16 fevereiro, 2011

/uma fotografia, um nome\

The River, Foz do Tedo
© João Paulo Sotto Mayor



Escolhi esta imagem entre as 21 da colecção de postais 7Douros, que o João Paulo editou não há muito tempo. É a única num quase preto e branco, entre vinte, naquelas cores vibrantes ou desmaiadas a que o digital nos habituou.

João Paulo Sotto Mayor é um daqueles radicais apaixonados pelo Douro; tem-no mostrado nas cores de Outono, nas cores do Verão maduro, no Inverno desolado mas enobrecido pelos montes, nos incidentes e nas gentes que o sulcam sem o marcar.

Mas esta imagem mostra ainda aquele Douro, (e esta colecção transporta o nome mágico de 7Douros) que está na base do olhar do fotógrafo, dessa magia que se desprende desta terra assombrada, mas não dominada, pelo Douro mítico de muitas tradições e muitas estórias.

O Tedo, afluente do Douro, na outra margem, guarda toda a memória dos caminhos pretéritos que, desde a coloração celta do Norte, se dirigiam para os metais e os santuários que os deuses dos montes resguardavam, fazendo peregrinos dos viajantes.
Esta fotografia conserva a inquietante fixidez do movimento que o barco de transporte traça nas águas espelhadas. A ondulação geométrica desenha na água do rio um caminho efémero de transformação, tão cadenciado como o fazer repetitivo, tão sólido como só a fotografia o pode garantir. O ondular na cauda do navio muda-se em tapete de tiras, que cobre até nós a placidez, aqui bem afirmada, do rio.

A indeterminação da luz no preto e branco abre lagoas e riachos que acompanham a sugestão de mistério telúricos da imagem. Sentimos, mais do que vemos, um incêndio de nevoeiro que cresce ao longe num último plano. Tudo se combina para inventarmos o sortilégio de uma paisagem, onde há sugestões que não dominamos e não esclarecemos.

Trata-se, bem o sabemos, da cultura com que cada um fabrica o seu olhar. O fotógrafo, (e ainda lembramos o conceptualismo pictórico das suas imagens dos anos oitenta, que as pessoas de dinheiro escolhiam para contrariar o preto e branco da decoração em voga) cede sempre aos arquétipos do Douro, procura aí os seus deuses velhos e escondidos, a transmutação dos lugares, a Natureza que os representa e lhes dá realidade. O Douro pode ser, então, não apenas o Douro dos trabalhos de Torga, o Douro histórico do Vinho do Porto, mas os caminhos velhos do receio e pacificação das forças que, ao que dizem, continuam a dirigir o mundo físico e dos homens.

O que a fotografia tem de sui-generis é esta capacidade de ser, além do espaço físico que preenche no papel e no ecrã, a memória das muitas explicações e muitas adivinhações que faz despertar no trânsito de um olhar produtor, para um olhar de recepção. São coisas como estas que fazem um estilo.

Maria do Carmo Serén

 
free web page hit counter