21 novembro, 2006


Entre aspas

Araki Nobuyoshi, in Araki, Taschen


(...)Não se sabe de onde surgiu uma fotografia a preto e branco do japonês Araki. Era uma cara contorcida de mulher que parecia chorar. O que nela a atraía era não conseguir decifrar se era de sofrimento ou de êxtase o espectáculo revelado, porque ambos nele se confundiam. O preço não era elevado. Licitou uma e depois outra vez e outra ainda. O preço parecia decidido quando, de um canto da sala, de pé, um homem de fato de linho claro, levantou de novo a tabuleta. Ela sentiu-se ferida. Já queria a fotografia de verdade. Licitou outra vez com alguma raiva contida. O desconhecido respondeu. Entraram num despique absurdo e a certa altura Eugénia Maria levantou-se e saiu da sala devagar. Nessa noite mal conseguiu dormir a pensar na fotografia, na convulsão do prazer, no homem de fato impecável que permaneceria para sempre nada mais do que uma marioneta no seu teatro imaginado. No dia seguinte, pelas onze da manhã, o velho criado trouxe-lhe um embrulho enorme. Era a fotografia. Todas as paixões começam antes de começarem, pensou Eugénia ao recordar vivamente o acontecido. Levantou-se de um pulo e dirigiu-se para a janela por onde o mar entrava.(...)

Pedro Paixão, A Última Duquesa, in Asfixia, Quetzal Editores, Lisboa, 2006

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