David Fonseca, As long as we have each other, 2011/2012 |
“Há imagens fotográficas que não
sabemos porque gostamos delas e aí o título do autor nada significa. Não sei
bem qual o lugar anímico que a prática fotográfica reserva para David Fonseca,
que conheço bem, como todos, através das suas canções urbanas. E esta série
fotográfica que vimos nos Encontros da Imagem de Braga, na Casa dos Bicos,
ainda com Rui a Prata a responder pelos Encontros, lembra bem uma canção: o
olhar errante que procura o detalhe ou o destaque, a conivência com a luz ou a
focagem de um qualquer palco, a surpresa ou a emoção de estar ali. É o tema de
uma canção e pode ser o tema de uma série fotográfica. Os nadas do quotidiano
são, nos dois casos, um lugar mágico, uma emoção.
Este construir de um tema com o que
já existe, esta troca relacional que constrói tema e autor com o contexto
exterior e interior, esta rapariga, este gesto de separação, este estar não
estando, este olhar que cada um fabrica para ela, está bem para lá de todas as
análises. É inútil procurar evocar Barthes e distinguir a estrutura conhecida:
é uma rapariga voltada contra nós, sentada à mesa de um, café ou restaurante.
Como outra, como qualquer outra. É inútil ainda aceitar que o que a diferencia
em nós é o gesto ausente, o ocultamento. É mais do que isso. Não tem a
fulguração do detalhe onde contracenam dezenas de pequenas sensações como
queria José Gil, - essas sensações despertas pelo varrimento involuntário que
os olhos tecem com a imagem. É mesmo mais do que isso, pois esta fotografia tem
as cores lisas e definidas do pincel neo-clássico. A distância? Que nos
aproxima e nos afasta?
A fotografia fere-nos quando se
conserva na memória onde tende a tornar-se, egoistamente retórica. Então já não
é evocação, mas suspeita: é só a suspeita que desperta a nossa atenção e
conserva a imagem na labiríntica função da memória onde ela se junta às suas
irmãs. Traduzindo: esta imagem que faz parte da canção fotográfica de David
Fonseca, soa-me como se fosse o estribilho que se vai repetindo, que tende a
tornar-se no todo sugerido.
Foi a longa aprendizagem da imagem,
naturalista ou geométrica, a fixação dos lugares em cartas e mapas, o construir
de uma qualquer paisagem global dentro de uma janela, a absoluta não
transparência de uma pintura ou de um desenho, que nos habituou o olhar para a
representação fotográfica. A imagem fotográfica faz hoje parte do nosso
quotidiano onde representa muita mais do que a realidade que quer transmitir.
Na época em que somos governados pelo dispositivo do exame, ela é o principal argumento de um real fabricado fora de
nós. Por vezes há fotografias como esta que não podem ser um momento de zapping
do nosso olhar apressado. E então, não é o lugar obscuro do brilho que destaca o
seu cabelo nem o desenho oriental da sua roupa que explicam a insegurança com
que a olhamos na sua negação de nos olhar, mas o enigma, que é a nossa
contingência e traça o que chamamos liberdade: a suspeita de que algo nos
escapa nesse as long as we have each
other.”
1 comentário:
Bom dia Sérgio,
A exposição do David Fonseca encontrava-se patente na Casa dos Crivos (ou Casa das Gelosias) e não na Casa dos Bicos como refere o texto de Maria do Carmo Serén.
Um abraço e continuação de um óptimo trabalho.
Jorge
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