26 setembro, 2011

Aparições

Gérard por Gérard, França, 2004


Gérard Castello-Lopes vintage
Luís Maio
, P2, Público (23.09.2011)

Jorge Calado e Gérard Castello-Lopes conheceram-se há perto de 40 anos. Foi um desses casos de amizade à primeira vista.

“Conheci o Gérard através de uma meia-irmã. Ela casou com o João Pais, que foi director do São Carlos e com quem eu me dava muito bem. Quando ela fez 40 anos (algures nos anos 70), deu uma festa para os 40 melhores amigos, e eu fui um deles. O Gérard também estava lá e caímos mais ou menos nos braços um do outro. Ele era uma pessoa absolutamente fascinante, o tipo de chegar a uma sala e impressionar toda a gente. Tinha 1,90 metros de altura e foi um grande desportista na juventude. Fez lançamento de peso, voleibol, mergulho, esgrima e ténis. Depois tinha uma voz muito bem timbrada e uma conversa fascinante. Ficámos amigos a partir daí, embora ele vivesse em Paris a maior parte do tempo. Sempre que vinha cá, marcávamos encontro, muitas vezes para almoçar em casa dele.”

Filho do distribuidor de filmes Castello-Lopes, Gérard dedicou-se ao negócio de família, mas também a várias actividades artísticas, nomeadamente à fotografia. Jorge Calado, pelo seu lado, foi professor catedrático de Engenharia Química, carreira da qual já se aposentou, para se dedicar a tempo inteiro à fotografia, ou melhor, a organizar exposições da especialidade. Quando ele e Gérard se encontravam, era naturalmente para falarem de fotografia.

“Nem sempre estávamos de acordo e tivemos algumas discussões muito acesas. Lembro-me, por exemplo, da discussão a propósito do Sebastião Salgado. Ao princípio, o Gérard achava que o Sebastião explorava os pobres e os necessitados, ou aquilo a que ele chamava ‘os consumidos’. Eu, pelo contrário, dizia-lhe que o Salgado prossegue toda uma tradição da história da fotografia, nomeadamente aquela malta do programa fotográfico da Farm Security Administration (Dorothea Lange, Walker Evans, etc.).

Depois ele rendeu-se e o Sebastião Salgado até se tornou num dos seus heróis. De tal modo que, quando o Sebastião recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade de Évora (2001), o Gérard veio de propósito de Paris. Foi a primeira vez que se falaram, apesar de ambos habitarem na capital francesa. Aliás, o Sebastião não conhecia a obra dele.”

Sebastião Salgado nunca tinha ouvido falar de Gérard Castello-Lopes, nem na verdade quase ninguém nos meios da fotografia internacional, onde hoje ainda o português é um ilustre desconhecido.

“Ele começou a fotografar em 1956 e desistiu cerca de dez anos depois. Por duas razões principais: primeiro ninguém em Portugal estava interessado em ver fotografias nessa altura. Não havia galerias, não se expunha. Depois havia uma grande dificuldade para se fotografar pessoas, que desconfiavam e às vezes até ameaçavam com pancada. A conversa que ele teve com o Sebastião Salgado quando o conheceu foi justamente sobre isso. O Gérard quis saber como é que ele conseguia fotografar pessoas que em princípio não querem ser fotografadas. Resposta do Sebastião: ‘Eu vou para aqueles sítios inacessíveis e vivo lá durante seis meses antes de tirar uma fotografia’.”

Descobertas em Paris
Foi preciso esperar pelo início dos anos 80 e pelo entusiasmo de António Sena para ver fotografias de Gérard Castello-Lopes pela primeira vez expostas na Galeria Ether. Para o fotógrafo que já quase se tinha esquecido de fotografar, foi um novo fôlego, o início de um novo ciclo criativo que culminou em 2004, numa grande retrospectiva no CCB, rematada pelo lançamento das suas Reflexões Sobre Fotografia, na Assírio& Alvim. Pouco depois foi-lhe diagnosticado Alzheimer, doença com a qual viria a padecer em Fevereiro deste ano.

