09 maio, 2009

MadridFoto

Edward Burtynsky, Silver Lake Operations #12, Lake Lefroy, Western Australia, 2007
Cortesia Galeria Nicholas Metivier


À procura de novos compradores
Sérgio B. Gomes, Madrid
(P2, Público, 9.05.2009)

Não é uma entrada de rompante. Nem era para ser. Pelo menos é o que dizem os organizadores da MadridFoto, a feira de fotografia contemporânea que abriu portas pela primeira vez este fim-de-semana na capital espanhola. Embora a atitude da entrada em cena tenha sido feita com pezinhos de lã, a ambição mais ou menos declarada é a de se tornar, a curto prazo, numa alternativa à Paris Photo, a principal referência do sector na Europa, e mesmo à Photo Miami, um dos faróis da fotografia nos Estados Unidos.

A italiana Giulieta Speranza, directora artística da feira, quer pôr em prática uma "concorrência leal" e só vê vantagens na existência de competição. "Queremos que no futuro nos possam comparar com outras grandes iniciativas da mesma área, mas não procuramos o confronto", disse ao PÚBLICO pouco depois do arranque oficial da feira que estará aberta até amanhã. Apesar de se atravessar uma conjuntura de negócios pouco favorável e "um ano difícil", Enrique Polanco, principal promotor da ideia, sublinhou a resposta positiva na primeira edição de 47 galerias – 16 madrilenas, 15 do resto de Espanha e 16 estrangeiras, entre as quais duas portuguesas, a Carlos Carvalho Arte Contemporânea (Lisboa) e a Mário Sequeira (Braga). E a intenção para as próximas edições é estabilizar o número de galerias até às 70 (a Paris Photo tem quase o dobro de expositores). Ou seja, os argumentos passam mais pela qualidade do que pela quantidade ou dimensão.

O tamanho reduzido ao indispensável e a organização do espaço expositivo – que mais parece uma ilha dentro do gigantismo oceânico da Feria de Madrid - são aliás apresentados como pontos fortes da MadridFoto que espera receber entre 6 a 8 mil visitantes. Concebido pelo arquitecto Andrés Jaque, o modelo imita a largueza e a cumplicidade das praças citadinas em substituição dos nichos labirínticos, menos dialogantes com os vizinhos do lado. As vantagens são nítidas para quem percorre o espaço à procura de ver fotografia de uma maneira menos claustrofóbica. E os expositores também se mostram agradados com esta divisão equilibrada (todas as galerias têm o mesmo espaço). "A feira é democrática e arejada", foi a descrição dada ao PÚBLICO por Oliva Arauna, responsável pela galeria madrilena com o mesmo nome. Ao longo do dia da inauguração, foram usadas palavras sinónimas para classificar a mostra e o ambiente que a rodeia.

Agressividade de principiante à parte (ou a falta dela), o certo é que a MadridFoto se estreia num contexto particularmente interessante no que diz respeito às actividades ligadas à fotografia em Espanha: o país tem festivais consolidados e reconhecidos mundialmente; exposições nos grandes museus e instituições públicas com nomes que marcaram a história da fotografia, que marcam a contemporaneidade e que ficam na memória; dinâmica editorial variada e de qualidade; produção teórica regular; coleccionismo privado em crescendo; várias galerias (muitas em exclusivo) dedicadas à fotografia por todo o país; vários prémios e bolsas de estudo e produção; e um público que responde e participa. Com todos estes condimentos faltava ainda uma iniciativa espanhola de âmbito internacional ligada à venda da fotografia para o caldo ficar completo. É esse o espaço que a MadridFoto, exemplarmente organizada, quer agora preencher. E uma das grandes apostas passa pela conquista de novos coleccionares de um suporte que consegue passar ao lado do arrefecimento das vendas noutros campos da arte – uma das vantagens é a grande amplitude de preços, que torna provas de qualidade acessíveis a compradores com carteiras menos recheadas. "A fotografia funciona muito bem nestes momentos porque os preços são mais ajustados", afirmou ao El País Lorena de Corral, comissária independente que participou no comité de selecção da feira. A propósito da primeira edição da MadridFoto e da aproximação do festival PHotoEspaña (começa na primeira semana de Junho), o suplemento de cultura do mesmo diário, Babelia, dedicou recentemente um caderno especial à fotografia, classificada num dos títulos como "moeda estável".

