Depois de um consagrado (José M. Rodrigues), de uma aposta (Miguel Santos) e de um olhar de fora (Flor Garduño) a Galeria Pente 10 presta homenagem a um histórico da fotografia portuguesa que teve, durante anos, a sua obra voltada ao esquecimento - Carlos Afonso Dias (Lisboa, 1930).
Em actividade desde meados da década 50, contemporâneo de Gérard Castello Lopes, Costa Martins/Vítor Palla, Carlos Afonso Dias foi um dos poucos que nos anos de penumbra criativa do Estado Novo desviaram caminho da fotografia salonista e académica que então se praticava. Sem referências internas para seguir, os que escolheram a fotografia livre do jugo ideológico procuraram noutras paragens o seu modelo de fotografia. Henri Cartier-Bresson foi um desses faróis. E com ele a fotografia preocupada com os valores e a dignidade do ser humano que Carlos Afonso Dias também praticou.
O percurso de Carlos Afonso Dias na fotografia portuguesa é discreto e foram raras as vezes que mostrou o seu trabalho em público. O primeiro grande raio de luz que se projectou sobre as imagens que tirou em Portugal e no estrangeiro foi dado pela Galeria Ether, Vale Tudo Menos Tirar Olhos, em 1989, com a exposição Fotografias 1954-1969.
A exposição que agora se mostra na Pente 10 recupera boa parte das imagens mais significativas dos primeiros anos de actividade de Carlos Afonso Dias, engenheiro geógrafo de profissão, e revela também um pequeno conjunto (6 fotografias) captadas nos últimos anos.
“Carlos Afonso Dias é um grande fotógrafo português e, como todos nós, é um fotógrafo 'estrangeirado'. Seria bom que o público que se interessa pela fotografia soubesse que os fotógrafos portugueses só se servem de um ingrediente nacional: a água. Tudo o resto: a máquina, a objectiva, o filme, os filtros, o flash, os produtos químicos, o ampliador, as lâmpadas, o papel vem de fora. Como de fora vem a moda, um estilo, as preocupações, as revistas e os livros; numa palavra: os paradigmas.”
Gérard Castello Lopes, prefácio a Carlos Afonso Dias, Lisboa, 1989
Avenida da Liberdade, Lisboa, 1957
(© Carlos Afonso Dias)
(© Carlos Afonso Dias)
Fotografias 1956-2008, Carlos Afonso Dias
Galeria Pente 10
Trav. da Fábrica dos Pentes (ao Jardim das Amoreiras), 10, Lisboa
Até 7 de Novembro
1 comentário:
O que mais me prendeu a atenção no conjunto de fotografias de Carlos Afonso Dias, expostas no piso inferir da Galeria Pente 10, foi precisamente o jeito discreto e silencioso de fotografar o aparente silêncio dos outros. Fotografias de pessoas de costas, de perfil, muitas vezes com uma mão com que velam parte do rosto, outras vezes numa atitude secreta e interiorizada, coincidentemente cúmplice. Excepto uma criança de rosto e sorriso aberto, três jovens explicitamente a pousar para a câmara e uma mulher com uma garrafa na mão e a outra mão aberta a combinar com um rosto todo exterioridade, todos os demais parecem introverter o olhar ou falar entre si as palavras que a câmara não diz nem ouve mas com a qual se captou o gesto. É raro ver uma relação directa do fotógrafo com o fotografado. Parece um olhar sensível, um tanto tímido que se movimenta invisível em diferentes planos e dos outros parece absorver parte do que já é. Depois há tomadas de vista mais gerais e panorâmicas mas o que mais me ficou na memória foi a quase ausência de olhos voltados para o exterior e a secreta linguagem dos gestos.
Tive saudades dos tempos que não eram os meus, da película fotográfica que utilizo poucas vezes, da surpresa das imagens que não se podem ver de imediato e que forçavam a uma maior precisão e atenção no disparo e na escolha do momento, da poesia roubada às horas mortas dos dias do viver comum e do nostálgico encanto do preto e branco.
Depois foi aquele contraste entre a década de 50 do séc.XX e o inicio do séc XXI que me fez sorrir e onde ficou claro que já nada é como antes. As linhas estenderam-se, os planos abriram-se, o espaço ganhou cor, a luz directa parece desvirtuar o chiaro-scuro, as pessoas desaparecem dando realce ao espaço que até pode fazer eco… e aquela janela antiga integrada neste contexto parecia mesmo imbuída na parede, mais real que a realidade se é que a realidade é no fim de contas assim tão verdadeira.
Desculpem, foi um Amigo com quem gosto de falar de fotografias e com quem os mails saem sempre longos, que me perguntou o que eu tinha achado da exposição. Acabei por lhe responder aqui mesmo, pois estava a adiar a resposta por não saber de modo mais curto. São tudo linguagens próprias de quem fotografa e de cada vez parece fazer menos sentido gostar ou não gostar…
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