Quando ainda estavam frescas na memória as imagens apresentadas no Porto (Testemunhos do Tempo) no início deste ano, Flor Garduño volta a dar-nos pistas para conhecermos melhor o seu universo onírico, feito de representações que tentam ultrapassar a fatalidade do tempo histórico e do mundo terreno. A Galeria Pente 10 recebe até ao fim de Agosto a exposição Mujeres Fantasticas, um trabalho sobre as representações que a feminilidade foi ganhando ao longo dos tempos. É um projecto que vem sendo construído praticamente desde o início da sua carreira como fotógrafa.
Flor Garduño nasceu e cresceu na Cidade do México. Assim que acabou os estudos na Academia de São Carlos, começou a trabalhar ao lado do mestre Manuel Álvarez Bravo. A Magia do Jogo Eterno foi o seu livro de estreia, em 1985. Dois anos depois, lançou Bestiarium. Testemunhos do Tempo, a obra que mais reconhecimento lhe deu, foi publicada em 1992 e teve 6 edições. Em 2000, a editora Aperture republicou a obra. As fotografias deste trabalho passaram por mais de 40 museus e galerias de todo o mundo. Flor/Inner Light (2002, Bulfinch Press, Nova Iorque) reproduz naturezas mortas, nus e retratos. Naturezas Silenciosas (2005, Gabriele Editore, Suíça) é o seu último álbum.
Em que sentido as mulheres são mais fantásticas nesta exposição: no sentido terreno ou mitológico?
Deixo a interpretação a cargo de cada um, para que sejam fantásticas ou tenham o significado que cada um lhe queira atribuir. São fantásticas porque são imagens que projecto dentro das minhas fantasias. São fantásticas porque dentro de mim são fantásticas. Através de exposições, de livros, da literatura vou imaginando como poderia ser uma imagem de um símbolo. Não sei se estas imagens são terrenas ou se são fantásticas como ideias. Na realidade, isso para mim não tem muito significado. Acredito - e espero - que quando o observador as encarar faça delas o seu próprio sonho.
O que é que lhe interessa destacar na condição feminina?
Quando trabalho num projecto não começo a pensar, a estipular ou a criar uma directiva muito precisa. Desde há muitos anos que trabalho com a temática do nu feminino, não porque seja minha intenção provar algo especial. Não tenho o intuito de demonstrar nada. É simplesmente uma maneira de dar corpo a uma ideia e a poder revelar um mundo lírico muito pessoal.
Na maior parte destas imagens, o nu feminino colocou-se lado a lado com a alegoria mitológica em torno da mulher. Não teme que a sedução erótica se sobreponha ao entendimento filosófico?
Isso é uma visão muito masculina. O nu tem estado presente desde o início da minha carreira, há 30 anos. Mas comecei a trabalhar o tema de uma forma mais sistemática depois de terminar um outro trabalho, na América Latina, do qual nasceu um livro, Testigos del Tiempo. Um amigo de Zurique perguntou-me uma vez em que é que estava a trabalhar e eu contei-lhe que estava a produzir uma série muito íntima, muito descontraída, muito suave sobre o feminino. Ele disse-me que não conseguia imaginar que tipo de trabalho sobre o nu eu estaria a preparar depois de algo como Testigos del Tiempo. Encontrámo-nos e comecei a mostrar-lhe aquilo que viria a ser Inner Light ou Flor. Fiquei muito surpreendida com a reacção porque ele disse-me que este trabalho de suave não tinha nada! Pelo contrário sentia uma carga muito forte, muito erótica, de um feminino tão intenso que não entendia porque lhe tinha falado em suave. Mas é assim que as vejo. E continuei sempre a ouvir o mesmo tipo de opiniões, vindas sobretudo de observadores masculinos.
Nestas fotografias de Mujeres Fantasticas vemos o rosto escondido, cortado ou num plano secundário. Há alguma razão especial para esta opção?
