© Diogo Simões
Durante o último ano lectivo tive o prazer de acompanhar a evolução do trabalho do primeiro grupo de alunos da pós-graduação Fotografia, Projecto e Arte Contemporânea, organizada pelo IPA - Instituto Superior Autónomo de Estudos Politécnicos. Das horas que passámos juntos fica a certeza de que houve dedicação e entusiasmo do lado de quem quis ensinar (transmitir experiências) e de quem quis aprender (apreender). Foi gratificante ver a diversidade de abordagens e muito entusiasmante encontrar clarividência de ideias e qualidade de muitos trabalhos. A exposição Quinze Ensaios - Fotografia, Projecto e Arte Contemporânea (patente até 30 de Julho na Plataforma Revólver, em Lisboa) mostra o resultado de um esforço colectivo e do esforço individual de Cátia Mingote, Cláudia Rita Oliveira, Diogo Bento, Diogo Simões, Francisco Kessler, Jorge Gonçalves, José Júpiter, Luís Monteiro, Maria Manuela Rodrigues, Marta Castelo, Miguel Godinho, Pedro Maçãs, Ricardo Spencer e Vitor Medeiros.
Entre as dezenas de imagens que me atraíram, escolhi este retrato captado por Diogo Simões. Faz parte de uma série que tenta caracterizar os territórios e os modos de vida das zonas que fazem parte do seu quotidiano. Maria do Carmo Serén aceitou o meu desafio para ensaiar sobre ela.
Eis o que viu:
“Os significados que levantamos de um retrato, tal como acontece num texto literário, nunca são totalmente preenchidos pelo autor, mas, acima de tudo, pelos observadores e leitores que se sucedem no tempo. Tanto na literatura como na imagem fotográfica, o retrato tem significados móveis no interior do seu sistema de significações, mas é o significante que lhes dá sentido; e este é sempre mais forte, mais persistente, mesmo quando os paradigmas do olhar se alteram. Para nós, observadores, que recebemos a imagem como uma busca de sentido, é o significante que a estrutura, (ou nos estrutura o olhar) que procuramos. E é nesse paradoxo de caminhos que se cruzam, o nosso percurso inconsciente, os nossos afectos e percepções, os do autor da imagem e as realidades objectivamente encaminhadas para a câmara por um real que se suspendeu, que a complexidade do retrato mais se afirma.
Não era indispensável a informação de que esta inquietante jovem, fotografada por Diogo Simões para um seu projecto do IPA, remeteria para um levantamento geracional, - o ser e o estar desta geração muito jovem e muito desprotegida que, antes de ser o futuro da cultura que os mais velhos julgam transmitir-lhe, vai construindo a sua, para hoje e para si. Sistemas de interpretação, velhos e novos, interpenetram-se quando a olhamos: a jovem não nos olha, anulando propostas de poder; não há o olhar do outro sobre nós. Mas não tem o olhar que máquinas como as da Photomaton imprimiram à juventude dramática alemã dos anos oitenta. É muito jovem e muito inteligível como nossa contemporânea, na afirmação do vestuário, laboriosamente organizado para a contenção que apenas um elemento, o gorro de pele, tende a destruir. A horizontalidade da imagem, a proximidade e fecho do motivo, a desordem individualizada dos objectos amontoados, que contextualiza esta nossa contemporaneidade que traz o privado para o público situam-nos num reconhecimento fácil, mas não correspondem a qualquer expressão esperada no rosto da jovem: é nas mãos, caídas mas um pouco crispadas que se vê o seu constrangimento.
