Estava predestinado a ser um leilão da palavra escrita, mais do que da imagem impressa e assim foi. A quarta venda organizada pela galeria Potássio Quatro tinha a fotografia como núcleo, mas o centro das atenções, como se esperava, voltou-se para os livros e manuscritos provenientes do espólio da família de Fernando Pessoa. A fotografia foi, aliás, uma das derrotadas da noite de 6 de Dezembro, com muitos lotes retirados sem qualquer licitação e outros vendidos sem grandes despiques. É um sinal que pode significar três coisas: lotes com preços de licitação demasiado elevados; inexistência (ou quase) de procura em Portugal; fraca qualidade dos lotes seleccionados.
Pelo menos 8 dos 31 lotes de fotografia foram arrematados depois do leilão fechado, o que mostra ainda alguma hesitação dos compradores na hora de lançar ofertas durante a venda.
Segue-se um balanço muito resumido do que se passou:
Surpresas
Lotes 7, 8 e 9
Vigé & Plessix Photographers, Universidade de Coimbra; Porto; Porto.
»»Das quatro excelentes albuminas postas em praça desta casa francesa apenas uma (Sé de Braga) foi retirada sem qualquer licitação. As outras foram vendidas por 600 euros. É raro encontrar albuminas de Portugal neste estado de conservação.
Lote 22
K, Lda. Studio, Chiado, Fernando Pessoa com Ferreira Gomes.
»»Este tríptico fotográfico de Pessoa tem um encantamento especial. Alguém percebeu isso muito bem e pagou por ele 2000 euros.
Lotes 23, 24 e 25
Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), manuscrito de Indícios de Oiro; Mário de Sá-Carneiro, scrapbook; Mário de Sá- Carneiro, scrapbook com recortes de imprensa.
»»E aqui a palavra escrita mostrou o que vale. Foi bonito de se ver o despique que provocaram estes lotes vindos do espólio dos familiares de Pessoa. O primeiro bateu o recorde do leilão ao ser vendido por 19 mil euros. A BN exerceu o direito de opção.
Lote 31
Portugal 1934, Lisboa, S.P.N (Secretariado Nacional de Propaganda).
»»Continua a subir de cotação este livro de propaganda ao Estado Novo. É um dos exemplos pioneiros em Portugal da utilização da fotomontagem para galvanizar as massas e divulgar os feitos da ditadura salazarista. Foi vendido por 3100 euros.
Lote 32
A Fábrica de Gás da Matinha, 1944
»»O preço de licitação base estava marcado nos 150 euros, mas depressa se percebeu que este livro não muito conhecido iria subir. Tem um arranjo gráfico inovador e ousado e a fotografia joga um papel principal.
Lote 41
Portugal 1940, Comissão Executiva dos Centenários, S.N.P., Lisboa, 1940.
»»É um livro que tenta apanhar a boleia do sucesso do seu predecessor, Portugal 1934. O conceito é o mesmo, com um arranjo gráfico em tudo semelhante à obra que tem dado que falar nos últimos leilões. Este livro foi arrematado por 2000 euros.
Desilusões
Lote 1
Francesco Rocchini (atrib.) 1820-1893, Torre de Belém.
»»Foi retirada de praça sem qualquer licitação esta albumina da Torre de Belém. É certo que as paisagens e a catalogação de monumentos sem vivalma, muito características do século XIX, têm um interesse limitado, mas esta imagem vale muito também pelo que simboliza.
Lote 14
Cunha Moraes, Angola, 1886
»»O trabalho de Cunha Moraes em África é um dos expoentes máximos na história da fotografia portuguesa do final do século XIX. É no mínimo estranho que esta fotografia não tenha recebido qualquer proposta durante o leilão.
Lotes 45 e 46
Retratos Feijota, Amália Rodrigues; Thurton Hopkins, Amália Rodrigues no Luna Park, Lisboa.
»»Não despertaram grande interesse estas imagens de Amália Rodrigues. Se o primeiro era um retrato banal, a segunda imagem merecia outra atenção. Foi vendida um pouco acima do preço base (820 euros).
Lotes 47, 48 e 49
Sebastião Salgado, tropas portuguesas em Angola, Agosto de 1975.
»»Não houve uma única proposta durante o leilão para estas fotografias de Salgado. Verdade seja dita, à excepção de uma (lote 47), as fotografias restantes são meros registos de presença. Foram vendidas à posteriori pelo preço base, 300 euros cada.
Lote 50
Fernando Lemos, Intimidade no Chiado, 1949/52.
»»Esta prova feita a partir dos negativos originais mostra todos os ingredientes surrealistas do trabalho pioneiro de Fernando Lemos. Não suscitou interesse de ninguém na sala, mas acabou por ser vendida nos bastidores por 500 euros, o preço base por que foi lançada em praça.
Para ver o resultado final do leilão clique aqui.
4 comentários:
"registos de presença" dá que pensar.. :)
Incrível... mas estavam a dormir para não comprar Fernando Lemos?
Ó meu querido Sérgio,
Mário de Sá-Carneiro escreve-se com hífen... Aprende-se no secundário. E "Indícios de Oiro", como também deveria saber, tem mesmo "oiro", não "ouro"...
Isto das fotografias é muito bonito, mas há que saber mais qualquer coisinha...
Ó meu querido anónimo,
que desgraça a minha! O que me havia de acontecer, meu Deus. E logo eu que tudo faço para chamar as coisas pelos nomes certos. Terá sido do meio-litro de sangue que me tiraram ontem nas análises? É que me deram logo umas tonturas... Nem imagina.
Bom, mas corrijam-se, sem mais demoras, estes crimes de lesa-pátria: o hífen e o “Oiro” a seu dono. Com faltas de tão elevada gravidade, pode o poeta ficar desassossegado lá onde está. E ninguém quer isso pois não?
E como já vi que tem jeito para andar à cata, convido-o a passar por cá mais vezes (a vida não está para pagar a revisores), não vá o diabo tecê-las. É que posso cometer outra argolada do tamanho de um camião, como parece que foi o caso. E vergonhas ninguém gosta de passar, não é?
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