Um livro irrequieto
Há livros que se contentam em mostrar-nos fotografias, placidamente. E há livros que não descansam enquanto não nos derem a volta à cabeça. Deviation of the Sun é o título do novo fotolivro de António Júlio Duarte. E só pelo título e pela maçã da capa está bom de ver que é um daqueles casos que pertence à categoria dos livros irrequietos, dos que ganham vida nas mãos, daqueles que nos fazem nós no cérebro. Porque dão vontade de mexer, de girar, de os sentir como um objecto moldável e não como uma estrutura rígida, apenas receptiva ao antiquíssimo hábito de virar as páginas.
À medida que o livro foi sendo concebido, António Júlio Duarte foi tendo cada vez mais certeza de que as teorias newtonianas sobre a gravidade universal e o espírito inquieto de quem as formulou seriam um dos seus guias. Daí essa maçã em suspensão na capa, que ameaça escorregar para fora do papel. Uma imagem do quotidiano que desafia a ordem visual natural. A vertigem transparece não só da distribuição das imagens ao longo das páginas como do conteúdo.
As fotografias de Deviation of the Sun foram captadas durante três meses de 1997. Fazem o contraponto do trabalho de rua que levou o fotógrafo lisboeta a cidades como Tóquio, Hiroshima, Saporo, Quioto. Mostram alguém confrontado consigo mesmo (há muitos auto-retratos, género pouco comum no fotógrafo), em espaços fechados, à descoberta de pequenos mundos, de superfícies, objectos e texturas.
Este fotolivro foi publicado por ocasião da exposição Japão 1997, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, que mostrou 167 provas de contacto, ou seja todos os fotogramas de um corpo de trabalho específico, iniciativa inédita no percurso artístico de António Júlio Duarte.
Apesar de coexistir no tempo e de coincidir no tema, as ligações entre livro e exposição acabam aí. O fotógrafo não quis fazer um catálogo. Quis um criar um “objecto autónomo”. Para esse labor contribuiu a dupla João Pedro Cortes/André Príncipe, da editora Pierre von Kleist, chancela que editará um novo fotolivro de António Júlio Duarte que ainda sem título definitivo. Será uma “revisitação” a este tempo em que o fotógrafo deambulou pelo Japão, de onde trouxe sobretudo registos do espaço urbano.
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