"Looking Past Citrus Groves into the San Bernardino Valley; Northeast of Riverside, California," 1983 © Robert Adams |
O Oeste com Sam Shepard no bolso
(Lucinda Canelas, revista 2, Público, 24.03.2013)
Para quem percorreu a exposição e leu o livro, mesmo que tenha sido há muito tempo, a comparação é fácil e inevitável. O Oeste americano de Robert Adams traz à memória algumas das Crónicas Americanas de Sam Shepard. As suas fotografias têm por vezes a mesma paisagem, a mesma solidão, a mesma
sensação de confinamento, ainda que muitas dêem a ver planícies imensas.
É quase como se pudéssemos pegar no livro de Shepard para legendar as
fotografias deste norte-americano que até 20 de Maio tem uma
retrospectiva no Museu Rainha Sofia, em Madrid.
"Noite misteriosa. Sem sirenes. A rua em silêncio. Nem uma brisa. Uma boa noite para roubar gasolina", escreve Shepard. Ou uma boa legenda para a estação de serviço que Adams fotografa em Pikes Peak, Colorado Springs, em 1969.
"Volta costas à auto-estrada 608. Segue a direito pela terra deserta", ordena o escritor, como se alguém estivesse prestes a caminhar pelo planalto do Colorado, coberto de linhas curvas, que o fotógrafo regista em 1978.
A silhueta que se vê no número 812 - uma casa pré-fabricada num dos muitos empreendimentos construídos nos anos 1960 no Colorado - podia ter dado origem a esta passagem: "Quando acabo, quase nunca me apetece ir para dentro de casa cear. Por vezes, deixo-me ficar lá fora e observo a minha família, andando de um lado para o outro dentro de casa. [...] Eles não sabem que eu os estou a ver."
Robert Adams: el lugar donde vivimos, exposição organizada pelo museu espanhol e pela Universidade de Yale, nos EUA, reúne 40 livros e mais de 300 fotografias tiradas entre 1964 e 2008 por aquele que é considerado um dos mais originais e influentes cronistas do Oeste americano. Mas a exposição de Madrid, que merece certamente uma visita, mostra muito mais da obra deste fotógrafo que, escrevem os comissários (Joshua Chuang e Jock Reynolds), procura sempre "dizer toda a verdade", com "rigor" e "esperança".
Ao todo, são 22 núcleos que passam também pelo Iraque, o Afeganistão e a Suécia. Cada imagem é uma crónica que espelha muitas vezes o seu activismo na crítica ao consumo desenfreado e à destruição da natureza.
"Nada mexe de uma ponta à outra da auto-estrada. Nem mesmo um galho", escreve Shepard. Como na de Keota, no Colorado, hoje uma cidade-fantasma. Adams fotografa-a em 1973 - uma planície vastíssima cortada por uma estrada que começa antes de nós e termina depois de nós, como todas as estradas.
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