© Diogo Bento |
Da memória
(Revista 2, Público, 27.01.2013)
Naqueles quinze minutos, o fotógrafo chegava, espalhava as impressões à nossa frente e tinha de explicar o que queria com aquelas imagens, porque eram aquelas e não outras. Entre o espalhar e não espalhar, bem vistas as coisas, quinze minutos era só uma nesga tempo - há sempre tanta coisa para dizer sobre as fotografias. São tantos os caminhos rumo à deriva para onde elas nos apontam que é sempre espantoso quando alguém nos aparece com objectividade. Quando alguém aparece com um caminho traçado, consequente e original. É raro, mas aparecem pessoas assim.
Explicar depressa e bem era um dos exercícios que se propunha a quem queria passar a uma das cadeiras da pós-graduação Fotografia, Projecto e Arte Contemporânea, organizada pelo IPA, em Lisboa, canudo que, entretanto, finou por falta de alunos. Quando, há dois anos, Diogo Bento acabou de espalhar as fotografias de um projecto relacionado com Amílcar Cabral e começou a falar como alguém que tenta convencer-nos da sua genialidade inquestionável, duvidei. Mas à medida que foi desfiando com clarividência (e entusiasmo) as suas motivações fui ficando cada vez mais dentro daquelas paisagens ocres cabo-verdianas, quis saber mais sobre aquele homem endeusado, que marcas tinha deixado, como o vivem e olham hoje.
Em resumo, a tese de Diogo é a de que Amílcar e os seus ideais de liberdade ainda existem (“Cabral ca morri”, “Cabral não morre”). Não como um Elvis ou um Sebastião que ainda nos há-de entrar porta dentro a gingar as pernas ou a brandir a espada. Mas aquele que existe nas coisas simples, nas coisas raras. Aquele que existe dentro dos homens, nas paisagens, nas paredes das casas, na terra batida do chão.
É tarefa complicada dar uma expressão visual ao etéreo, à fina camada de passado que prevalece, através de um suporte que se alimenta, sobretudo, do que é terreno. Mas Diogo saiu-se bem. E explicou-se melhor ainda. Pelo menos a mim convenceu-me com as suas fotografias de fotografias de Amílcar, fotografias de escritos dele, que foram emparelhadas com lugares onde essa figura paira.
“Cabral ca morri” junta a imagem explícita e a imagem implícita (a evidência documental e a abstracção sensorial) num caminho que tende para a interpretação mística do espaço. Como quem estende uma longa panorâmica da memória.
© Diogo Bento |
© Diogo Bento |
Sem comentários:
Enviar um comentário