The River, Foz do Tedo
© João Paulo Sotto Mayor
“Escolhi esta imagem entre as 21 da colecção de postais 7Douros, que o João Paulo editou não há muito tempo. É a única num quase preto e branco, entre vinte, naquelas cores vibrantes ou desmaiadas a que o digital nos habituou.
João Paulo Sotto Mayor é um daqueles radicais apaixonados pelo Douro; tem-no mostrado nas cores de Outono, nas cores do Verão maduro, no Inverno desolado mas enobrecido pelos montes, nos incidentes e nas gentes que o sulcam sem o marcar.
Mas esta imagem mostra ainda aquele Douro, (e esta colecção transporta o nome mágico de 7Douros) que está na base do olhar do fotógrafo, dessa magia que se desprende desta terra assombrada, mas não dominada, pelo Douro mítico de muitas tradições e muitas estórias.
O Tedo, afluente do Douro, na outra margem, guarda toda a memória dos caminhos pretéritos que, desde a coloração celta do Norte, se dirigiam para os metais e os santuários que os deuses dos montes resguardavam, fazendo peregrinos dos viajantes.
Esta fotografia conserva a inquietante fixidez do movimento que o barco de transporte traça nas águas espelhadas. A ondulação geométrica desenha na água do rio um caminho efémero de transformação, tão cadenciado como o fazer repetitivo, tão sólido como só a fotografia o pode garantir. O ondular na cauda do navio muda-se em tapete de tiras, que cobre até nós a placidez, aqui bem afirmada, do rio.
A indeterminação da luz no preto e branco abre lagoas e riachos que acompanham a sugestão de mistério telúricos da imagem. Sentimos, mais do que vemos, um incêndio de nevoeiro que cresce ao longe num último plano. Tudo se combina para inventarmos o sortilégio de uma paisagem, onde há sugestões que não dominamos e não esclarecemos.
Trata-se, bem o sabemos, da cultura com que cada um fabrica o seu olhar. O fotógrafo, (e ainda lembramos o conceptualismo pictórico das suas imagens dos anos oitenta, que as pessoas de dinheiro escolhiam para contrariar o preto e branco da decoração em voga) cede sempre aos arquétipos do Douro, procura aí os seus deuses velhos e escondidos, a transmutação dos lugares, a Natureza que os representa e lhes dá realidade. O Douro pode ser, então, não apenas o Douro dos trabalhos de Torga, o Douro histórico do Vinho do Porto, mas os caminhos velhos do receio e pacificação das forças que, ao que dizem, continuam a dirigir o mundo físico e dos homens.
O que a fotografia tem de sui-generis é esta capacidade de ser, além do espaço físico que preenche no papel e no ecrã, a memória das muitas explicações e muitas adivinhações que faz despertar no trânsito de um olhar produtor, para um olhar de recepção. São coisas como estas que fazem um estilo.”
Maria do Carmo Serén
1 comentário:
Felicito o JP.
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