“Houve essa grande exposição de 2004 e depois nada. O BES teve então a ideia de fazer a homenagem e convidaram-me em Abril para ser o comissário. Eu aceitei, mas disse que não sabia que tipo de exposição haveria de ser, que tinha de ir a Paris falar com a família. Quando cheguei a Paris, julgo que em Maio passado – isto de montar uma exposição em tão pouco tempo é quase um milagre – é que percebi que havia centenas de provas vintage nas mais variadas escalas. Essa é então a base da exposição e muitas destas provas nunca antes foram vistas.”

São então 153 fotografias (eram 93 no CCB em 2004) –, cerca de meia centena inéditas, que estarão no BES Arte e Finança, em Lisboa, até 12 de Janeiro de 2012, e depois em Abril, no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, em Paris. A eventual polémica reside nas tais vintage – as primeiras provas que o próprio artista mandava imprimir – em Lisboa, no célebre senhor Paixão, da Filmarte, e no Camilo, dos Armazéns do Chiado, depois em Paris, no Steinmetz, o mesmo que imprimia para o Cartier- Bresson.

“Foi uma discussão que tivemos durante anos e nunca chegámos a acordo: o Gérard não apreciava as provas vintage. Ele achava que ficar pelas vintage é matar o fotógrafo, cristalizá-lo no passado. Ao passo que eu penso que as fotografias devem ser como as pessoas, ou seja, envelhecerem e isso ver-se.

Sempre pensei, por outro lado, que não deveria mostrar coisas que ele não tivesse aprovado. Acho que não é ético, depois de um autor morrer, ir fazer escolhas nos seus negativos, mesmo que estejam lá preciosidades. Isso tem acontecido, por exemplo, com o legado do André Kertész, do qual têm aparecido inéditos, depois de ele morrer (1894-1985), o que eu acho um abuso. Eu nunca faria isso, mas nas imagens que o Gérard escolheu uma primeira vez, olhando para as provas de contacto e mandando imprimir, há coisas muitíssimo boas. A minha fotografia de eleição, que escolhi para a capa do catálogo, nem os próprios filhos a tinham visto.”

Fotógrafo assumido
Mais vintage ou menos vintage, o certo é que Jorge Calado passou o último meio ano debruçado sobre o legado de um fotógrafo que admirava e de quem era amigo. Foi, necessariamente, um exercício de redescoberta.

“Uma coisa que eu percebi é que é errado separar a obra do Gérard em dois períodos. Nos anos 50, quando ele apontava a máquina, por exemplo, a um grupo de pescadores, era inevitável a conotação com o neo-realismo. Mas nessa altura ele já fazia coisas abstractas e plásticas, na mesma linha depois prosseguida nos anos 80. Outra coisa que descobri é que muitas vezes ele refazia a mesma fotografia, inclusive com 30 anos de distância. Começo a exposição assim precisamente: há uma imagem de roupa estendida com reflexos em poças de água, que é uma das primeiras fotografias que ele tirou no Dafundo, e ao lado está a célebre fotografia da Quinta da Mitra, tirada 30 anos depois, com o recorte da fonte. Olha-se para as duas e estruturalmente são iguais. Ou seja, o olhar dele era sempre o mesmo.”

Jorge Calado já comissariou mais de 25 exposições de fotografia, em Portugal e noutros países – é, provavelmente, a maior autoridade portuguesa no ramo. Por sua vez, Gérard Castello-Lopes é um dos principais nomes da história da fotografia portuguesa, a quem muitos chamam o “nosso” Cartier- Bresson. Mas será que ele foi o maior fotógrafo português de sempre, para o principal comissário da actualidade?

