09 março, 2013

no meio

© José Paulo Ferro


No meio 
(Revista 2, Público, 24.02.2013)


Há uma coisa na fotografia que me espanta sempre – o poder que tem de brincar com o tempo, de o subjugar quando nos mostra a estática, o lapso puro e documental do momento que passou. Talvez por ser tão banal, desde há tanto tempo, esta virtude tente a ser esquecida. Mas eu gosto de me lembrar dela. Aliás, faço sempre por me lembrar dela, porque é um exercício que torna aquilo que vejo na fotografia um desafio permanente, um estímulo para me deslocar do tempo em que estou para o tempo que ela me dá. E não são precisos grandes malabarismos, sessões de candomblé ou períodos de transe psicadélico. Basta um bocadinho de concentração, uns pozinhos de predisposição e algum poder de imaginação. Coisa fácil. Como fácil é entrar no tempo da ginga festiva, do excesso catártico de Roll Over – Adeus anos 70 (Documenta, 2012), um fotolivro de José Paulo Ferro que em boa hora resgatou da escuridão snapshots com muito flash e bailarico à mistura, transformando aquilo que era um festim semiprivado num desfiar de imagens capazes de nos dar o pulsar de uma geração.

Para mal dos nossos pecados, somos muito púdicos e gostamos pouco de mostrar aquilo que fomos neste género intimista e diarístico. Temos um registo pobre (para não dizer quase nulo) de edição de espólios fotográficos como este de José Paulo Ferro, que são antes de tudo um rico documento sociológico. Parece que continuamos tolhidos e à espera de encontrar os “grandes fotógrafos” e a “grande fotografia”, quando o fulgor e o tempero do tempo está muito mais em crónicas como esta, longe do pretensiosismo dos fotógrafos que andam à caça do momento decisivo ou da “melhor fotografia possível” que se preste a entrar nos calhamaços de história da coisa.

As imagens de Roll Over – Adeus anos 70, que tanto mostram o êxtase dos concertos na sala dos Alunos de Apolo como as festas com a canalha nos jardins de Cascais, são reveladoras de um deambular inclusivo, uma errância descomprometida só possível com um elevado grau de cumplicidade.

Para bem dos nossos pecados José Paulo Ferro esteve no meio dessa tribo e fez parte desse tempo. E decidiu mostrá-lo para que, agora, nós tentemos fazer essa viagem com ele. Nem que seja só para imaginar a força do punk dos Faíscas, já que discos eles não deixaram.




© José Paulo Ferro

2 comentários:

frederico disse...

Tive o prazer de folhear este livro numa FNAC. Achei-o fascinante e surpreendente. Principalmente pelo documento temporal. Retrata um tempo e uma cultura da que eu não vivi, mas graças ao trabalho do José Ferro posso observar. O seu olho muito pessoal, faz-nos sentir muito no local.
É um livro que em breve irá entrar na minha biblioteca.

Anónimo disse...

Blog muito interessante. Desde já fica aqui também uma chamada de atenção para o blog EXPRESSÕES FOTOGRÁFICAS, EM http://expressoesfotograficas.blogspot.pt/, onde poderão ver também alguns assuntos interessantes e/ou complementares, tanto na área da fotografia (com uma componente mais virada para o fotografo amador) como na área da edição digital (tutoriais e artigos com Adobe
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