12 dezembro, 2009

Nós, Alentejo


© António Carrapato



Luís Miguel Queirós
(P2, Público, 06.12.2009)

Não deve haver terra portuguesa mais carregada de estereótipos do que o Alentejo. Abre-se um álbum de fotografias e já se sabe que nos esperam as searas a perder de vista, as casas brancas caiadas de azul, as mulheres sentadas à soleira das portas, umas quantas azinheiras. Nas fotografias do alentejano António Carrapato, este Alentejo não deixa de ser reconhecível, e é justamente por isso que estas imagens, na sua capacidade de surpreender o detalhe insólito, adquirem uma dimensão auto-irónica tão divertida e eficaz. Há uma seriedade neste humor e uma delicada ingenuidade que pode fazer pensar num Jacques Tati. De resto, a fotografia que aqui reproduzimos, com um cisne que parece estar a discutir com outro que vem atrás, quase poderia ser uma citação da célebre cena de O Meu Tio em que um cão ladra à cabeça de peixe que espreita do saco de compras de Mr. Hulot.

Em muitas destas imagens, o impacto do pormenor destacado depende do contexto. A porta abandonada de uma camioneta tornada placa de indentificação da mulher sentada nas proximidades, o homem-rã que se diverte no lago do célebre Bairro da Malagueira, de Siza Vieira, o cavaleiro que não se vai safar de apanhar um grande banho, o cabisbaixo homem-lagarto cor-de-rosa que se deve ter fartado de alguma animação de rua em que participava, o poste que, em vez de sustentar, é sustentado, e ainda essa notável trilogia de olhares: animoso no primeiro plano, enternecido no segundo, perplexo no cartaz de parede que anuncia os bonecos de Santo Aleixo.

Carrapato passou 15 anos a fotografar a sua terra, para o trabalho Nós, Alentejo. Estas são algumas das imagens que seleccionou para uma exposição a que chamou apenas Nós e que pode ser vista no Museu de Évora, até 10 de Janeiro.



© António Carrapato

1 comentário:

Hellag disse...

magnifica esta foto...a julgar por este exemplo, a exposição deve ser estrondosa!

 
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