“É a primeira vez que faço uma exposição de um fotógrafo em que o fotógrafo não está vivo. Embora eu conhecesse muito bem o Gérard e inclusive lhe dissesse o que achava desta ou daquela fotografia, o certo é que nunca tinha pensado sobre o que é melhor na fotografia dele e que o torna tão diferente – mesmo da fotografia francesa daquela altura (Doisneau, etc.). A coisa mais importante para mim é o tratamento que ele faz do espaço e aquilo a que eu chamo a modulação, que é a constante repetição da mesma unidade, como as carruagens de um comboio. O Gérard dizia que o maior génio da fotografia portuguesa foi o Joshua Benoliel e eu acho que ele é capaz de ter razão. Também não tenho a mínima dúvida que, tirando o Benoliel, a época de ouro da fotografia em Portugal foram os anos 50 e não apenas o Gérard – é o Sena da Silva, o Carlos Afonso Dias, é o Carlos Calvet, é o irmão dele, Nuno Calvet, e outros. Talvez o Sena da Silva fosse mais talentoso, mas o Gérard foi o único que se assumiu como fotógrafo.”

BESphoto2012


Cia de Foto, da série Carnaval
© Cia de Foto


Os finalistas do Prémio BESphoto 2012 são: Duarte Amaral Netto (Portugal); Mauro Pinto (Moçambique); Rosangela Rennó (Brasil); e CIA de Foto (Brasil).
Esta é a segunda edição internacional do maior de fotografia dos países que falam português.

A escolha deste ano ano foi feita por um júri de selecção do qual fizeram parte Diógenes Moura, curador de fotografia da Pinacoteca do Estado de São Paulo (Brasil); Delfim Sardo, curador, crítico de arte e professor (Portugal) e Bisi Silva, curadora e fundadora/directora do Centro de Arte Contemporânea de Lagos, CCA Lagos (Nigéria).

O júri justificou a selecção destes nomes da seguinte forma:
- Duarte Amaral Netto: "(...) resultou do trabalho que tem vindo a desenvolver ao longo de uma década, e, especificamente, pela qualidade conceptual da exposição ‘The Polish Club Case’, apresentada em Lisboa."

- Mauro Pinto: "(...) a forma coerente como tem vindo a efectuar o mapeamento e a representação de Moçambique. Destaca-se o trabalho apresentado na exposição ‘Maputo – Luanda – Lubumbashi’, em Lisboa."

- Rosangela Rennó: "(...) complexidade da forma como tem desenvolvido uma maturada reflexão sobre a natureza do fotográfico, articulada com o papel da memória. Esta nomeação surge pelas exposições apresentadas na Galeria Vermelho, em São Paulo, e na Galeria La Fábrica, em Madrid."

- Colectivo CIA de Foto: "(...) a qualidade da série ‘Carnaval’ (apresentada no âmbito do ‘New York Photo Fest’), num processo de trabalho que revela segurança técnica e, sobretudo poética. Trata-se da preparação de uma segunda camada para a memória de cada uma das imagens, ou da série, como um todo. Este exercício extende-se ao vídeo que acompanha o trabalho, ao fazer com que cada personagem avance para o olhar do espectador criando um outro tempo num plano mais fechado."

Cada um dos artistas seleccionados vai receber uma bolsa de produção para a realização da exposição BESphoto. Um júri de premiação distinguirá depois o vencedor, cujo valor pecuniário do prémio é de 40.000 euros.

Duarte Amaral Netto, Frederik Papin with the runaway car, Chicago, March, 1962
© Duarte Amaral Netto

22 setembro, 2011

figuras

© Pedro Loureiro




A aposta do Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira em exposições de fotografia tem sido espaçada mas muito criteriosa. No âmbido das comemorações do centenário de Alves Redol, figura maior do neo-realismo português, Pedro Loureiro apresenta um conjunto de retratos que tentam provocar memórias dos ambientes literários redolianos através de figuras inscritas no presente. É um jogo de descoberta daquilo que atravessa as imagens, a arte e os tempos - a permanência dos modos de fazer, da vida em comunhão com as coisas, com o trabalho e com a natureza.

