19 janeiro, 2009


entre aspas

Entre as Faucherys que não foi buscar para Marijana ver está aquela que mais profundamente o atormenta. É de uma mulher e seis filhos agrupados à porta de uma cabana de lama e caniços. Quer dizer, podia ser uma mulher e seis filhos, ou a rapariga mais velha podia não ser filha coisa nenhuma, mas sim uma segunda mulher, trazida para tomar o lugar da primeira, que parece esvaziada de vida, exausta de ventre.
Todos eles mostram a mesma expressão: não hostis ao estranho com a moderna máquina de tirar retratos que um momento antes daquele momento enfiou a cabeça por baixo do pano escuro, mas assustados, paralisados, como bois no portal do matadouro. A luz incide-lhes em cheio na cara, apanha todas as manchas da pele e da roupa. Na mão que a criança mais pequena leva à boca a luz expõe aquilo que pode ser doce mas era mais provavelmente lama. Como foi possível revelar tudo aquilo com as longas exposições necessárias naquele tempo, ele nem sequer consegue imaginar.

J.M. Coetzee, O Homem Lento, D. Quixote, 2008

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