uma clara vontade de internacionalizar o BESphoto, abrindo o prémio à participação de artistas de outras nacionalidades e mostrando as imagens escolhidos a cada ano em salas estrangeiras.
Para conquistar o estatuto de candidato ao prémio final BESphoto (15 mil euros) é necessário fazer pelo menos uma exposição em Portugal. No caso da edição deste ano, contaram as mostras realizadas entre 1 de Julho de 2005 e 30 de Junho de 2006 e “o facto da fotografia e das suas diferentes utilizações se integrarem cada vez mais no campo alargado da produção artística contemporânea”.
A exposição 27 Fotografias e um Vídeo (Centro das Artes – Calheta) de Augusto Alves da Silva testemunhou “a coerência da sua estratégia deceptiva em torno da imagem fotográfica”.
Em No Próximo Sábado (Galeria Carlos Carvalho – Lisboa) Daniel Blaufuks “demonstrou a maturidade da sua obra fotográfica, na qual a banalidade do quotidiano é destacada e tornada insólita”.
O uso que Susanne Themlitz fez da fotografia na exposição Extroversão (Agência Vera Cortês – Lisboa) conferiu “outras visibilidades ao seu universo onírico e singular”.
A nomeação de Vasco Araújo foi justificada “pelo conjunto das últimas exposições”, entre as quais Densidade Relativa (CAMJAP, Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa) e O Que Eu Fui (Galeria Filomena Soares – Lisboa), “onde a fotografia teve especial relevância nos trabalhos apresentados, estabelecendo uma relação significativa na instalação da imagem fotográfica no espaço”.
O júri de selecção foi constituído por Maria do Carmo Serén, Lúcia Marques, Filipa Valadares, Filipa Oliveira e Jürgen Bock. O júri que escolherá o vencedor final ainda não está escolhido.
As fotografias dos artistas nomeados vão ser mostradas a partir de 18 de Janeiro de 2007. Os trabalhos podem ser originais ou obras recentes (não mais de três anos).
Em 2004, o BESphoto reconheceu a obra de Helena Almeida. Em 2005, o arrojo experimental de José Luís Neto.

Susanne Themlitz

Daniel Blaufuks

12 julho, 2006

Ficámos assim

"Tenho-a para lá, dentro de um caixote. Penso que ainda a tenho. A fotografia. Um nadinha rasgada num dos cantos, foi a tentar tirá-la de um álbum para mudar para outro. Os meus pais sorriem, as minhas irmãs são pequenas, a Matilde ainda mal anda, a Joana deitada numa manta, de fraldas. Estamos todos. De um dos lados vê-se a limpidez do rio, do outro nós todos sobre a relva fresca. mantas pelo chão, dois cestos de piquenique, a minha mãe de joelhos, retiraria com cuidado as compotas, as laranjadas e o pão, o meu pai deitado, apoiado num cotovelo, a olhar para mim. Estamos todos. A dar sombra à cena, uma árvore enorme, junto à qual me encontro, molhada, de pé, os cabelos escorridos para trás. Estava um calor de morrer, estou nua. Sou a única que olha para a câmara, foi a minha tia Rosa que tirou a foto. De forma que os meus pais olham para mim e só eu olho para quem possa olhar para a foto. Tenho-a guardada, hei-de ir vê-la. Estou nua. E, no entanto, nenhum medo me assalta. Nenhum pânico. Estou até, quero crer, mais segura que nunca. Nua, com oito ou nove anos, a morder uma colossal fatia de melancia, uma meia-lua vermelha e verde. Olho a câmara com segurança. Os sorrisos do meu pai e da minha mãe, nem dei por eles na altura. Não dei por eles muitos anos. Dou por eles agora, que lembro a fotografia, que sei que tenho de ir resgatá-la ao caixote, arranjar-lhe o canto com fita-cola. Os meus pais olham a sua menina. E não conseguem conter o sorriso, numa tarde de Verão, sobre a relva fofa, sob a sombra da árvore e o cheiro do pão, com o rio ali ao lado, translúcido. A sua menina, perfeita, que acabou de se refrescar com um mergulho e devora a melancia. A menina saudável, confiante, sem medo de se deixar estar nua, olhando de frente a câmara. Quero esta fotografia, quero-me assim, saber que fui assim. Quero este momento, o único em que me vi nua sem necessidade de me esconder, com a relva a fazer-me cócegas nos pés, eu pequena, segura, perfeita. Vejo. Com toda a nitidez, a minha tia sem me pedir Não te mexas Não te mexas agora, o meu pai a sorrir para mim, a minha mãe a barrar marmelada, a minha irmã a cair nos primeiros passos trôpegos de bebé. Vejo um carreiro de formigas no sopé da árvore grande, as pedras na margem do rio. Ouço. O clique da máquina fotográfica, a minha tia a dizer Ficou linda. Ouço a gargalhada pequenina da minha irmã, um bando de pássaros que esvoaça, a minha mãe a dizer Está pronto vamos almoçar. Sinto. A melancia na boca, feita de água fresca e pevides. O calor. As cócegas nos pés, os primeiros arrepios, o corpo a pedir uma toalha. Ficámos assim, numa fotografia que ainda tenho para lá, num caixote. A única em que estou nua, inteira, ainda que ninguém me tenha ordenado"

Rodrigo Guedes de Carvalho, A Casa Quieta, D. Quixote, 2005, (págs. 31, 32, 33)

(manipulação gráfica: artephotographica)

11 julho, 2006

Paulo Nozolino - Prémio para o que está para vir

Paulo Nozolino, Tuga (tristeza)