Eis o texto que David Santos o director do Museu do Neo-Realismo (também curador da exposição) escreveu sobre A Figura (até 17 de Dezembro) de Pedro Loureiro:

A figura e a fotografia: entre o passado redoliano e a contemporaneidade
David Santos

Conhecido no meio artístico e jornalístico pelo seu trabalho de reportagem fotográfica, Pedro Loureiro é hoje não apenas um grande operator de imagem, consciente dos seus valores e técnicas (desde a imagem estática à sedução do seu movimento), como é responsável por uma singular identidade imagética, assumindo em todas as fases de produção das suas imagens uma inequívoca preocupação de cariz artístico. Do rigor formal detectado nas potencialidades do referente às cambiantes cromáticas determinadas pela lenta revelação do “preto e branco” – ainda que a cor também faça parte do seu jargão em algumas séries – o seu trabalho ilumina-se desde logo por uma particular atenção ao pormenor, ao detalhe iconográfico, transcendendo por isso qualquer leitura mais evidente ou simplista ao exigir uma revisitação sistemática do olhar do espectador.

Na verdade, a maioria das imagens de Pedro Loureiro, publicadas desde os anos 90 em jornais e revistas como O Independente e a Grande Reportagem, ou mais recentemente na Ler, resultam de uma apurada sensibilidade sobre a estética do retrato, na exploração da iconografia existencial, redimensionando, desse modo, a imagem da figura humana e a sua simbologia particular, reveladora ainda e quase sempre, ao mesmo tempo, da sua envolvente social e política. Nessa medida, as suas fotografias ultrapassam em muito o mérito jornalístico, ou a motivação original que muitas vezes as desencadeia. Essas imagens produzem, por assim dizer, um efeito que as conduz a uma espécie de valor suplementar, como se de uma escrita do olhar se tratasse, constituindo uma espécie de arquivo sobre o pulsar quotidiano da vida e do acto de a fotografar. Desse modo, o processo de significação elaborado em torno da percepção de diferentes culturas, povos e continentes, faz-se com Pedro Loureiro na observação simultaneamente poética e documental da figura humana. O humanismo das suas imagens traduz ao mesmo tempo uma visão profunda da nossa contemporaneidade, resgatando ao esquecimento valores e sentimentos que percebemos afinal essenciais à nossa própria sobrevivência global, e ainda uma vontade de comunicar para além do que a imagem nos projecta com maior eficácia ou imediatismo, pois o artista parece pontuar em cada pedaço de vida dessas imagens uma hipótese de leitura paralela, sugerida muitas vezes em pequenos sinais que se imiscuem lentamente, dando a ver, afinal, bem mais do que apenas o valor iconográfico central de cada imagem.

Viajado e marcado pelas experiências de vida dessa aventura contínua, Pedro Loureiro apresenta-nos um trabalho de retratística complexo mas sensível, que tanto convoca o cidadão comum como figuras conhecidas da nossa cultura. Entre a urbanidade europeia e a pequena aldeia do deserto, Loureiro capta a expressão de uma atmosfera de partilha essencial, que sabemos comum à grande maioria dos seres humanos, apesar de todas as diferenças possíveis de identificar entre eles. Nesta medida, podemos afirmar que as fotografias de Pedro Loureiro revelam um olhar particularmente atento à dimensão humana que nos rodeia, explorando não apenas a sua pluralidade político-social, económica e etnográfica, como as linhas comuns que a identificam na partilha do nosso mundo.

Este é um olhar experiente, que sabe da reacção do ser humano perante a câmara fotográfica, mesmo quando em algumas das imagens produzidas ou “encontradas” certos aspectos do acaso façam as vezes da pose, como se esse exercício particular procurasse apenas confirmar as palavras de Roland Barthes: “[…] o que constitui a natureza da fotografia é a pose. Pouco importa a duração física da pose; mesmo que dure um milionésimo de segundo […] há sempre pose, porque a pose não é aqui uma atitude do alvo, nem mesmo uma técnica do operator, mas o termo de uma ‘intenção’ de leitura: ao contemplar uma foto, incluo fatalmente no meu olhar o pensamento desse instante, por muito breve que tenha sido, em que uma coisa real ficou imóvel diante do olho. Faço recair a imobilidade da foto presente no ‘disparo’ passado, e é essa paragem que constitui a pose” .

