09 março, 2009

*À conversa com...

André Malraux, Selecting photographs for Le Musée imaginaire, circa 1947
Cortesia Maurice Jarnoux/Paris Match/Scoop


A grande (em quantidade e qualidade) exposição Arquivo Universal - A condição do documento e a utopia fotográfica moderna abre amanhã ao público no Museu Colecção Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. No meio de molduras encaixotadas e ao som de berbequins, o comissário catalão Jorge Ribalta aceitou responder a estas perguntas:

A condição de documento é uma maldição para a fotografia?
Pelo contrário. Creio que o documental é a grandeza da fotografia. O conceito de documento é muito mais complexo do que parece. Não tem a ver apenas com a representação das coisas, é muito mais do que isso. Defino documento através dos conceitos e relações de intersecção e de tensão não-pacífica entre museus, arquivo e meios de comunicação. Insisto: o documento tem a ver com esta tensão, que não é fácil e está em conflito.

Uma das razões pelas quais a noção de documento é difícil de definir é justamente porque é noção móbil, instável que muda historicamente – não significa o mesmo nos anos 30 e nos anos 50. Em todo caso, penso que esta capacidade de produzir documento é uma das grandezas da fotografia. Não é uma maldição. É justamente o contrário.

Acha que ainda é pela fotografia que o mundo mais se arquiva?
A fotografia continua a ser o fundamento e o edifício que suporta a cultura visual moderna. Foi o primeiro meio de comunicação de massas, antes da televisão, e partir da qual nasce a imprensa visual... sim, continua a ser [o meio pelo qual o mundo mais se arquiva].

Os meios de comunicação e as tecnologias não operam de maneira a anularem a anterior, mas de maneira a acumularem-se. Quando aparece uma tecnologia esta obriga a que a anterior se defina, mas não quer dizer que anterior desapareça e morra.

Estou contra a ideia de que a fotografia digital acabou com a fotografia. O que houve foi uma transformação.

O que é que esta exposição tenta provar? Que discussão pretende levantar?
A exposição tenta defender a ideia de documento fotográfico numa época em que se fala da morte da fotografia e da pós-fotografia. Tenta defender que a noção de documento é central e deve ser entendida de maneira complexa.

O que acontece agora na arte contemporânea é que parece que há uma moda do documental. Em geral, parece-me que há um uso muito superficial do conceito de documento que ignora a história do meio e a sua dimensão política. A fotografia não é só arte, também é… documento. Ou seja, pode ter um papel no debate público. E esta é uma dimensão importante. Se aceitarmos que a fotografia morreu, então aceitamos que ela já não tem capacidade de documentar, de intervir no debate público, que só pode ser arte. Resisto à ideia de uma fotografia que seja só arte. Pode ser mais coisas, deve ser mais coisas e não devemos renunciar a isso.

O digital empobreceu a mais-valia documental da fotografia?
Não me parece que tenha havido qualquer mudança estrutural. O problema do realismo fotográfico é prévio à fotografia digital. A partir dos anos 60/70 - quando toda uma série de novos artistas e fotógrafos afirmam que a fotografia não era transparente, que era ideologia e construção - começou a problematizar-se a questão que se coloca actualmente com a imagem digital - a questão do grau de realismo, a questão de saber até que ponto a imagem digital, através do Photoshop, põe em causa a condição realística da fotografia.

Não me parece que a tecnologia digital esteja agora a mudar as regras do debate. A partir dos anos 70, o documental passou a necessitar de algo mais do que simples imagens. Precisou de ser acompanhado de texto. Já não acreditávamos na inocência, na transparência da fotografia. Mas isto não quer dizer que o documental e o realismo não sejam necessários. O que se passa hoje é que é preciso pôr em acção métodos mais complexos para construir um documento fotográfico. É preciso estabelecer outro tipo de relacionamento entre o fotógrafo e o seu sujeito e é preciso tornar transparentes as políticas de representação. O debate actual sobre o realismo fotográfico está a repetir o que se discutiu nos anos e 70 e 80.

Qual é a maior utopia que hoje se apresenta ao suporte fotográfico?
Sou um moderno. Creio que a utopia actual é uma utopia moderna. Ou seja - e pode até parecer um pouco tonto dizê-lo – a utopia é poder compreender, intervir e melhorar o mundo. O documental é, historicamente, um género para a melhoria das classes desfavorecidas, nasce para melhorar a vida em sociedade e promover o acesso ao bem-estar. A exposição começa com o trabalho de Lewis Hine a denunciar o trabalho infantil em 1907. Um trabalho que depois provocou reformas legais e impediu que as crianças continuassem a ser exploradas. O documental está ligado a isto. É o seu projecto moderno tal como o entendo – ou seja fazer com que cada vez mais pessoas possam viver melhor e tenham acesso a melhores condições de vida. E isto continua a ser um projecto da fotografia que temos de defender.

O texto de Vanessa Rato no Íplison sobre a exposição está aqui

>>Post relacionado
>Arquivo Universal

Arquivo Universal - A condição do documento e a utopia fotográfica moderna
Museu Colecção Berardo, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Até 3 de Junho



1 comentário:

Anónimo disse...

Só consegui ver onze!

 
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