03 dezembro, 2011

Dennis Hopper



Biker couple, 1961

Testamento de um fotógrafo compulsivo
(P2, Público, 2.12.2011)

Foi James Dean quem lhe disse para agarrar a fotografia como se não houvesse amanhã. E Dennis Hopper, que venerava Dean, tratou de seguir o conselho com a paixão de um observador compulsivo, com a obsessão de um viciado em qualquer forma de criação artística que tivesse como propósito erguer uma nova linguagem independente, capaz de romper com os modelos estafados da imagética da "velha Hollywood", com o cânone, onde quer que se manifestasse.

Hopper seguiu a indicação de Dean (com quem trabalhou em Fúria deViver (1955) e Gigante (1956) mas não se ficou só por ela - para além de fotógrafo, foi pintor, escultor, poeta e realizador. E à medida que ia traçando o seu percurso criativo, o mentor de Easy Rider (1969), road movie ícone da contracultura e agente da mudança de paradigma no cinema americano, tornou-se um dos principais mecenas da cena artística pop dos anos 60, comprando obras com assinaturas que hoje valem milhões como é o caso de Roy Lichtenstein, Ed Ruscha, Frank Stella e Andy Warhol (Hopper foi o primeiro a comprar um quadro das famosas latas de sopa Campbell"s). Foram aliás estas andanças (e um talento extraordinário, claro) no meio de tudo o que manifestasse uma centelha criativa de ruptura e alternativa que fizeram de Dennis Hopper um dos principais narradores visuais do mundo da arte, da música e do cinema da agitada década de 60 nos EUA.




Double Standard, 1961

Muito da abordagem enérgica e formalmente descomprometida de Hopper em relação à fotografia nasceu da intensa amizade e do talento vulcânico de James Dean, com quem Hopper conviveu quase diariamente nos seus últimos oito meses de vida (Dean morreu de acidente de carro em 1955). Hopper disse que Dean tinha uma forma de representar que mais parecia "uma dança". E, de certa forma, foi essa liberdade expressiva, essa atitude de flâneur de movimento incessante (na senda do que fez Robert Frank poucos anos antes) que o recém-actor levou para a imagem fotográfica, sobretudo quando registou ruas, paisagens, paredes decadentes, posters rasgados e graffiti, estradas carregadas de símbolos, sinais e tabuletas publicitárias, a cidade na sua combustão e no seu frenesi.

A morte trágica de James Dean deixou-lhe marcas, não necessariamente más. "Num certo sentido, a morte de James Dean salvou Dennis. Hopper não só foi forçado a encontrar o seu caminho, como foi inevitavelmente alimentado por uma dupla inspiração: o exemplo de Dean como actor combinado com a sugestão concreta para que Hopper desenvolvesse o seu potencial como fotógrafo", afirma Tony Shafrazi, galerista e comissário.





Edward Ruscha, 1964

Embora os universos fotográfico e cinematográfico parecessem condenados à osmose no decorrer da carreira (diziam-lhe que as suas fotografias eram como pequenos filmes, como uma ponte entre a vida que levava e o cinema que fazia), Dennis Hopper nunca concebeu a sua obra na fotografia a pensar em qualidades cinemáticas. Mas assumiu que o seu subconsciente o possa ter condicionado, porque afinal sempre esteve no mundo do cinema. Hopper preferia olhar para a sua relação com o suporte fotográfico com uma dose de espontaneidade e outra de obsessão. "Fui sempre um fotógrafo nervoso. Se não houvesse nada óbvio para fotografar, começava a disparar para todo tipo de coisas, especialmente se fosse a conduzir". Ao fim de contas, o que lhe dava prazer era o simples acto de fotografar: "Era bom, era divertido, fez com que seguisse em frente".

Apesar de presenças regulares em museus e galerias dos dois lados do Atlântico ao longo das últimas décadas (o que fazia prever que já conhecíamos quase tudo), a obra de Dennis Hopper na fotografia parece longe de ser um caso arrumado. Antes da sua morte em Maio de 2010, juntou-se ao galerista Tony Shafrazi para organizar o seu testamento público fotográfico em mais uma das mega-empreitadas da editora Taschen. O resultado é Dennis Hopper, Photographs 1961-1967 (2011), fotolivro monumental onde mais de um terço das imagens reproduzidas nunca tinham sido publicadas. A organização por mais de uma dezena de temas revela bem a omnipresença da câmara fotográfica na vida de Hopper e a forma como as duas facetas da sua existência se uniram. Num dos ensaios do livro, Shafrazi nota que já o conhecíamos como fotógrafo, mas sublinha que só a partir de agora é que estamos em condições de começar a perceber o verdadeiro fulgor da sua obra ligada à imagem fotográfica, quão bom foi e é.



Self-portrait at porn stand, 1962

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