Com efeito, tal como defende Roland Barthes, a pose é o acontecimento central de qualquer imagem, mas mais ainda, acrescentamos nós, das imagens deliberadamente inventadas como retrato. Neste sentido, Pedro Loureiro promove inclusive o seu acontecer ao dialogar com as pessoas que retrata, convidando-as a darem ao olhar fotográfico aquilo que querem dar, isto é, convidando à elaboração mais ou menos “natural” da “atitude do alvo”. Apesar disso, Loureiro retira das atitudes e poses do retratado quase sempre mais do que este supõe possível de capturar. Aí reside, na realidade, a dimensão maior e artística do fotógrafo que capta a imagem dos seres humanos, na exploração intuitiva e visual da sua figura retratável. E nesse aspecto particular, Pedro Loureiro revela uma mestria que o coloca entre aqueles que não só dominam todas as técnicas do exercício fotográfico, como entre os que delas retiram o potencial necessário para definir um outro alcance fenomenológico em torno da própria imagem, interpretada assim mais como vestígio incontornável de reflexão do que enquanto efeito de transparência ou pretensiosa expressão de uma qualquer “verdade”.

Aliás, a propósito do paradoxo e da inverdade fotográfica, Thierry de Duve alerta-nos que sendo a fotografia, ao mesmo tempo, “um paradoxo semiótico e um paradoxo fenomenológico”, é preciso lembrar como, partindo da fenomenologia, um historiador de arte como Hubert Damisch chegou à “impostura constitutiva da imagem fotográfica’ como signo, ao passo que Roland Barthes, partindo do semiótico, confrontou-se também com o paradoxo e a impostura da fotografia, mas como ‘mensagem sem código’ ”. A teoria da fotografia produzida desde a segunda metade do século XX, tem balançado quase sempre entre estes dois vectores, resultando hoje, após o domínio do estruturalismo semiótico, numa espécie de compromisso entre a indicialidade e a expressão, entre o signo, o registo, e o real referenciado como existência concreta, pois como nos diz ainda Duve, “[…] pela sua natureza de índice, o signo fotográfico não nos permite teorizá-lo em semiótica, sem que o fenomenológico, e até o existencial, se lhe colem à pele, por assim dizer. Na imagem, o real emerge não apenas como referência, ali, mas também como existência, aqui. O real contamina a imagem indicial. Em matéria de fotografia, não podemos limitar-nos a opor, sem mais, a imagem (o signo) ao referente (a realidade) ”. Ora, é esta dimensão complexa mas sempre sedutora da imagem fotográfica como resultado estático e sígnico e ainda a evasão que resulta do salto para o real representado que nos mantém presos e atentos, na expressão de Pedro Miguel Frade, como “figuras do espanto” perante esse acto mágico que nos apaixona e envolve na sua observação silenciosa. Este sentimento é ainda mais notório quando a imagem é um retrato, pois a humanidade apresenta-se como espelho do nosso próprio olhar, da nossa própria existência ou pertença a uma dimensão comum. Em certa medida, todos os retratos, sobretudo os fotográficos, são referentes aos retratados, mas também a quem os retrata e a quem observa o seu resultado final. Trata-se de uma troca de olhares, de expressões e significados que adquirimos e projectamos uns nos outros através dos resultados do “acto fotográfico” , como diria Philippe Dubois, viajando assim no tempo e no espaço, através da presença perceptiva e da partilha experiencial de uma imagem.

