22 janeiro, 2010
Mimesis
Mimesis, o trabalho com que Miguel Godinho venceu o prémio Novos Talentos FNAC Fotografia 2009, é apresentado hoje na FNAC Colombo, em Lisboa, onde ficará em exposição. Miguel Proença, com Los Agarradores, e Cátia Alves, com Um Dia Pergunto o Teu Nome, também estarão presentes para falarem sobre os portfólios reconhecidos com menções honrosas.
O júri defendeu a atribuição do prémio a Miguel Godinho assim:
“A captura fiel da natureza em parcelas facilmente transportáveis foi um dos principais desígnios que levou à descoberta da imagem fotográfica. Pode dizer-se que é da natureza da fotografia o propósito de registo do mundo vivo e da paisagem natural que nos rodeia. Ao espanto pueril que emana da largueza de vistas dos primeiros tempos, sucederam-se as missões fotográficas, as utópicas aspirações de classificação e registo e os românticos conjuntos que distinguiam socialmente o viajante regressado de lugares exóticos. Veio desse tempo Oitocentista uma imagem da natureza plácida, majestosa, terna, cândida e macia. Uma natureza adocicada por tons canela e sépia, escondida por brumas imensas de gosto academista.
A natureza sempre habitou a fotografia - está em si. Paradoxalmente, a escolha da natureza como tema referencial, como discurso narrativo ou exercício conceptual não acompanhou essa omnipresença. O desprezo pela natureza enquanto matéria de reflexão crítica ou enquanto alicerce fundamental de movimentos estilísticos na fotografia manteve-se por largas décadas do século XX. Talvez porque a desordem e a magnitude do que pode ser revelado a partir da natureza colidam com outro dos fundamentos da fotografia, o da ordem.
Que critérios usar para apreender tão grande objecto? Que abordagem deve ser privilegiada? A empírica? A sensorial-contemplativa? A documental? A conceptual? Porque é múltipla, perene e dinâmica, a natureza é terreno fértil para a dispersão, para o desfoque interpretativo. As práticas fotográficas que, na década de 70, reinterpretaram a abordagem paisagística vinda da tradição de Oitocentos e o “estilo documental” de autores como Walker Evans e Ansel Adams formam uma resposta a essa volatilidade. Com elas surgem novas formas de cartografar e descrever os processos e as idiossincrasias da paisagem e uma crítica à exploração e destruição de espaços naturais. São as novas topografias baseadas na assunção e procura da imagem fotográfica como documento puro.
O projecto Mimesis de Miguel Godinho percorre um destes caminhos de metodologia rigorosa por onde a fotografia se reencontra com a natureza para aí ser protagonista e alvo de reflexão visual. É um trabalho que problematiza o relacionamento com os símbolos, as formas, os espaços e a vida que o ambiente natural nos oferece. Fundado numa aproximação que renuncia aos efeitos (mas que procura os artifícios), Mimesis (imitação, representação) encontra familiaridade nesse ideário estético dos anos 70 que originou múltiplas abordagens documentais topográficas e marcou o regresso à natureza como tema e problema (ecológico, social…) do discurso fotográfico.
A necessidade humana de estar ao lado da natureza, de se enquadrar nela e de a tomar como modelo é-nos dada ora por representações contemplativas e melancólicas, ora por paisagens íntimas, cruas e de pendor vernacular. As imagens de Mimesis não fogem à fealdade. Aceitam-na, incorporam-na como discurso. Porque o quotidiano que partilhamos com a Natureza nem sempre é deslumbrante e belo. A representação de cenas banais e objectos ordinários elevada por Stephen Shore (Nova Iorque, EUA, 1947), ainda num tempo de pioneirismo na utilização da cor, é uma referência assumida.
De maneira despretensiosa (mas eficaz), as fotografias de Miguel Godinho lembram, e de certa forma desmascaram, uma necessidade visual absoluta de assimilar e reproduzir os modelos da natureza, seja nas mais ínfimas manifestações do quotidiano, seja nas mais anacrónicas (ou esplendorosas) intervenções na paisagem. Os vazios urbanos (os baldios, os lugares sem qualidades) e a relação entre arquitectura e poder problematizados por John R. Gossage (Staten Island, EUA, 1946), bem como as periferias documentadas por Paulo Catrica (Lisboa, 1965) constituem referenciais importantes no trabalho de Miguel Godinho.
O campo da natureza como programa criativo tem sido muito explorado nas últimas décadas. A paisagem, por exemplo, deixou de ser há muito um tema antiquado para se tornar numa das mais férteis matérias de reflexão, uma corrente de trabalho impulsionada por novos problemas colocados por disciplinas como a arquitectura, a economia, o urbanismo ou a ecologia. Apesar da multiplicidade de propostas (e da sensação de que tudo já foi visualmente explorado), permanecerão vias alternativas de questionamento, como esta que Miguel Godinho encontrou. A presença da natureza no Homem, quase um enamoramento, e a interacção atabalhoada com o espaço vivo que dão forma a Mimesis enquadram-se nos mais pertinentes projectos criativos da actualidade e constituem terrenos não muito experimentados no contemporâneo panorama fotográfico português.”
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4 comentários:
Enfim, ao que o mundo chegou... Perdido estou em cogitações sobre o critério que terá levado mentes tão ilustres a publicarem estas fotos e, melhor ainda, a considerarem as mesmas dignas de valor artístico. Ou talvez seja eu demasiado imberbe para entender estas coisas. Afinal de contas, tudo é arte, não é? Parabéns à FNAC...
PS: e já agora, parece que o rei não gosta de usar roupa.
Tu és é demasiado ignorante ao chegares a esse ponto e nem tudo é arte, aliás a "arte não é para todos"."Abre a pestana" e acorda para a realidade.
Informa-te melhor sobre certos assuntos antes de criticares inutilmente.
Abraço "Anónimo".
Uma fotografia vale o que vale pelo que representa como IMAGEM e pelas emoções que desperta naqueles que a observem. (In)felizmente, não é a logorreia de uns quantos iluminados que a irá tornar melhor ou pior.
Cumprimentos (sem insultos)
Se essas fotos na fnac valem algum prémio,vou ali e já volto...
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