28 março, 2011

/uma fotografia, um nome\




Paulo Nozolino, Obs. 1., 2008
© Paulo Nozolino



Podemos, por vezes, não gostar das palavras de Paulo Nozolino. Ele também não gosta, eventualmente, das nossas, (das minhas já m’o confirmou), mas viver é estar o mais próximo possível daquilo que somos, não do que parecemos, mas do que somos sem bem o saber. E acredito que Paulo Nozolino é também aquilo que diz e faz de si; e há muito poucos assim. E cortar de golpe a golpe esta indiferença do nosso tempo, quando fotografa e quando fala, diz o que não sei dizer.


Isolei esta imagem de Makulatur (no latim bárbaro da impressão). Preferi assim o símbolo humano, mas construído. A fotografia é um “Nozolino” de corpo inteiro, no enquadramento, no ponto de vista, no doloroso contraste do preto e branco, no enigma, na imaginação, no manual de consciencialização das normas e dos interditos. A sua fotografia é sempre uma alquimia, aquela que se faz para atingir a perfeição e onde a obra é o sobre-humano, porque se derruba a sábia e comedida lei da Natureza; na alquimia procede-se por fases, com a paixão do risco, sempre de ensaio-e-erro em ensaio-e-erro, inquirindo das coisas e do sujeito, entre derrotas e iluminações, mas sempre, sempre com inconformismo. Talvez por isso mesmo Nozolino seja fotógrafo, um fotógrafo que manuseia, que suspende o que na vida se transforma, que observa e procura o que sabe procurar, o que transmuta. É esse sortilégio, perigosamente racional, que nos transmite nas suas fotografias. Eu vejo, nesta destruição de testemunho, uma velha certeza, que em todas as coisas tentamos classificações; aqui, o que já foi pertinente faz a passagem para os quatro elementos do mundo, o fogo, o ar, a terra, a água que se evola. A velha lei do mundo que não nos consola e nos cria esse frustrante período do luto, que tem como função desencadear o esquecimento.


Não podemos deixar e pensar, olhando agora, neste ano de 2011, Makulatur, na agitação da Arte no contemporâneo. Um destruir de auras e ilusões, uma alucinação imperativa de valorização do argumento. Na época de cristalização dos mitos e das metáforas, a Arte responde com a aparente combatividade da informação. A verdade da informação, já o aprendemos, só é válida se for redutora, se não deixar divagar a vida pelo “que lhe é mais próximo”, pelo que realmente faz sentir. Neste neo-positivismo radical do nosso século, onde a brecha se esconde, e a vida interior é exorcismo, que lugar para a fotografia de Paulo Nozolino? Na margem do entendimento artístico vale ainda a estranheza, o enigma. E as imagens de Paulo Nozolino proclamam ideias e uma reflexão também radical. Mas dizem-no com a certeza de que a obra ao negro ainda ali está, comandando os efeitos que se fazem estética e indeterminação: sentimos quanto percebemos a mensagem. O que as imagens dizem atravessam a pele, mas instalam-se nela, sacodem-nos, exigem-nos. E o que fazer com o conceito de transmutação que é a aura do seu trabalho? E com a aura que de facto possuem as imagens?


Se toda a sua obra é a negação da pós-fotografia, o obstáculo aos jogos de classificação do contemporâneo, ela é, necessariamente, a negação do império dessa pós-fotografia.


Maria do Carmo Serén

4 comentários:

Xie Guang disse...

Interessante

Mendez. disse...

http://www.youtube.com/watch?v=DVIUltNzORk
acesso esse blog a anos. fantástico sempre. parabéns.

Isaac Pereira disse...

A aura? A aura é do Benjamin, do Walter Benjamin, não é da fotografia. É da pintura. Há fotografia que anseiam pela aura, como aquelas grandes ampliações com nada dentro, a parecer quadros...

Anónimo disse...

Oi, Sergio.
Sigo seu blog e gosto muito dos seus textos. Estou com um projeto de divulgar fotos e suas histórias. Gostaria de te convidar para participar. Para entender melhor é só clicar no link do blog I Eat Photos e ler sobre o "One photo, one story" Project. http://ieatphotos.wordpress.com/project-one-photo-one-history/

Nós no twitter: @ieatphotos

Super obrigada pela atenção e por falar de fotografia com tanta propriedade!

Um abraço,
Cássi

 
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