01 outubro, 2009

/uma fotografia, um nome\


Paulo Nozolino, Tóquio, Japão, 1996
© Paulo Nozolino

E porquê esta imagem, aparentemente límpida e bem calibrada, entre tantas imagens belíssimas de Paulo Nozolino, que fazem capa de revista e fulguram em exposições revisitadas até à exaustão?

Há aqui a comodidade de não haver perplexidade, não há arestas vivas, o enigma é o de todos os dias – não vemos os rostos, a história do personagem: não há ambiguidade nem sobressalto.
Mas nunca, desde o primeiro olhar, “um personagem à procura de autor”, é, decididamente, uma imagem de Nozolino; e sempre me perturbou.

Detecta-se a nova concepção de distância fotográfica, onde ficamos onde estamos, fora de cena, sem perseguir mistificações. O fotógrafo joga com o claro-escuro, (um negro intenso e injusto, um branco de cegar), sem debitar ensaios técnicos que exigem um bloco de notas prévio; mas a fotografia é habitada pela transparência pesada de um entardecer, que reconhecemos existir sem nunca a olharmos, a sentirmos assim, na mínima transparência dos nossos dias.

Tudo se fez, tudo se congregou para definir este cenário de passagem: o contraste da pedra com a marca branca no asfalto, o corte exacto no geometrismo, a ausência de céu, a simetria incómoda, de espelho, dos dois personagens. Ao fundo a sugestão de janelas iluminadas na parede cinza, falsas e oníricas, com ladrilhos que as negam, mas deixando a ilusão persistir.
E, no entanto, para meu mal, não é a análise da composição que me seduz. A sedução é uma apropriação da lisura, uma inconveniência e esta imagem sempre me seduziu.

Porque conheço, todos nós conhecemos, este apressamento quase automático dos nossos fins de dia, estes gestos padronizados, esta negligência física que esconde mal a repetição das nuances e dos códigos. Conhecemos a sobremodernidade onde isto se passa e se interioriza, estes não-lugares onde a comunicação virtual não é comunicação e o perigo é uma coacção. Sabemos deste seguir em frente, sem olhar, tão rápido como a decisão, tão solitário como a esperança. O que esta imagem de Paulo Nozolino nos dá, de forma concentrada, no passo elástico da determinação numa incaracterística esquina de Tóquio, é a nossa pertença a este magnetismo da solidão. Porque nesta nossa cultura, nesta cultura quase universal, que nos identifica, recupera-se o “significante flutuante” de que fala José Gil – a força primária, colectiva, energia do vivo sobre todos os objectos que, mesmo minimamente, o representam. Não é uma varanda para o conhecimento, mas para a identificação, no mar de signos que provoca. O que sabemos com o corpo muitas vezes não tem nome. Na falta de código, sabemos sem significados.

O paradoxo desta fotografia é ligar-nos o corpo cúmplice a esta imitação da vida a preto e branco, para entendermos o sentido que a aprendizagem não nos sabe dizer.

Maria do Carmo Serén

Paulo Nozolino (1955), vive actualmente em Lisboa;
Fotógrafo inveteradamente flâneur é o mais internacional dos fotógrafos portugueses.

3 comentários:

Daniel Stilb disse...

na fotografia contemporânea portuguesa, Nozolino é a minha grande referência.

beatrice ferenczi disse...

s'enfoncer dans un cadre, une " pénombre",Nozolino,regarder à distance les reflets des noirs en brillance , un tableau unique, le mystère
du grand art .

alberto m disse...

você percebe o que escreve, verdade? :)

 
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