"Faltam as vintage"
Oliva Arauna vinha de apresentar a um possível comprador os dois auto-retratos de Jorge Molder que ocupam lugar de destaque no seu espaço. As expectativas para a venda das imagens do fotógrafo português são "grandes". Diz Arauna que, em Espanha, há muitos coleccionadores a admirar a obra de Molder. As duas provas da série Ocultações 8 são muito recentes (2008), assim como quase todas as cópias dos outros artistas que levou à feira (excepção para o maliense Malik Sibidé). Para a galerista, à MadridFoto "faltam as vintage", as provas de época impressas a partir dos negativos de fotógrafos consagrados num prazo até cinco anos contados (quando possível) a partir da data do registo original. Essa presença daria à feira maior "solidez" e traria "a autenticidade" que por vezes se revela demasiado diluída na imagem fotográfica e que faz com que muitos compradores ainda franzam o sobrolho. Habitualmente, os coleccionadores dão muito valor às provas de época e estão dispostos a pagar mais por este tipo de imagens. Giulieta Speranza diz-se consciente desta ausência, mas afirma que seria "arriscado" apostar já em todo o leque temporal da história da fotografia o que a levou a concentrar-se apenas em autores e tiragens recentes. "Vamos fazer o contrário do que fez a Paris Photo que começou com as cópias vintage", anunciou Speranza sem colocar de lado a hipótese de vir a incorporar a fotografia antiga nas próximas edições da feira.

Galeristas portugueses optimistas
Os dois galeristas portugueses que decidiram apostar na MadridFoto mostraram-se optimistas em relação às vendas e apontam a fotografia como um suporte seguro no negócio da arte e que tem mostrado um interesse crescente por parte dos compradores. Carlos Carvalho considera-a "uma das áreas artísticas com mais futuro". Levou até Madrid trabalhos de Daniel Blaufuks, Paulo Catrica, Carla Cabanas, Roland Fischer, Antía Moure e Manuel Vilariño. "Tenho um stand homogéneo com obras grandes. Não trago selos para a crise. Trago obras com consistência", disse ao PÚBLICO enquanto alguém virava uma fotografia de Catrica que tinha sido colocada ao contrário. Por seu lado, Mário Sequeira sublinhou o número de clientes espanhóis que compram já na sua galeria e que seguem com atenção o trabalho de Helena Almeida, um dos nomes do portfólio de artistas que representa na feira ao lado de outros consagrados como Axel Hütte, Candida Hofer e Nan Goldin, que tem actualmente uma exposição em Braga. Fora das galerias portuguesas, para além de Molder, apenas André Cepeda marcou presença na galeria galega adhoc onde apresentou um conjunto de 3 fotografias da série River captadas nos EUA no ano passado.

O corpo e a paisagem
À medida que se percorrem as praças da MadridFoto e as galerias que as fecham em círculo é possível ir arrumando mentalmente quase tudo o que se vê em duas grandes categorias – corpo e paisagem. Por mais voltas que se dêem, por mais técnicas, tecnologias, formatos e suportes que se encontrem, a figuração humana e a paisagem permanecem como troncos principais da árvore genealógica do sujeito fotográfico. E as feiras de fotografia têm essa grande vantagem de juntar num espaço comum a diversidade de formas de ver e de representar ideias e realidade. É um local estratégico para apreciar todas as derivas e ramificações que se abrigam em qualquer um dos dois campos. E é um momento ainda melhor para assistir às mais acirradas divergências de gosto e de escolha. Quando, por exemplo, se ouve a forma apaixonada como o inglês Nicholas Mativier (da galeria canadiana com o mesmo nome) fala das paisagens industriais abstractas de Edward Burtynsky e, a uns metros de distância, se olha para a cara de enfado do holandês Martin Rogge (Flatland) a vociferar: "Odeio paisagem!".


Nazif Topçuoglu, Gossip, 2007
Cortesia Galeria Fatland

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