Quando trabalho o corpo, muitas vezes o rosto passa para um plano secundário. Ao trabalhar nestas imagens, que são um todo, senti que se retirasse a algumas o rosto ou o olhar, o corpo sobressairia mais. Isto porque não há um olhar a cruzar-se com o observador, deixando que a interpretação e aceitação do corpo em si seja mais geral, mais universal. Mujeres Fantasticas é de alguma forma uma continuação, não sei se lógica, mas uma continuação, a outro nível, do que foi Flor, onde, acima de tudo, quis mostrar o feminino, a maternidade, e onde me revelei mais intimamente enquanto mulher e não enquanto fotógrafa. Agora, com Mujeres Fantasticas, tento mostrar todas as possibilidades que o corpo e a própria mulher podem dar. Quando decido fazer um retrato com o olhar é porque esse olhar me dá algo mais sobre a pessoa fotografada. Quando não há olhar a fotografia ganha um sentido mais universal e deixa mais espaço para a interpretação.
Há aqui representações de contos, conceitos e mitos. Esta escolha de temas que viajam através da História é uma tentativa de fugir à temporalidade finita a que associamos a fotografia?
Como já disse não trabalho com conceitos a priori. A minha vida não é só a fotografia. Tenho muitos outros interesses, como a literatura, a música, a pintura. Sou apaixonada pela arte em geral e pelos mitos que através dessas artes se representam. Creio que são temas arquétipos que regressam. Por exemplo: na história da pintura, quantas Ofélias se fizeram? Ou quantas Ledas se fizeram? São mitos que continuam vivos, presentes e actuais no nosso imaginário, dentro de um mundo onírico, dentro da psique. É importante ir unificando todos estes interesses que fazem parte de mim e não ficar presa à imagem como tal.
No conjunto há imagens que remontam aos anos 80 e outras muito recentes. Diria que este trabalho em torno das representações da mulher é um eixo central na sua obra?
Tenho trabalhado este tipo de imagens desde o início da minha carreira. E, a par das mulheres, tenho cultivado, ao longo destes 30 anos, o género das naturezas mortas, a que chamo naturezas silenciosas. São recorrências que nunca hei-de deixar porque fazem parte de mim. Sempre andaram na minha cabeça e foram-se transformando. Provavelmente, quando as pessoas virem o trabalho anterior e o de agora dirão que é o mesmo. Outras dirão que é um processo e que primeiro havia mulheres e que em Mujeres Fantasticas há paisagem. Agora, há também um mundo exterior. Nos outros trabalhos havia um mundo mais interior, mais psicológico. Este é mais fantasioso e exterior. Na grande maioria, estas imagens foram captadas no exterior e isso, para mim, tem um significado - é um símbolo.
Durante os últimos 50 anos, o México deu à história da fotografia vários nomes importantes. Manuel Álvarez Bravo parece estar na origem de muitos deles. Que papel tem hoje o mestre na produção fotográfica mexicana?
É muito actual. Sempre foi muito actual. Continua vivo e, como os grandes mestres, continua a ter uma visão muito a posteriori. Penso que foi fundamental, abriu portas, internacionalmente, à fotografia mexicana. Mas não foi só ele, houve muitos outros. E agora há também várias mulheres, como por exemplo Lola Álvarez Bravo, que foi sua mulher, que apesar de menos conhecida também tem muito valor.
Flor Garduño nasceu e cresceu na Cidade do México. Assim que acabou os estudos na Academia de São Carlos, começou a trabalhar ao lado do mestre Manuel Álvarez Bravo. A Magia do Jogo Eterno foi o seu livro de estreia, em 1985. Dois anos depois, lançou Bestiarium. Testemunhos do Tempo, a obra que mais reconhecimento lhe deu, foi publicada em 1992 e teve 6 edições. Em 2000, a editora Aperture republicou a obra. As fotografias deste trabalho passaram por mais de 40 museus e galerias de todo o mundo. Flor/Inner Light (2002, Bulfinch Press, Nova Iorque) reproduz naturezas mortas, nus e retratos. Naturezas Silenciosas (2005, Gabriele Editore, Suíça) é o seu último álbum.