É também nas pequenas sensações, que desperta a imagem e que se lhe atribuem que vemos aqui o contemporâneo, o retrato impõe-nos uma relação participativa, uma interrogação em busca de sentido para o choque do olhar; a nossa perturbação advém precisamente do facto de que o olhar da jovem recusa a participação, fecha-se a nós, mas não se perde. Não é um olhar indefinido, não é um constrangimento, uma indiferença da geração do vazio dos anos oitenta e noventa; não há tristeza radical, ausência ou provocação juvenil. Para o observador é um enigma incómodo, onde a expressão, porque a há e não existe verdadeiro esvaziamento, não joga com a vaga rigidez imposta e a vaga crispação das mãos caídas que afastam o desânimo. Na fotografia contemporânea nem todo o enigma vem no nosso manual de instruções e os códigos de sentido apenas nos surgem como aqui, numa porta que parece abrir-se.”
Maria do Carmo Serén
Entre as dezenas de imagens que me atraíram, escolhi este retrato captado por Diogo Simões. Faz parte de uma série que tenta caracterizar os territórios e os modos de vida das zonas que fazem parte do seu quotidiano. Maria do Carmo Serén aceitou o meu desafio para ensaiar sobre ela.
Eis o que viu:
“Os significados que levantamos de um retrato, tal como acontece num texto literário, nunca são totalmente preenchidos pelo autor, mas, acima de tudo, pelos observadores e leitores que se sucedem no tempo. Tanto na literatura como na imagem fotográfica, o retrato tem significados móveis no interior do seu sistema de significações, mas é o significante que lhes dá sentido; e este é sempre mais forte, mais persistente, mesmo quando os paradigmas do olhar se alteram. Para nós, observadores, que recebemos a imagem como uma busca de sentido, é o significante que a estrutura, (ou nos estrutura o olhar) que procuramos. E é nesse paradoxo de caminhos que se cruzam, o nosso percurso inconsciente, os nossos afectos e percepções, os do autor da imagem e as realidades objectivamente encaminhadas para a câmara por um real que se suspendeu, que a complexidade do retrato mais se afirma.
Não era indispensável a informação de que esta inquietante jovem, fotografada por Diogo Simões para um seu projecto do IPA, remeteria para um levantamento geracional, - o ser e o estar desta geração muito jovem e muito desprotegida que, antes de ser o futuro da cultura que os mais velhos julgam transmitir-lhe, vai construindo a sua, para hoje e para si. Sistemas de interpretação, velhos e novos, interpenetram-se quando a olhamos: a jovem não nos olha, anulando propostas de poder; não há o olhar do outro sobre nós. Mas não tem o olhar que máquinas como as da Photomaton imprimiram à juventude dramática alemã dos anos oitenta. É muito jovem e muito inteligível como nossa contemporânea, na afirmação do vestuário, laboriosamente organizado para a contenção que apenas um elemento, o gorro de pele, tende a destruir. A horizontalidade da imagem, a proximidade e fecho do motivo, a desordem individualizada dos objectos amontoados, que contextualiza esta nossa contemporaneidade que traz o privado para o público situam-nos num reconhecimento fácil, mas não correspondem a qualquer expressão esperada no rosto da jovem: é nas mãos, caídas mas um pouco crispadas que se vê o seu constrangimento.
É também nas pequenas sensações, que desperta a imagem e que se lhe atribuem que vemos aqui o contemporâneo, o retrato impõe-nos uma relação participativa, uma interrogação em busca de sentido para o choque do olhar; a nossa perturbação advém precisamente do facto de que o olhar da jovem recusa a participação, fecha-se a nós, mas não se perde. Não é um olhar indefinido, não é um constrangimento, uma indiferença da geração do vazio dos anos oitenta e noventa; não há tristeza radical, ausência ou provocação juvenil. Para o observador é um enigma incómodo, onde a expressão, porque a há e não existe verdadeiro esvaziamento, não joga com a vaga rigidez imposta e a vaga crispação das mãos caídas que afastam o desânimo. Na fotografia contemporânea nem todo o enigma vem no nosso manual de instruções e os códigos de sentido apenas nos surgem como aqui, numa porta que parece abrir-se.”
Maria do Carmo Serén
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