20 agosto, 2007

culpar

(Imagem TVI)

Ao ler uma crónica recente do Miguel Gaspar sobre a relação dos media com o caso Madeleine lembrei-me de uma imagem que o Jornal de Notícias decidiu, em má hora, estampar na primeira página de 7 de Agosto, numa altura em que surgiram pistas novas a propósito do desaparecimento da menina inglesa. O texto do Miguel reflecte sobre a tentação geral dos media de transformarem “notícias em narrativas” manipulando e ligando de forma irresponsável “elementos de verosimilhança a crenças inconscientes ou a preconceitos”. E fala também da facilidade com que se transformaram os pais de Madeleine McCann em eventuais criminosos, quando, muito pouco antes, eram heróis de escala mundial.
É claro que, para além do que se escreve, a forma e o conteúdo do que se vê contribuem, muitas vezes de uma maneira implícita, para a construção de juízos individuais que se vão moldando de acordo com vários condicionantes, neste particular, o tempo que já leva o caso, a informação disponível e a informação diponibilizada (imagem fotográfica, televisiva ou outras, incluídas).
Numa altura em que se falava de novas pistas vindas do quarto onde dormia Maddie e se procuravam outras nos carros usados pelos pais e amigos do casal McCann, o JN decidiu usar na capa uma captura de ecrã de uma filmagem da TVI. Vemos Kate McCann de criança ao colo, cabisbaixa, face encostada ao ombro, cabelo em desalinho, olhar escondido por óculos de sol e atitude de quem não quer ser vista ou interpelada. Na mesma imagem há ainda o aspecto pixelizado e uma particular falta de nitidez, características típicas de uma captura de ecrã de televisão impressa em papel de jornal que dão à cena um élan de urgência, dramatismo e velocidade.
Apesar do pós-título afirmar que os pais de Maddie se tentavam refugiar da “exposição mediática”, a decisão de publicar esta imagem é altamente questionável. É questionável porque estão nela todos os condimentos de um grande sentimento de culpa e comprometimento que, neste momento particular, atiravam Kate para o grupo dos principais suspeitos pelo desaparecimento da própria filha. Isto sem que, à data, tivessem sido tornadas públicas quaiquer provas oficiais que apontassem nesse sentido. É pena que um jornal com a responsabilidade do JN tenha publicado esta imagem neste contexto. É pena que o director de fecho do JN nesse dia não tenha parado para pensar um pouco sobre o alcance da sua decisão. Miguel termina a sua crónica dizendo que o “povo português pode ficar feliz” porque “a hipermediatização tablóide” é “uma matéria em que somos mais aprendizes do que feiticeiros”. Bom, o certo é que, passo a passo, lá vamos saindo dos bancos da escola rumo ao púlpito do professorado.

Não vale a pena discutir a objectividade ou a subjectividade do jornalismo, quando o jogo assenta em desvalorizar que se sabe muito pouco e a construir um sentido, eventualmente forçá-lo, a partir do pouco que se sabe.

Miguel Gaspar


Primeira página do Jornal de Notícias de 7 de Agosto

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