27 maio, 2009

Encontros da Imagem


Xulia Arandas, Burkas
© Xulia Arandas


Mulheres sem fronteiras

Sérgio C. Andrade
(P2, Público, 24.05.2009)

Não terá sido ao acaso que a direcção dos Encontros da Imagem de Braga escolheu um mosteiro para cenário da principal exposição da edição deste ano da iniciativa, que decorre até final de Maio. O tema e as motivações da exposição colectiva Fronteiras do Género vão bem com a atmosfera de um antigo lugar de clausura. Esta dimensão e o seu oposto, de protesto (às vezes, pelo lado da ironia) e mesmo de combate social e político, compõem as imagens mais impressivas do conjunto de trabalhos das 22 mulheres fotógrafas, portuguesas e estrangeiras, que formam este núcleo dos Encontros.

Entramos na sala do milenar Mosteiro de Tibães, nos arredores de Braga, e somos recebidos por cinco produções das Guerrilla Girls, um colectivo feminista americano radical, que questiona desde o olhar de Hollywood sobre a mulher - um dos cartazes é um simulacro de poster de um filme intitulado The Birth of Feminism, protagonizado por Pamela Anderson, Halle Berry e Catherina Zeta-Jones e realizado por... Oliver Stone - até à sua representação no mundo das artes plásticas - outro cartaz pergunta por que é que a mulher tem de se despir para entrar na iconografia dos museus; outro ainda regista a evolução da percentagem de mulheres artistas na Bienal de Veneza, desde a primeira edição em 1895 (2,4 por cento) até cem anos depois (9 por cento)...

A mulher aprisionada surge logo a seguir, na série Burkas, de Xulia Aranda, que a figura enredada na sua própria condição feminina. O tema das burkas e da submissão da mulher ao estereótipo e à condição social de subalternidade nas sociedades dominadas pelo islão surge mais à frente, nos trabalhos de Susana Mendes da Silva e de Shirin Neshat.

Há, depois, a mulher-mãe nas diferentes poses que ela pode assumir perante a maternidade: desde a revolta e a violência sobre si própria no vídeo e na série de fotografias de Júlia Galán (que nestas retoma uma cena forte do filme de Tsai Ming-Liang O Sabor da Melancia) às poses das mães pós-parto nos trabalhos de Juliana Stein, que ora se apresentam como "documento", ora como "monumento", como escreve o crítico de arte brasileiro Artur Freitas, no texto do catálogo.

Solidão e fragilidade
Da figuração (e também desconstrução) do glamour, da moda, da publicidade e da mulher objecto sexual - "Odeio ser gorda, come-me por favor", grita Ana-Perez Quiroga, no serviço de porcelana em que "serve" o seu corpo nu à mesa da refeição - falam as imagens de Ana Laura Aláez (o vídeo Make-up sequences), Mariana Nuñez, Cláudia Huidobro e Sophie Carlier. Até que em três instalações inesperadas - Point de vue, de Anna Malagrida, Terre annoncée, de Aurore de Sousa; e La mémoire: un voyageur du temps, de Marie-Elsa Niels - o feminino ganha também a dimensão da poesia, do sonho, da solidão, da fragilidade, da delicadeza. Respectivamente: um tríptico de janelas embaciadas pela humidade faz transparecer um exterior insondável; as mãos de uma mulher tornam-se véus para uma visão religiosa; pequenos cubos de gelo encerram flores e frutos entre o nascimento e a morte...

E há, ainda, EU, de Celeste Cerqueira, uma instalação de placas caneladas que representam os contornos dos países da União Europeia e sobre as quais é projectado um vídeo, numa montagem em que "a dinâmica social do sujeito/cidadão se encontra enredada por vezes nas ilusões vendáveis do poder político", descreve a autora.

Para além de Fronteiras do Género, os Encontros da Imagem apresentam outros Olhares femininos em diferentes museus e galerias de Braga.

(a programação completa dos Encontros está aqui)

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