Em que sentido as mulheres são mais fantásticas nesta exposição: no sentido terreno ou mitológico?
Deixo a interpretação a cargo de cada um, para que sejam fantásticas ou tenham o significado que cada um lhe queira atribuir. São fantásticas porque são imagens que projecto dentro das minhas fantasias. São fantásticas porque dentro de mim são fantásticas. Através de exposições, de livros, da literatura vou imaginando como poderia ser uma imagem de um símbolo. Não sei se estas imagens são terrenas ou se são fantásticas como ideias. Na realidade, isso para mim não tem muito significado. Acredito - e espero - que quando o observador as encarar faça delas o seu próprio sonho.
O que é que lhe interessa destacar na condição feminina?
Quando trabalho num projecto não começo a pensar, a estipular ou a criar uma directiva muito precisa. Desde há muitos anos que trabalho com a temática do nu feminino, não porque seja minha intenção provar algo especial. Não tenho o intuito de demonstrar nada. É simplesmente uma maneira de dar corpo a uma ideia e a poder revelar um mundo lírico muito pessoal.
Na maior parte destas imagens, o nu feminino colocou-se lado a lado com a alegoria mitológica em torno da mulher. Não teme que a sedução erótica se sobreponha ao entendimento filosófico?
Isso é uma visão muito masculina. O nu tem estado presente desde o início da minha carreira, há 30 anos. Mas comecei a trabalhar o tema de uma forma mais sistemática depois de terminar um outro trabalho, na América Latina, do qual nasceu um livro, Testigos del Tiempo. Um amigo de Zurique perguntou-me uma vez em que é que estava a trabalhar e eu contei-lhe que estava a produzir uma série muito íntima, muito descontraída, muito suave sobre o feminino. Ele disse-me que não conseguia imaginar que tipo de trabalho sobre o nu eu estaria a preparar depois de algo como Testigos del Tiempo. Encontrámo-nos e comecei a mostrar-lhe aquilo que viria a ser Inner Light ou Flor. Fiquei muito surpreendida com a reacção porque ele disse-me que este trabalho de suave não tinha nada! Pelo contrário sentia uma carga muito forte, muito erótica, de um feminino tão intenso que não entendia porque lhe tinha falado em suave. Mas é assim que as vejo. E continuei sempre a ouvir o mesmo tipo de opiniões, vindas sobretudo de observadores masculinos.
Nestas fotografias de Mujeres Fantasticas vemos o rosto escondido, cortado ou num plano secundário. Há alguma razão especial para esta opção?
Quando trabalho o corpo, muitas vezes o rosto passa para um plano secundário. Ao trabalhar nestas imagens, que são um todo, senti que se retirasse a algumas o rosto ou o olhar, o corpo sobressairia mais. Isto porque não há um olhar a cruzar-se com o observador, deixando que a interpretação e aceitação do corpo em si seja mais geral, mais universal. Mujeres Fantasticas é de alguma forma uma continuação, não sei se lógica, mas uma continuação, a outro nível, do que foi Flor, onde, acima de tudo, quis mostrar o feminino, a maternidade, e onde me revelei mais intimamente enquanto mulher e não enquanto fotógrafa. Agora, com Mujeres Fantasticas, tento mostrar todas as possibilidades que o corpo e a própria mulher podem dar. Quando decido fazer um retrato com o olhar é porque esse olhar me dá algo mais sobre a pessoa fotografada. Quando não há olhar a fotografia ganha um sentido mais universal e deixa mais espaço para a interpretação.
Há aqui representações de contos, conceitos e mitos. Esta escolha de temas que viajam através da História é uma tentativa de fugir à temporalidade finita a que associamos a fotografia?
Como já disse não trabalho com conceitos a priori. A minha vida não é só a fotografia. Tenho muitos outros interesses, como a literatura, a música, a pintura. Sou apaixonada pela arte em geral e pelos mitos que através dessas artes se representam. Creio que são temas arquétipos que regressam. Por exemplo: na história da pintura, quantas Ofélias se fizeram? Ou quantas Ledas se fizeram? São mitos que continuam vivos, presentes e actuais no nosso imaginário, dentro de um mundo onírico, dentro da psique. É importante ir unificando todos estes interesses que fazem parte de mim e não ficar presa à imagem como tal.
