18 junho, 2012

encontros

© Scott Schuman



Crónica
Encontros extraordinários


Sartorialist, de Sartorial/adj. [A] fml or humor concerning (the making of) men`s clothes: a man of great sartorial elegance (=neatly and stylishly dressed) - ly adv. 
(in Logman, Dictionary of contemporary English)
 


Às vezes (muitas vezes) os comunicados de imprensa são um chorrilho de frases feitas, disparates avulsos, ideias desconexas e palavras nas entrelinhas que se querem impingir. Outras vezes (raras) acertam na mensagem, dizem o essencial sem querer vender a “banha da cobra”. Outras vezes ainda (muito mais raras) conseguem trazer algo de verdadeiramente acertado, uma palavra, uma ideia, uma descrição que nos leva a pensar e repensar naquilo que vimos com os próprios olhos. Vi na loja da Loewe da Gran Vía de Madrid a primeira exposição de fotografia por terras ibéricas de Scott Schuman (até 5 de Agosto), um dos mais reputados bloggers de moda da actualidade e, seguramente, um dos mais influentes fotógrafos de rua que os últimos anos conheceram

Dei umas três voltas à pequena sala alcatifada, apontei umas notas num caderno, bebi um copito de champanhe e comi muita fruta fresta a pensar no calor e no desgaste de mais uma jornada de inaugurações do PHotoEspaña 2012 (PHE), festival onde a exposição de Schuman figura na secção oficial. Nenhuma dessas notas com letra tipo receituário de médico inclui a descrição que, parece-me agora, melhor resume o trabalho de Schuman – ela está no papel que um discreto relações públicas nos entregou. Não sei se foi ele que escreveu o texto do comunicado, mas é capaz de ter sido. Troquei umas palavras com ele. Pareceu-me sereno, sabia do que falava. E, no final, deu-me um envelope preto com um cartão-de-visita e o texto que agora leio com interesse e com prazer até ao fim. Diz em quatro parágrafos o essencial sobre o trabalho de Schuman, é clarividente e ainda tem a virtude de nos iluminar, coisa rara, como já disse. Começa com uma citação certeira de Henri Cartier-Bresson segundo a qual o sucesso do processo fotográfico depende sobretudo do alinhamento no mesmo eixo de três coisas: a cabeça, o olho e o coração. Pode parecer uma tese romântica e meio utópica até, mas, neste caso, assenta que nem uma luva - o trabalho deste americano de Indianápolis tem estas três virtudes idealizadas pelo mestre francês.

As imagens de Scott Schuman são muito mais do que fotografias de moda, de tendências ou de luxo. Estão muito para lá do exercício de vaidade, da caça de talentos ou da procura de fashion victims. São imagens que revelam uma enorme sensibilidade estética, uma grande perspicácia do olhar e uma sagaz capacidade de convencer – no final de contas, são fotografias de encontros extraordinários. Encontros que muitas vezes nos dão uma melhor imagem do tempo em que vivemos do que uma centena de fotografias impressas num jornal do dia. Schuman persegue aquilo que melhor caracteriza o indivíduo. Pode ser uma fatiota dandy, um acessório da feira-da-ladra ou o rosto, claro. Porque são os rostos que fornecem persona ao estilo. Se fosse de outra maneira, bastaria a Schuman fotografar cabides com roupa trendy-chic. É por isso que o criador do The Sartorialist é, sobretudo, um retratista. Chamemos outra vez o texto da Loewe, a marca que patrocina a exposição de Madrid, que diz que “há tantas maneiras de definir estilo como indivíduos”. Verdade. Schuman sabe disso fazendo da rua o seu viveiro, o seu terreno de labor. É lá onde estão os rostos do quotidiano. O estilo individual. Livre. A sensualidade e a elegância espontânea, l`air du temps.

Em termos formais, as imagens de Scott Schuman são muito rigorosas e quase sempre obedecem a uma composição onde o sujeito aparece de corpo inteiro com contexto mínimo da rua onde se cruzaram. O fotógrafo tem por hábito identificar o local onde capta as imagens, mas há por vezes referências visuais que nos atiram directamente para o universo geográfico daquele instante, como se dissessem 'estou aqui e esta é minha rua, o meu bairro, a minha cidade – pertenço a este lugar'.

As revistas de moda, tantas vezes montra e espaço de afirmação de grandes fotógrafos, perceberam rapidamente o potencial das imagens do blogue de Schuman e levaram-nas para as suas páginas (GQ, Vogue Italia, Vogue Paris, Interview). Depois vieram as galerias de arte e os museus. O comunicado (aí vem ele outra vez) refere dois dos mais significativos – o Victoria & Albert Museum, de Londres, e o Tokyo Metropolitan Museum of Photography. O primeiro fotolivro de Schuman saiu com a chancela da Penguin e já ultrapassou as 100 mil cópias vendidas. O segundo está no prelo (deve sair em Agosto deste ano).

Confesso que entrei na loja da Loewe com preconceitos pensando que este casamento tinha algum potencial para dar para o torto. Um festival de fotografia e uma marca de luxo – hmmmm... O certo é que à medida que iam distribuindo fruta fresca e as imagens corriam à minha frente, fiquei convencido do contrário. Conjugada com a primeira plataforma de divulgação do seu trabalho, um blogue, a exposição tem tudo para encaixar na perfeição no tema do PHE deste ano – Desde aqui - Contexto y internacionalización (A partir daqui – Contexto e internacionalização), uma tentativa de problematizar a forma como o contexto deixa de ser um conceito redutor do local onde é produzida a obra para passar a ser um caminho privilegiado para se construir discurso e cultura com projecção global.

O comunicado é curto (como convém) e diz quase tudo, mas também tem erros de palmatória, como quando escreve “Henry Cartier Bresson”. O comunicado descreve o trabalho de Scott Schuman como uma tentativa de captar a diversidade da paisagem humana sem cair na jaula das classificações. E eu concordo. “Paisagem humana” é um bom resumo do que são as fotografias do Sartorialist.

Que pena Schuman não se ter cruzado nunca com o Zé da Guiné. De certeza que teria sido um desses encontros extraordinários - o alfaiate visual com o Lisbon's king of cool.



(do blogue trendez)

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