© Eduardo Gageiro
A dobrar o ano, a [Kgaleria] convoca o trabalho de Eduardo Gageiro mais ligado ao retrato e à figura humana. José Carlos de Vasconcelos escreveu este texto para a exposição Retratos com Histórias que abre portas no dia 9 de Dezembro, às 18h30:
Eduardo Gageiro, fotorrepórter e artista
Ninguém fotografou melhor certo Portugal do que o Eduardo Gageiro. Como fotorrepórter e artista, sem esquecer o cidadão, a sua enorme e notável obra tem-nos muitas vezes dado, de corpo inteiro, a nossa gente, o nosso povo e sua circunstância. Sempre acompanhei o seu trabalho, com crescente admiração, sobretudo depois de eu próprio vir, no princípio da segunda metade dos anos 60, para a redação do Diário de Lisboa, conhecê-lo pessoalmente, encontrá-lo em muitos 'serviços', ambos repórteres, ver como o Eduardo trabalhava e tantas vezes conseguia como que tirar água das pedras... Até hoje. O que lhe tem valido uma justa consagração, também internacional, que alguns, poucos, despeitadamente nunca lhe perdoaram: dentro da profissão, considerando que não era um fotorrepórter mas um «artista», dando a «artista» uma carga depreciativa; fora da profissão considerando que não era um «artista» mas um fotorrepórter, dando a fotorrepórter uma carga depreciativa de sentido contrário... Quando o Gageiro é, precisamente e superlativamente, as duas coisas, que não se excluem, antes se interpenetram e mutuamente valorizam.
Fotorrepórter e artista, Gageiro tem estado, está, sempre presente, aí pelas ruas, pelo país, anónimo, de máquina ao tiracolo, sobretudo entre as "pessoas comuns", nos instantes anódinos, quotidianos, que o seu raro olhar revela em todo o significado e simbolismo, como nos momentos mais importantes da nossa história recente, com natural destaque para o 25 de abril – ele que é, aliás, fotógrafo do 25 de abril desde antes do 25 de abril.O que aqui ele agora nos mostra são retratos, ou "retratos informais", 30 no total: dois de políticos, Salazar e Spínola, tão diferentes entre si como, ambos, excelentes, sobretudo o do ditador solitário frente ao mar no Forte em que cairia da cadeira e do poder; e 28 de outras tantas figuras da literatura, da arte e do espetáculo, portuguesas e estrangeiras.
Como se sabe, o retrato é uma das "disciplinas" preferidas de Gageiro, e daquelas em que mais se tem distinguido. Inclusive a fotografar escritores e artistas, como, entre outros, José Cardoso Pires e Sophia. Cito os dois também porque são de certa forma emblemáticos em relação à sua arte e porque há retratos seus nesta expressiva mostra. O de Sophia, já bastante conhecido, constitui mesmo, em meu juízo, o extraordinário exemplo de como através de uma simples fotografia se podem ‘dar’ os instrumentos, o ambiente e o clima de trabalho de uma grande poeta – e até a elegância, o tom e o espírito não só de uma grande senhora como da sua poesia, ou de boa parte dela.
Entre os outros retratos de escritores, além de um magnífico Jaime Cortesão, de grandeza e perfil proféticos, e de um Mário Cesariny enquanto jovem, completamente diferente e inesperado, quero destacar dois: os de Miguel Torga e José Régio. Ambos talvez ainda mais inesperados do que o de Cesariny, ou do que o de Ferreira de Castro no franciscano quarto do hotel onde em geral vivia e escrevia, mostrando a capacidade de Gageiro colocar os seus retratados em situação (bem patente noutras imagens como a – formidável – de Raul Solnado), e/ou fotografá-los em situações absolutamente surpreendentes. De facto, ninguém esperaria ver Régio, de seu natural tão discreto e reservado, fotografado na cama, de pijama; e ver Torga, que não dava entrevistas, não aparecia e cultivava o mito de «inacessível», no remanso do lar, de casaco e gravata, mas sem sapatos, de meias grossas junto a uma lareira não a sério, como as do seu Trás-os-Montes, mas elétrica, sem brasas, sobre uma carpete…
Mas é impossível falar aqui de outros grandes retratos desta exposição. Sem entrar em brilhantes imagens, fora do universo dominante do Eduardo, como as de Grace Kelly e de Gina Lollobrigida, destacarei, no entanto, além de um Nureyev "homem comum", longe do sortilégio da sua arte e das luzes da ribalta, as por todas as razões fantásticas fotografias de Arthur Rubinstein no Coliseu e de Orson Wells no Guincho: dois verdadeiros "clássicos" nesta tão difícil disciplina.O mesmo se pode dizer, por exemplo, da tão criativa e extraordinária foto de Amália, que como Carlos Paredes surge neste pequena mas impressiva mostra. E não por acaso, a concluir, falo dos dois. É que Amália e Paredes, cada um na sua arte, a primeira a cantar, o segundo com a sua genial guitarra, como ninguém deram voz ao povo português. E sem querer fazer quaisquer comparações, a outro nível, e no domínio da fotografia, sinto que alguma coisa de semelhante acontece com o Eduardo Gageiro.
José Carlos de Vasconcelos
(Este texto segue as regras do novo Acordo Ortográfico)
1 comentário:
Gostei muito do blog!dá uma olhadinha no meu...
http://concriarte.blogspot.com/
bjoss^^
Enviar um comentário