15 novembro, 2012

/uma fotografia, um nome\




David Fonseca, As long as we have each other, 2011/2012


Há imagens fotográficas que não sabemos porque gostamos delas e aí o título do autor nada significa. Não sei bem qual o lugar anímico que a prática fotográfica reserva para David Fonseca, que conheço bem, como todos, através das suas canções urbanas. E esta série fotográfica que vimos nos Encontros da Imagem de Braga, na Casa dos Bicos, ainda com Rui a Prata a responder pelos Encontros, lembra bem uma canção: o olhar errante que procura o detalhe ou o destaque, a conivência com a luz ou a focagem de um qualquer palco, a surpresa ou a emoção de estar ali. É o tema de uma canção e pode ser o tema de uma série fotográfica. Os nadas do quotidiano são, nos dois casos, um lugar mágico, uma emoção.

Este construir de um tema com o que já existe, esta troca relacional que constrói tema e autor com o contexto exterior e interior, esta rapariga, este gesto de separação, este estar não estando, este olhar que cada um fabrica para ela, está bem para lá de todas as análises. É inútil procurar evocar Barthes e distinguir a estrutura conhecida: é uma rapariga voltada contra nós, sentada à mesa de um, café ou restaurante. Como outra, como qualquer outra. É inútil ainda aceitar que o que a diferencia em nós é o gesto ausente, o ocultamento. É mais do que isso. Não tem a fulguração do detalhe onde contracenam dezenas de pequenas sensações como queria José Gil, - essas sensações despertas pelo varrimento involuntário que os olhos tecem com a imagem. É mesmo mais do que isso, pois esta fotografia tem as cores lisas e definidas do pincel neo-clássico. A distância? Que nos aproxima e nos afasta?

A fotografia fere-nos quando se conserva na memória onde tende a tornar-se, egoistamente retórica. Então já não é evocação, mas suspeita: é só a suspeita que desperta a nossa atenção e conserva a imagem na labiríntica função da memória onde ela se junta às suas irmãs. Traduzindo: esta imagem que faz parte da canção fotográfica de David Fonseca, soa-me como se fosse o estribilho que se vai repetindo, que tende a tornar-se no todo sugerido.

Foi a longa aprendizagem da imagem, naturalista ou geométrica, a fixação dos lugares em cartas e mapas, o construir de uma qualquer paisagem global dentro de uma janela, a absoluta não transparência de uma pintura ou de um desenho, que nos habituou o olhar para a representação fotográfica. A imagem fotográfica faz hoje parte do nosso quotidiano onde representa muita mais do que a realidade que quer transmitir. Na época em que somos governados pelo dispositivo do exame, ela é o principal argumento de um real fabricado fora de nós. Por vezes há fotografias como esta que não podem ser um momento de zapping do nosso olhar apressado. E então, não é o lugar obscuro do brilho que destaca o seu cabelo nem o desenho oriental da sua roupa que explicam a insegurança com que a olhamos na sua negação de nos olhar, mas o enigma, que é a nossa contingência e traça o que chamamos liberdade: a suspeita de que algo nos escapa nesse as long as we have each other.

Maria do Carmo Serén

1 comentário:

Jorge disse...

Bom dia Sérgio,

A exposição do David Fonseca encontrava-se patente na Casa dos Crivos (ou Casa das Gelosias) e não na Casa dos Bicos como refere o texto de Maria do Carmo Serén.

Um abraço e continuação de um óptimo trabalho.

Jorge

 
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