Alice prepara uma mousse de lima para um jantar em casa com amigos, São Miguel, Açores ©Sandra Rocha |
(Público, revista 2, 7.04.2013)
Primeiro, uma data redonda: dez anos. O colectivo de fotógrafos kameraphoto celebra este mês uma década de actividade, um tempo de infância ainda, mas que correspondeu a um período de grandes mudanças, vicissitudes várias, muitos apertos e outras tantas alegrias. Foi um período em que a fotografia (e os negócios que lhe estão associados) deu grandes cambalhotas, o que faz com que esta década possa valer por duas. Ou seja, a tarimba que estes dez anos deram ao grupo que hoje é composto por onze fotógrafos (Alexandre Almeida, Augusto Brázio, Céu Guarda, Guillaume Pazat, Jordi Burch, Martim Ramos, Nelson d"Aires, Pauliana V. Pimentel, Pedro Letria, Sandra Rocha e Valter Vinagre) é bem capaz de ser o seu maior trunfo para o que está para vir.
Com os olhos no futuro, o colectivo escreveu na sua agenda a longuíssimo prazo um trabalho que tenta tomar o pulso do país naquele que é também um dos projectos de maior fôlego da kameraphoto. Um Diário da República surgiu em 2010 à boleia das comemorações do centenário da proclamação da República e envolve todos os fotógrafos do grupo. A ambição passa por "contribuir para a construção de uma memória colectiva" de Portugal na década que se estende até 2020. A cada ciclo de dois anos, as imagens captadas no ano anterior são objecto de exposições e publicações. Depois de terem metido pés ao caminho pelo país inteiro, os fotógrafos seleccionaram cerca de 3000 imagens, matéria-prima a que seis membros do colectivo dedicará agora especial atenção ao longo deste ano para erguer oito exposições e oito publicações que terão formatos e projectos gráficos distintos. Para além destas, haverá ainda quatro publicações com outros tantos trabalhos individuais que foram também captados a partir do conceito geral de Um Diário da República.
O tiro de partida do conjunto de exposições/publicações foi dado por Pedro Letria, que assumiu o comissariado da mostra Volto Já (kgaleria, em Lisboa, até 26 de Abril), de Augusto Brázio, e da fanzine Please Hold, que inclui o ensaio de Pedro Rosa Mendes Portugal finis terrae, um projecto gráfico concebido em colaboração com a editora Ghost, liderada pela dupla Patrícia Almeida/David-Alexandre Guéniot.
No trabalho de escolha da massa inicial de imagens, Letria assumiu a inevitabilidade do critério do actual e da noção de precariedade que atravessa muito do que é hoje Portugal. Esta noção de fragilidade marcou aliás o conceito de Please Hold, edição despojada graficamente e com características das fanzines de baixo custo de produção (vem embalada numa capa de plástico). "Creio que as características gráficas desta publicação estão muito relacionadas com o momento actual, com a necessidade de intervir. Olha de forma clara para o que nos rodeia mas, apesar de um aspecto vernacular, apresenta um grande cuidado com os pormenores", revela Letria.
Às fotografias de lojas vazias e abandonadas um pouco por todo o país de Volto Já, tiradas como quem espreita pelo buraco da fechadura, impõe-se a presença humana, as fotografias habitadas, de Please Hold, num diálogo que o comissário pretende inquisidor. "Era interessante que quem visse estas imagens questionasse: "Se estas são as respostas, quais foram as perguntas?"" E aí talvez se encontrem mais respostas.
Matilha de cães ataca um javali ferido com um tiro. Alentejo © Augusto Brázio |
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