03 julho, 2012


Entre aspas

Istambul
© Ara Güller

Quando tinha cinco anos, fui mandado para outro apartamento durante algum tempo. Os meus pais, em consequência de uma daquelas separações que se seguiam às sua zangas, acabaram por juntar-se em Paris, e eu e o meu irmão, que tínhamos ficado em Istambul, fomos cada um para seu lado. O meu irmão mais velho ficou a minha avó e o resto da família, na Residência Pamuk situada em Nisantasi, e eu fui mandado para casa da minha tia, em Cihangir. Numa parede desse apartamento, onde sempre fui recebido com um sorriso e muito amor, encontrava-se, numa moldura branca, a fotografia de um rapazinho. De vez em quando a minha tia, ou o marido, apontava para a foto e dizia a sorrir: "Olha, és tu."
É verdade que o gentil menino de olhos muito grandes se parecia um pouco comigo. Tinha na cabeça um boné semelhante ao que eu usava quando saía à rua. No entanto, eu sabia que aquela foto não era a minha. (Era, na realidade, a reprodução kitsch da fotografia de um petiz muito querido, trazida da Europa.) Era então esse o outro Orhan que vivia noutra casa e no qual eu pensava tanto?

Orhan Pamuk, Istambul, Memórias de Uma Cidade, Editorial Presença, 2008

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