Recebo este prémio com o maior entusiasmo, não pelo que já foi vivido e fotografado, mas pelo que ainda está para vir

Paulo Nozolino, PÚBLICO, 8.07.2006

O júri foi unânime. E Paulo Nozolino vê agora o seu percurso artístico distinguido com o Prémio Nacional de Fotografia, galardão instituído pelo Centro Português de Fotografia (Porto). O artista, com 30 dos seus 51 anos dedicados à imagem fotográfica, vê esta consagração “mais como um incentivo do que como uma recompensa”.
No ano passado, foi autor de uma das exposições do ano, Far Cry, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto.
Actualmente, podem ver-se fotografias de Paulo Nozolino em Bastia (Centre Culturel Una Volta, até ao fim do mês). O trabalho, intitulado Scalati, mostra 15 imagens de 30 famílias ciganas captadas na Cité de Transit d`Erbajolu, um local que o poder político quer agora urbanizar. Nozolino tenta fixar “o desespero daquelas pessoas, a agústia de perderem aquilo que têm”.
O júri integrava os nomes de Manuel Costa Cabral (Fundação Calouste Gulbenkian), Marta Almeida (Fundação Serralves/Museu de Arte Contemporânea), Júlio de Matos e Virgílio Ferreira (fotógrafos) e Tereza Siza (CPF).
O Prémio Nacional de Fotografia já foi atribuído a Victor Palla (1999) e Fernando Lemos (2001).

(...) De qualquer maneira, não tenho escolha, não sei fazer outra coisa

Paulo Nozolino, PÚBLICO, 8.07.2006


O júri explica a atribuição do Prémio a assim:
Paulo Nozolino pode ser considerado um fotógrafo inovador e mesmo experimental, tendo exercido larga influência nas estratégias técnicas e na construção das narrativas fotográficas sobre autores e perspectivas, a nível nacional e internacional.
(...)
Paulo Nozolino afirma-se como fotógrafo intelectualmente empenhado, mas definindo as suas temáticas de contestação num sentido mais vasto e mais profundo do que os factores político-sociais, pesquisando numa desencantada herança da cultura europeia e mundial, nomeadamente aquela que se vai construindo a partir da II Guerra. Executa uma fotografia que sempre constrói narrativas, mas onde cada imagem é de enunciação. Nunca existe literalidade, como nunca o objectivo é o documentalismo.
Há críticos que não lhe conseguem encontrar influências, mas que reconhecem as suas soluções em diversa fotografia internacional. Vendo a sua obra nega-se a asserção, que se vulgarizou, de que o preto-e-branco é conservador porque dramático ou emotivo; os projectos e as imagens de Paulo Nozolino tornaram-se clássicos como representativos da insegurança, alienação e má consciência da sociedade de massas, do consumo e do lazer, autêntica e inquietante apresentação dos dispositivos cognitivos que criaram e mantêm a possível esquizofrenia da cultura actual. E para o tornar claro não utiliza, em qualquer caso, processos estilísticos ou modismos conceptuais, embora se acentue, em cada projecto, a condução racional de uma profunda crítica no revelar do mal-estar da civilização e da cultura
.

Paulo Nozolino (Paulo Pimenta/Público (arquivo)

10 julho, 2006

Fotógrafo da falsa luz

António Júlio Duarte, da série Canil, 2002


O PÚBLICO e a ADIAC (Associação para a Difusão Internacional da Arte Contemporânea) acabam de lançar um álbum retrospectivo da obra de António Júlio Duarte, o fotógrafo da falsa luz, dos olhares difíceis. O fotógrafo dos retratos pelo não-retrato, ou a ausência, quase sempre, do que nele há de mais perturbador – o olhar. Presente nas grandes realizações da fotografia contemporânea dos últimos anos na Península Ibérica, António Júlio Duarte afirma-se a passos largos como um dos mais fracturantes fotógrafos portugueses, com imagens que questionam os lugares e a forma como os vivemos. Fotografia crua, despojada de malabarismos de estilo.
No meio de um panorama editorial de fotografia tão pobre, saúda-se a iniciativa deste álbum que inclui ensaios de Horácio Fernandez e Margarida Medeiros e um texto, em jeito de testemunho, do pintor João Jacinto a propósito da força plástica de um auto-retrato do António Júlio Duarte (contra-capa).

Fotografo micro-acontecimentos. Não quero fazer discurso panfletário. Quero apenas constatar factos

António Júlio Duarte, CCB, 3.02.2006

Fixou-se somente numas quantas coisas, procurando passar despercebido (...) há que ser invisível para tornar o resto visível

Horácio Fernandez, in António Júlio Duarte, 2006


António Júlio Duarte, ed. ADIAC Portugal, Corda Seca, 2006. 179 págs. 15 euros.

04 julho, 2006

Quem tem medo do digital?

Aziz/Cucher, The Dystopia Series, Maria, 1994

No seu último Entre as Imagens (DN, 30.06.2006), João Lopes discorre sobre algumas teses contidas em Photography Reborn – Image Making in the Digital Era (Jonathan Lipkin, ed. Abrams Studio, Nova Iorque, 2005). Ou a maneira como o suporte digital massificado está a romper com uma forma de ver, mostrar e fixar imagens.

(...) Em vez de vermos e pensarmos as imagens digitais como rupturas com os dispositivos técnicos e criativos que as precederam, talvez seja mais correcto integrar o digital como algo que abala algumas certezas historicamente adquiridas (de percepção, composição, difusão, etc.), embora sem pôr em causa muitos modos correntes de existência da fotografia.
João Lopes, Entre as Imagens, Diário de Notícias,

 
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