03 dezembro, 2011

BES Revelação em Serralves


© Ana de Almeida


As "imagens pensativas"
Sérgio C. Andrade (P2, Público, 30.11.2011)


Uma espécie de cadáver-esquisito videográfico encenado sobre uma mesa; a história fantasiada de um navio-frigorífico que encalhou no Estoril; um filme num ecrã de dupla face sobre um templo em ruínas. Foi nisto que resultaram os três projectos vencedores, em Julho, da 7ª edição do prémio de fotografia BES Revelação. Trabalhos de Ana de Almeida, de Catarina de Oliveira e do colectivo [De Almeida e Silva, Giestas e Gonçalo Gonçalves], expostos em Serralves, no Porto (até 4 de Março).

O primeiro piso da casa-mãe da fundação é o cenário destes trabalhos, que têm em comum o descentramento da visão mais académica da fotografia. Arte que aqui "se expande em várias práticas de construção de imagens, desde a ampliação digital até ao vídeo", fez notar João Fernandes na apresentação da exposição.

O director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves lembrou que a fundação está ligada à constituição deste prémio, desde o início. E sublinhou a importância que tem, para os jovens artistas portugueses, serem avaliados por um júri internacional - este ano, com Marianne Lanavère, directora do Centro Cultural La Galerie, em Paris, e Manuel Segade, curador independente na mesma cidade.

O terceiro membro do júri foi Ana Anacleto, curadora que acompanhou o desenvolvimento dos projectos vencedores até à sua apresentação em Serralves. Na apresentação que fez dos trabalhos, destacou, como "elemento comum", as diferentes formas de "percepção da imagem" nos seus diversos suportes, mas também, e citando o filósofo Jacques Rancière, o facto de se apresentarem como "imagens pensativas", que pressupõem "um pensamento não pensado", mas que se intui.

O trio [De Almeida e Silva, Giestas e Gonçalo Gonçalves] ocupa a primeira sala, com o projecto If it doesn"t bend, I"ll breack it. Sete ecrãs vídeo encadeiam imagens à procura de uma ligação. É o resultado de três meses e meio de trocas de "correspondência" (filmes, imagens e textos) entre os três artistas. "Às vezes foi difícil, e até penoso", chegar a este resultado, explicou Giestas na apresentação do trabalho, que não quis classificar nem como uma peça, nem uma exposição colectiva. "É algo que está depois, ou no meio disso", referiu o artista, que estuda em Hamburgo - todos os vencedores do BES Revelação 2001 trabalham no estrangeiro e formaram-se na Escola de Belas Artes de Lisboa.

O trabalho de Ana de Almeida, Al Wahda, divide-se por duas salas: é a reconstituição ficcionada do naufrágio do navio-frigorífico com aquele nome (União, em árabe), em 1989, ao largo do Estoril. "O encalhe não teve grande repercussão, porque não teve vítimas, nem grandes consequências materiais nem ambientais", diz a artista, actualmente radicada em Viena. Depoimentos de três supostas testemunhas oculares e a projecção de slides com notícias da época e desenhos técnicos do navio constroem a memória desse quase "não-acontecimento". "Quis fazer a minha própria fantasia sobre o naufrágio e levar o espectador a criar a sua própria imagem mental do facto", justifica Ana de Almeida.

Na quarta sala, um ecrã duplo exibe, de forma dessincronizada, um filme rodado por Catarina de Oliveira nas ruínas de um anfiteatro grego na Sicília. É uma sucessão de "imagens simbólicas que criam diferentes mapas", diz, num texto, a autora - que não tinha ainda chegado a Serralves na altura da visita guiada para os jornalistas. Ana Anacleto "substituiu-a", explicando que esta montagem de textos de Pirandello com performances de actores e imagens de ruínas é uma boa expressão da "imanência das imagens de carácter pensativo", de que fala Rancière.

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