Lucy Nicholson/Reuters |
A fé
(Revista 2, Público, 24.03.2013)
De tanto querermos as imagens, de tanto dependermos delas para saciar a ânsia de actualidade, nem nos damos conta de como são torpes e desengonçadas. Por vezes, a condição primeira de documento das imagens fotográficas vem emparelhada com a beleza da geometria das formas, onde se situam, por exemplo, incontáveis imagens produzidas pela ciência. Outras vezes, o espectáculo das imagens da instantaneidade por onde deambulamos é grotesco. E é-nos servido com grandes doses de fealdade sem que demos conta dela.
Assim que começou o conclave no Vaticano, quando já estavam esmifrados até ao tutano os enquadramentos, as contas dos rosários, as estátuas de santos e os peregrinos esfarrapados na finita circunferência da Praça de São Pedro, as objectivas foram apontadas para o alto. E ali ficamos cravados durante horas a olhar para uma chaminé, um tubo que parecia tirado de uma fabriqueta clandestina e que era iluminado, mal se manifestava o ocaso, tudo para que não se confundisse a gradação de cinzentos da fumata. E não deixava de ser paradoxal constatar que, por baixo daquele cano desenxabido, estava o esplendor pictórico da Capela Sistina.
Da noite da eleição do Papa Francisco não ficarão fotografias de que nos lembraremos muito. Se da chaminé não se esperava outra coisa que não o fumo branco, o momento habemus papam já carregava uma expectativa de fotogenia. Mas não. Naquela varanda havia sempre uma sombra a mais, demasiada distância, demasiada confusão, escalas difíceis de conjugar, dificuldade em isolar - Francisco ficou quase sempre mal na fotografia, o que mostra que nem todos os momentos de revelação são fotogénicos. O que ficou claro é que é fácil a saturação da imagem, qualquer que seja a sua natureza, no registo de um acontecimento tão magno num espaço tão limitado como é o anúncio da eleição de um Papa no Vaticano.
Nestes momentos de afunilamento visual, vale a pena procurar quem está a olhar de longe. Eu, por exemplo, dei por ganha a noite quando encontrei uma fotografia de Lucy Nicholson, da agência Reuters, no interior de uma catedral de Los Angeles, EUA, momentos depois de Francisco ter dito Fratelli e sorelle, buonasera! Encontrei neste rosto mais religião e fé do que numa centena de fotografias de fiéis no Vaticano. E há serenidade, concentração absoluta. E uma enorme beleza, que também é o que procuramos.
Sem comentários:
Enviar um comentário