04 abril, 2009

 fotografiafalada

Edgar Martins, The Accidental Theorist
© Edgar Martins


Nesta série (The Accidental Theorist) há uma ausência de vida e uma escassez propositadas. Dou importância ao silêncio nestas fotografias, cujos cenários, tal qual um buraco negro, parecem ter consumido todos os vestígios e sinais de vida. Todo o meu trabalho que envolve a noite lida com a questão da representação através da ausência. A área escura acaba por funcionar quase como uma tela branca para que quem observa consiga projectar a suas experiências, as suas memórias.

Estou interessado no aspecto teatral das imagens, na performance, mas não no sentido tradicional da palavra. Estou interessado em representar a performance do mundo consigo próprio enquanto conjunto de processos e factos. E a única forma de captar isto é abrandando o tempo. É por este motivo que recorro sempre a longas exposições e um dos motivos pelos quais utilizo a máquina fotográfica como máquina de filmar.

Gosto da ideia de que todo e qualquer espaço faz um processo de mutação instigado pela pessoa que observa e sempre que o observa. Se conseguirmos abrandar o tempo o suficiente talvez consigamos captar essa performance. Há uma ambiguidade inerente às imagens que também é importante. Isto remete para a fotografia enquanto processo de representação. Estou interessado naquilo que André Breton chamava de object trouvé (objecto encontrado). Fotografo apenas aquilo que se encontra nas praias, os vestígios da presença humana. No entanto, isto não é explícito. O observador não sabe o que se passa nestes espaços.

Muitas vezes perguntam-me se estas fotografias são feitas com recurso a pequenos cenários de estúdio. A ambiguidade é importante porque confere ao trabalho um lado teatral que é o que dá vida às imagens. A luz misteriosa é uma característica que une todos os trabalhos nocturnos e um dos aspectos que transmite uma carácter surreal a estas obras. A qualidade da luz vem das longas exposições. Num conjunto de 40 imagens, haverá cinco que foram fotografadas em espaços que tinham alguma fonte de luz artificial, não minha mas das próprias praias. A olho nu estas praias apareceriam totalmente escuras. Aquilo que as longas exposições fazem é trazer à luz esses espaços que têm alguma fonte de iluminação. Nunca iluminei as praias. A maioria estava quase na penumbra.

Esta ideia de falta de controlo é muito importante em todos os trabalhos. Não quero ter o controlo total sobre os espaços. A única forma de permitir que essa performance aconteça é havendo algum elemento de espontaneidade, é não tentar controlar a situação. Quando se utiliza exposições muito prolongadas é tudo mais difícil de controlar.

Quero que estas imagens sejam ambíguas porque, para mim, o processo é tudo. Se de facto houver alguma ambiguidade, acho que quem observa poderá questionar o processo de produção das fotografias. Haverá pessoas que vão considerar que são controladas digitalmente - mas a verdade é que não são. Não há qualquer intervenção da minha parte, para além do enquadramento.

Topologias, de Edgar Martins
Museu do Oriente, Lisboa
Até 19 de Abril

1 comentário:

José disse...

Caro Edgar Martins,

Mal entrei «aqui», senti-me imediatamente identificado com «esta» fotografia e precipitei-me na leitura do seu texto de «teorização». Que confirmou por completo o meu sentimento de identificação! O tema dos vestígios nas praias, espaços por onde passam milhares de pessoas, essa fronteira entre a terra e a grande massa de água em a envolve, sempre me atraiu e sempre me interessou enquanto matéria fotografável. A luz do dia que sobre ela cai convém-me, mas sou também atraído para essa «penumbra» nocturna a que se refere e que faz com que por vezes aí plante a minha «câmara obscura».
Passarei hoje pelo Museu do Oriente para ver as suas «Tipologias». José Morais

 
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