30 abril, 2007


entre aspas

O marido tinha sido segundo clarinete na banda da Marinha, gordo, sério, calado, com um problema de açúcares. Agora já não tinha problema de açúcares nenhum, estava em tipo passe num retrato da cómoda com moldura que por uma unha negra não era prata da boa, ia ser prata da boa quando o fabricante
- Já chega
e a deixá-la assim, com o letreiro Saudade Eterna por baixo a que faltava um último banho e por conseguinte uma das rosas que espiralavam a Saudade Eterna enegrecida, atrás do retrato o clarinete onde ninguém soprava e atrás do clarinete o papel de parede também de rosas com as folhinhas dos caules desmaiadas que o sol batia ali de chapa a tarde inteira sem que nenhuma persiana lhe valesse, esses sóis do Alentejo que desfazem paredes com o hálito e transformam as cores num preto e branco desmaiado e severo que anula tons e matizes.
[...]


António Lobo Antunes, Violeta, (Visão, 26.04.2007)

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