Quem for atrás do título Patria
Querida para ver alguma coisa que tenha a ver com história, geografia ou
com exaltações de nacionalidade desengane-se. A primeira grande exposição de fotografia
de Alberto García-Alix em Portugal (Museu da Electricidade, Lisboa, até 18 de
Agosto) tem um território definido, as Astúrias, Norte de Espanha, mas só isso
– porque tudo resto é deriva, mundanidade, ambientes intemporais e estados de
alma. Tudo coisas mais ou menos incontroláveis e imprevisíveis, muito à imagem da
personalidade de García-Alix que confessa ter escolhido o nome do seu último
grande trabalho a partir de um dos maiores clichés que se cola à região. É que,
garante o fotógrafo de Leão, quando se juntam à mesma mesa cinco espanhóis com
uns copos a mais e vem à baila a província nortenha, há sempre um deles que começa
a cantar “Asturias! Paaatriaaa queriiiida, Auturias de mis amooores…”.
A ressonância desta Patria
Querida é tão imediata, tão carnal, que García-Alix optou por não lutar
contra ela. Pelo contrário, aproveitou a boleia de algumas das imagens feitas
das Astúrias para nos dar um olhar poético, errante e livre capaz de produzir
fotografias que embora estejam presas a um lugar, conseguem viver sem ele. Um mérito
que talvez tenha alguma relação com a ausência de um guião, de uma encomenda
(no sentido capitalista do termo), e o absoluto respeito pela liberdade
criativa que a Fundación María Cristina Masaveu Peterson revelaram em relação
ao ensaio pedido a Alberto García-Alix.
Mas afinal, qual era o desafio? No dia da inauguração da
exposição, de palito ao canto da boca e voz muito rouca, a resposta de García-Alix
veio pausada: “O desafio era fotografar um espaço, uma terra. Mas o maior desafio
era fazê-lo bem. Era olhar, olhar, olhar…”. Olhar, não com o intuito de
descobrir alguma coisa (“Não descobri nada nas Austúrias”), mas com o fito de transformar
uma experiência e uma expectativa pessoais num trabalho criativo capaz de criar
emoção e apego, de criar a experiência de um lugar.
A fundação asturiana (que inaugura com este trabalho uma
série pensada a longo prazo que envolverá outros ex-premiados do festival PHotoEspaña)
deu liberdade a García-Alix, e ele aproveitou-a ao máximo captando imagens
muito diversificadas na forma mas que nunca abandonam um estilo muito
particular, uma maneira de estar um pouco “à deriva”. “A fotografia para mim é
um espaço onde se podem inventar coisas. É um espaço onde me invento a mim
próprio. Essa liberdade inventiva é o que mais me fascina nisto que faço”.
Fruto dessa errância (e de alguma despreocupação em provar o que quer que
seja), estão lá paisagens longínquas de nevoeiros a entrelaçar montanhas, as
paisagens minimais a imitar notas de música (muitas vezes parecem abstracções puras).
Estão lá os retratos, um dos expoentes da arte fotográfica de Alberto García-Alix,
e os ambientes em combustão (“Sempre gostei mais da decadência, da porosidade.
Olho mais para aquilo que é retrocido, do que para aquilo que é imediato. Gosto
da decadência dos espaços condenados a desaparecer”).
E como é que um fotógrafo colado à metrópole, às tribos
urbanas da movida madrilena dos anos 80 se viu a captar a amplitude da paisagem
asturiana, com montes que ameaçam rasgar o céu? “É a mesma coisa”, respondeu
sem vacilar um segundo. “Para mim a fotografia é toda retrato. Retratar é uma
postura. É enfrentar o que olho. Posiciono-me para com a paisagem como me
posiciono para com os seres humanos – tento encontrar uma personalidade”.
Talvez personalidade seja a palavra-chave de Patria Querida. Durante a visita (mais às guinadas do que guiada) que fez com o PÚBLICO no Museu da Electricidade, García-Alix repetiu muitas vezes uma convicção: “Isto sim, isto são as Astúrias”. E apontou para uma estrada lúgubre com maquinaria de extracção de carvão a cercá-la. Para um imenso cartaz da Models, famosa casa de prostitutas da região. Ou para a fumaça deixada pelas bombas dos foguetes durante uma romaria. Pum! Pum! “Já tenho a festa popular! Isto sim, são as Austúrias!”.
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