No conjunto há imagens que remontam aos anos 80 e outras muito recentes. Diria que este trabalho em torno das representações da mulher é um eixo central na sua obra?
Tenho trabalhado este tipo de imagens desde o início da minha carreira. E, a par das mulheres, tenho cultivado, ao longo destes 30 anos, o género das naturezas mortas, a que chamo naturezas silenciosas. São recorrências que nunca hei-de deixar porque fazem parte de mim. Sempre andaram na minha cabeça e foram-se transformando. Provavelmente, quando as pessoas virem o trabalho anterior e o de agora dirão que é o mesmo. Outras dirão que é um processo e que primeiro havia mulheres e que em Mujeres Fantasticas há paisagem. Agora, há também um mundo exterior. Nos outros trabalhos havia um mundo mais interior, mais psicológico. Este é mais fantasioso e exterior. Na grande maioria, estas imagens foram captadas no exterior e isso, para mim, tem um significado - é um símbolo.
Durante os últimos 50 anos, o México deu à história da fotografia vários nomes importantes. Manuel Álvarez Bravo parece estar na origem de muitos deles. Que papel tem hoje o mestre na produção fotográfica mexicana?
É muito actual. Sempre foi muito actual. Continua vivo e, como os grandes mestres, continua a ter uma visão muito a posteriori. Penso que foi fundamental, abriu portas, internacionalmente, à fotografia mexicana. Mas não foi só ele, houve muitos outros. E agora há também várias mulheres, como por exemplo Lola Álvarez Bravo, que foi sua mulher, que apesar de menos conhecida também tem muito valor.
Em La Columna vemos uma mulher coberta de espinhos e um rosto que lembra Frida Khalo. É uma alusão ao sofrimento?
Não, de todo. É uma alusão às cariátides, as imagens gregas que tinham a cabeça coberta de objectos, vegetais ou animais. [Quando fiz este retrato] não pensei na Frida. Foi uma questão física casual. E não é uma questão de sofrimento, mas sim de vida. Porque em La Columna há precisamente uma planta que é uma suculenta. O grupo das suculentas está cheio de vida e de água. E também foi um jogo com a ideia de ser suculenta, como a mulher, com um porte digno, um porte fantástico... porque não?
Não, de todo. É uma alusão às cariátides, as imagens gregas que tinham a cabeça coberta de objectos, vegetais ou animais. [Quando fiz este retrato] não pensei na Frida. Foi uma questão física casual. E não é uma questão de sofrimento, mas sim de vida. Porque em La Columna há precisamente uma planta que é uma suculenta. O grupo das suculentas está cheio de vida e de água. E também foi um jogo com a ideia de ser suculenta, como a mulher, com um porte digno, um porte fantástico... porque não?
Mujeres Fantasticas, de Flor Garduño
Galeria Pente 10
Trav. da Fábrica dos Pentes, 10 (ao Jardim das Amoreiras), Lisboa
Tel.: 212369569
Até 31 de Agosto
5 comentários:
Sabe se a a galeria está aberta aos Sábados e Domingos? Obrigado.
3a a Sabado, das 11h 'as 19h
Sabe mais o M0rph3u aí do que eu aqui! Só que no seu caso não dá para ir ver! Não estava com muita motivação para ir ver esta exposição, mas com a entrevista fiquei com mais curiosidade.
Pois... infelizmente nao posso fazer nada.
Resta-me estar atento e tentar obter o maximo de informacao sobre os assuntos que me interessam - sejam dai ou de outro lugar qualquer.
Felizmente hoje em dia temos a Web e esta tarefa esta' muito mais facilitada.
Neste caso, apenas fui ao website da galeria
ADOREI CADA IMAGEM!!!
Parabéns pelo magnífico trabalho!
Este blog é um show!!!
Voltarei mil vezes!
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