Neste contexto de interpretação e prática da fotografia enquanto retrato, Pedro Loureiro apresenta agora, no Museu do Neo-Realismo, um conjunto significativo de imagens de grande formato (100x100cm), no âmbito das comemorações do centenário do nascimento do escritor Alves Redol, figura cimeira da literatura neo-realista portuguesa e referência central da região vila-franquense. Estes retratos resultam, com efeito, de um jogo imagético que procura o fio de identidade ou reconhecimento que possa existir entre a memória das figuras ou personagens que outrora alimentaram a literatura redoliana e os ambientes humanos encontrados hoje nas mesmas regiões, explorando assim os ecos dessa leitura etnográfica sobre os grupos sociais que chamaram a atenção cívica e narrativa de Alves Redol e as dissonâncias manifestas, necessariamente, pela nossa contemporaneidade. Entre o retrato individual e colectivo, geracional e intemporal, Pedro Loureiro desenvolve, porém, uma estratégia comparativa que não produz deliberadamente juízos de valor, mas projecta no observador uma inevitável interpretação dos gestos e dos seus detalhes, ou ainda a percepção da iconografia dos objectos e acessórios que lhes dão sentido e identidade. Desse modo, estas fotografias promovem o que há de permanente entre as duas épocas convocadas, assim como o que nelas se declara como mudança subtil, mas profunda.

Tal como sempre aconteceu com a fotografia, sob o “impulso mimético” identificado desde cedo por Walter Benjamin , estas imagens obrigam-nos a reflectir sobre as diferenças e as semelhanças que nos ligam ainda aos dias em que Redol buscava nas figuras do povo do Ribatejo ou da região do Douro um traço maior de humanidade, na exaltação da sua irredutível dignidade social. De outra forma, com estes retratos, Loureiro procura vislumbrar no rosto, na pose e nos gestos das suas figuras o semblante que une todos os tempos a todas as gerações, assim como os equilíbrios ou as ambiguidades que se manifestam nos sinais de mudança que sempre caracterizam a inexorável passagem do tempo. Entre o real (vivido, rememorado ou alheio) e o seu efeito de representação, os retratos de Pedro Loureiro confirmam a dimensão indicial mas também existencial que está na génese da fotografia, bem como o eco de uma continuidade e tradição sobre os modos de fazer, ou ainda as rupturas ou transformações que se insinuam no aparato da sua composição contemporânea. Entre a pose e o instantâneo, esse paradoxo identificado por Thierry de Duve no trabalho fotográfico, estas imagens realizam, uma vez mais, a tarefa maior de uma ligação entre os seres humanos e os processos de significação que são determinados pela imagem enquanto signo ou conjunto de signos traduzidos na sua inevitável colagem ao real, pois não podemos esquecer que, “tal como a imagem desenhada, uma imagem fotográfica é uma superfície, mas uma superfície que não se deixa extrair ou abstrair completamente da realidade que a fez nascer” . Por isso, apesar da expressão artística que podemos observar no trabalho de quem fotografa, a imagem fotográfica estará sempre associada à sua condição documental, primeira manifestação da sua essência, pois como nos lembra Roland Barthes, “a Fotografia não diz (forçosamente) aquilo que já não é, mas apenas e de certeza aquilo que foi. Esta subtileza é decisiva. Diante de uma foto, a consciência não segue necessariamente a via nostálgica da recordação (quantas fotografias estão fora do tempo individual), mas, para toda a fotografia existente no mundo, a via da certeza: a essência da Fotografia é ratificar aquilo que representa”. E é precisamente o jogo eterno entre a realidade e a sua representação que mantém acesa a luz e o alcance ontológico desse efeito magnético a que chamamos fotografia. Na verdade, ao olharmos o conjunto de retratos agora apresentado por Pedro Loureiro percebemos facilmente como a fotografia nos transforma em testemunhas de um tempo, mas também em leitores de imagens que, apesar das circunstâncias específicas da sua produção, atravessam gerações, culturas e classes sociais, mantendo um vínculo estreito com esse humanismo que resiste, afinal, a todos os atropelos e se alimenta do gesto, da reflexão e da partilha da nossa condição humana.




© Pedro Loureiro

21 setembro, 2011

saldos




A Fundação Serralves está a saldar livros na loja online até ao dia 25 de Setembro. Há muitos títulos relacionados com fotografia. Os descontos podem chegar aos 75%.

