04 junho, 2007


entre aspas

Raymond Depardon (© Magnum Photos)

Desde sempre, o deserto fascinou os fotógrafos. O desejo de captar o indizível, esse absoluto feito de vazio, essa imensa solidão das pedras e das dunas, torna a fotografia uma compulsão, uma desesperada tentativa de testemunho daquilo que se viu. Como não encontramos palavras nem o desejo delas, fotografamos - na esperança vã de que uma imagem possa revelar tudo o que vimos. Nas minhas primeiras viagens ao deserto também eu fotografei e filmei, sem tréguas nem ordem, caoticamente. No regresso, olhando as imagens, vi que só tinha trazido comigo paisagens - algumas lindas, deslumbrantes fazendo sonhar amigos e toda a gente. Mas eu sabia, sempre soube, que é a viagem interior que verdadeiramente conta - a solidão, o medo, o desespero, o desejo de voltar a casa, o cansaço, o vazio, o excesso e a ausência de tudo. Hoje, quando vou ao deserto, já nem me preocupo em fotografar: só me preocupo em olhar e sentir, sabendo que o que vejo e o que sinto viajarão comigo para sempre, como uma espécie de revelação que nenhuma imagem revelada alguma vez conseguirá descrever.

Miguel Sousa Tavares, O deserto dentro de nós, Tabacaria (nº 13, 2004)

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