27 maio, 2011

/uma fotografia, um nome\


António Drumond, s/ título, 1984
© António Drumond



Conhecemos António Drumond por uma insularidade que transmuta realidades do insólito, encontradas ou produzidas em efeitos de encantamento e alquimia, sempre, mas sempre, racionalizadas.

Nas suas imagens de cor o imaginário da estranheza resolve-se mais no tratamento da tonalidade e na composição, do que no motivo. Esta composição, (porque se trata de uma composição muito elaborada e minuciosa, com selecção de elementos com contraste de cor) surge-nos como um apontamento de um caderno de pintor, um apontamento de Caravaggio: tons fortes e soturnamente carregados, objectos que falam entre si, luminosidades insólitas que dificilmente nos deixam situar a fonte de luz. Caravaggio, como se sabe, iluminava com diversos focos as suas telas, recusando a ilusão do foco do lado do observador.

No entanto esta imagem não é neo-pictorialismo, não tem uma teoria fisiológica ou pictórica de base, não pretende ser a imitação de um “quadrinho” qualquer; baseia-se sim na ideia modernista de objecto fotográfico, que assume o seu fraccionamento próprio em função da câmara. Para um pintor seria um apontamento de caderno, para um fotógrafo é a temática, o motivo.

Produzida nos anos oitenta do século XX, quando o código fotográfico conceptualista se aliava às cores lisas dos cartazes modernistas, afirma-se como textura de cor e objecto, apela tanto ao tacto como à reflexão. É uma composição produzida, um jogo de objectos no seu contexto e tudo assim se completa para criar interstícios e segredos, numa impressão de intimismo que cria o enigma, esse sinal de conjuntura de fim de século que ainda nos rege num tempo de falsa transparência.

Hoje, a imagem digital ganhou o estatuto da informação e da simulação tecnológica e a imagem química ganha a diferença da raridade. António Drumond produziu séries de colagem que afirmavam esse afã do Modernismo em estabelecer comparações e irrupções de tempos e espaços diversos na composição; fez fotografia directa em que deixou a luz ou a cor fazer de sujeito ou fotografia construída regida pelo simbólico ou pelo conceptual, de experimentação em experimentação, mas livre de códigos cerrados. Mas nunca deixou de pensar a fotografia como uma alquimia que permite a transmutação entre um real encontrado ou encenado num objecto fotográfico.

Nesta imagem é a cor e a textura que fabricam a sedução da materialidade e nada, senão a estética do conjunto nos atrai o olhar. E assim contraria a fugacidade que deu em habitar o olhar contemporâneo, simplificando a relação com a obra, o intercâmbio de sensibilidades e emoções, a descoberta dos significantes que se ocultam nos significados.”

Maria do Carmo Serén

1 comentário:

Araúja Kodomo disse...

Muito bom ^^ *

 
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