04 julho, 2008

  flor

Ofelia, Suíça, 2006
(
© Flor Garduño)

A galeria de fotografia Pente 10 inaugurou esta semana a exposição Mujeres Fantasticas da mexicana Flor Garduño. Ao longo de 16 imagens a preto e branco, Flor deambula por algumas das mais importantes representações da feminilidade que marcaram a história da cultura.

Tereza Siza escreveu este texto para o catálogo:

Habituamo-nos a reconhecer em Flor Garduño séries de imagens recolhidas, de flaneuse atenta ao maravilhoso do mundo e dos mitos dos homens e a outras elaboradas, imagens construídas em torno de um sentido. Nisto Flor soube actualizar a transformação que a fotografia sofreu com o impacto de um forte conceptualismo. Não cedendo, naturalmente, ao registo modal, mantendo o dramatismo do contraste a preto e branco ou uma diversa gama de cinzentos e deixando, inteiro, o seu manual mitológico e de espanto.
Talvez por isso mesmo aqui se encontrem elementos étnicos, que deciframos não apenas numa perspectiva das Américas, mas de um código universal dessa mitologia que se revela como uma diversidade de coincidências, uma tentativa pertinaz do homem em representar-se como fazendo parte do todo.
E quem diz mito diz sempre poesia, de desleixo pelo racional e organizado, de invenção de um outro mundo – tão labiríntico e caótico como o mundo natural.
E, porque é difícil esquecer mitologias lapidares como as que conhecemos de Testemunhos do tempo, reencontramo-los aqui, nesta construção de entendimentos sobre a mulher, nas variadas asserções em que a cultura a tem vindo a representar.
O que há de comum entre a
Ofélia romanticamente morta, ainda ligada ao trágico do destino desmancha-prazeres e a mulher tartaruga que se esconde sob a sua carapaça emprestada ou a mulher-leopardo, reiterado ícone de um masoquismo pan-americano e europeu? Fala-se claramente de um conjunto de medos masculinos que parece terem saído da velha constatação da mulher-feita-para-a-vida e do homem-feito-para-a-morte.
Trata-se, pois, de um conjunto de ideias sobre a mulher, um repositório, por vezes milenário, de construções culturais que transitam nos dois géneros e apenas se distinguem quando alguém, como Flor, faz com estes
aiku em imagem, a percepção da diferença dos géneros através dos tempos e através dos sentidos.
Diz Flor Garduño que os homens olham estas imagens com muito mais erotismo do que as mulheres. As mulheres, amigas de Flor, que posam para estes encantamentos interiores, assim exteriorizados na nudez, na ausência de todo o código de sedução, porque esclarecidas pela simbólica que Flor lhes empresta, assumem assim, qualquer coisa de um sagrado quase primordial porque é esse precisamente o universo de entendimento que a fotógrafa aqui materializa de forma quase alegórica. Algumas imagens, carregadas de percepção cultural, como
Argos, Purificação, ou mesmo a mulher com a sua própria representação, o fruto, parecem-nos actualizações de diversas composições que atravessam a história.
Outras, como a simbiose que se encontra em
Repouso e Coluna, (na perspectiva clássica da coluna ou na subentendida “alma” das colunas sacrificiais gregas) exigem o conhecimento da mitologia europeia e da sua tradução greco-romana. Ou da serpente-emplumada a atravessar o corpo das virgens sacrificadas.
Mas a
Lua Crescente, que nos confronta com um mundo feminino atento e, de certo modo irónico ou aquela espantosa Anémona, tão fatal como um campo de flores, estão para lá da interpretação. Introduzem-nos no indizível, no enigma. E essa é, por certo a cultura feminina na sua mais vasta indeterminação, na sua perversidade e no seu segredo.

Tereza Siza

Mujeres Fantasticas, de Flor Garduño
Galeria Pente 10
Trav. da Fábrica dos Pentes, 10 (ao Jardim das Amoreiras), Lisboa
Tel.: 212369569
Até 31 de Agosto

1 comentário:

Anónimo disse...

thank you!

 
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