Por aqui

17 setembro, 2011

White Noise



António Júlio Duarte, White Noise
© António Júlio Duarte


O novo livro de António Júlio Duarte já está em pré-venda no site da editora Pierre von Kleist. White Noise, assim se chama a obra, reúne 36 imagens de um ensaio que se move nos territórios kitsch dos lobbies dos casinos de Macau, um mundo ilusório sublinhado por olhar muito treinado a descobrir os desejos luxuriantes do Oriente.

A obra terá uma edição de 1000 cópias, das quais 50 serão edições especiais acompanhadas por impressões a jacto de tinta (28X28), numeradas e assinadas. A distribuição da tiragem normal foi agendada para Dezembro deste ano e cada exemplar custará 40 euros. As encomendas em pré-venda da edição especial custam 150 euros.
Estão aqui


António Júlio Duarte, White Noise
© António Júlio Duarte

para Braga

Jan Vaca, da série Stalking, 2007
© Jan Vaca


Arranca este sábado a 21ª edição dos Encontros da Imagem de Braga, que se intitula “um dos mais antigos” festivais de fotografia da Europa. Novas visões na fotografia social é o tema genérico da edição deste ano tentando abarcar e compreender “o momento de crise” que se atravessa. Na voz da organização, um dos desígnios dos EI é justamente a reflexão sobre “cada momento”. E hoje parece mesmo incontornável não olhar para o presente sem olhar para “a crise”, onde quer que ela esteja colada.

New Life/New Document é uma das exposições centrais do festival, onde se revelam as transformações provocadas pela queda do muro de Berlim e pelos processos de adesão à União Europeia de alguns países do centro da Europa e que integravam o Pacto de Varsóvia. Perto de duas dezenas de fotógrafos da República Checa, Eslováquia, Polónia e Hungria fazem prova de uma nova abordagem ao registo documental, mais livre dos tradicionais espartilhos sociológico e humanista para se aproximarem, em termos formais, das possibilidades da fotografia a cores, do flash e dos grandes formatos. Os temas escolhidos são sobretudo os frutos proibidos durante os anos de maior controlo e censura, como a droga e a prostituição. Outra das mostras que percorre as mudanças ocorridas nos países da Europa de Leste chama-se Ausschnitte aus Eden (Excertos dos Paraíso), onde o irlandês Mark Curren se socorre dos suportes áudio, videográfico e fotográfico para revelar a destruição da paisagem da localidade de Lausitz, na ex-RDA.

Para um olhar mais próximo da realidade portuguesa, a organização convidou o colectivo kameraphoto a “construir um retrato actual do país”. Os olhares multíplices estão plasmados em imagens que vão desde o “discurso intimista, ao retrato, passando pelo drama das carências económicas”. A ideia é tentar traçar “um painel sociológico” que ilustre “as vicissitudes do momento”. Deste momento.

Para lá das 17 exposições que dão corpo aos EI 2011, haverá leitura de portfólios, oficinas, projecções, visitas guiadas e a entrega do prémio Emergentes DST, no valor de 7500 euros. O festival, dirigido por Rui Prata e Ângela Ferreira, está espalhado por vários espaços da cidade e termina no dia 30 de Outubro.

O programa completo das exposições está aqui


Sandra Rocha
© Sandra Rocha/kameraphoto

15 setembro, 2011

Lange


Jessica Lange, México
© Jessica Lange


Parece que Jessica Lange gosta de ficar à frente e atrás das câmaras. Desde há três anos que se dedica cada vez mais a mostrar aquilo que vale na fotografia. O centro Niemeyer de Avilés, Asturias, apresenta Unseen, da qual fazem parte 78 imagens, onde se revelam as andanças da actriz, principalmente pelo México, país pelo qual tem predilecção por causa da sua "luz e das suas noites longas".

Patti Smith, amiga da actriz, escreveu um texto sobre o trabalho de Lange na fotografia. Está aqui

 
free web page hit counter