Sérgio Mah
(© Nuno Ferreira Santos/Público)
É a primeira vez que o PHotoEspaña tem um comissário estrangeiro. Sente alguma responsabilidade acrescida por causa dessa condição?
Não, não há nenhuma responsabilidade extraordinária. O que há é a responsabilidade por um trabalho que envolve muitas coisas numa cidade que tem uma escala que não é a da minha cidade. Não sinto nenhum peso especial, até porque já levo a experiência de ter comissariado duas edições de um acontecimento parecido em Lisboa [LisboaPhoto]. Foi uma grande ajuda para o trabalho que fiz este ano em Espanha. E também não houve uma carga extraordinária por ser o mais novo de todos os comissários que o PHotoEspaña já teve.
Como é que funciona o processo de selecção e nomeação? Ficou surpreendido com a decisão final?
Não. Recordo que a minha relação com o PHotoEspaña começou em 2006, quando fui comissário de uma exposição antológica de Joel Sternfeld. Na altura, houve uma relação muito boa, foi uma exposição muito bem-sucedida em termos de público, em termos de crítica em Espanha e o processo de organização da exposição correu muito bem. A minha relação com os membros da equipa foi boa e tenho a ideia que deixei boa imagem. Fui contactado creio que em Fevereiro de 2007 e perguntaram-me se estaria interessado em ser candidato a comissário.
Então, primeiro há uma série de convites...
Calculo que o devam fazer. Acho que é inteligente. Eles tinham uma ideia mais ou menos clara [de quem devia ser o comissário], e começaram a olhar para as pessoas que conheciam e que obedeciam a uma série de critérios. Sei também que um dos objectivos era terem, pela primeira vez, um comissário estrangeiro. Devem ter criado uma shortlist e contactaram-me e na altura até lhes disse que ia ser difícil porque a minha vida profissional não ajudaria e teria de ser profundamente reorganizada. Para além disso, ainda havia resquícios da ressaca de ter feito o LisboaPhoto. Não só pela intensidade de trabalho, mas também por todo o lado kafkiano que envolve fazer um grande festival com uma câmara municipal. O processo foi difícil, houve situações menos boas e, perante o convite, não fiquei bestialmente entusiasmado, mas fui a Madrid, tivemos uma conversa, e perguntaram-me qual era a minha opinião sobre o festival, o que é que poderia ser interessante para o próximo. Um comissário quando trabalha para um programa pensa em 30 e depois de concretizar esse programa pensa em todos os outros que não conseguiu concretizar. Pensei que ainda me faltava fazer um projecto com determinado fotógrafo, que gostava de fazer uma exposição com determinadas características e, obviamente, o PHotoEspaña é um festival importante. Não o fiz por carreirismo, achei é que podia desenvolver projectos que gostava de desenvolver e também porque o panorama a curto ou a médio prazo em Portugal era muito limitado. Há também alguma curiosidade de ir fazer um projecto no estrangeiro.
O seu nome foi apresentado no ano passado pouco depois de se ficar a saber que o LisboaPhoto não iria continuar. O LisboaPhoto foi abandonado por quem e o que é que correu mal para que não continuasse?
Não sei responder à pergunta. Quando terminou a edição de 2005 já tinha ficado claramente definido que não continuaria. Ainda houve uma vaga hipótese de continuar mas para mim ficou completamente claro que não, por variadíssimas razões. A mais importante de todas é que é um projecto de uma câmara municipal. E depois, um festival com as características do LisboaPhoto não deve ter sempre o mesmo comissário. Os comissários devem mudar. Em termos organizacionais há uma grande vantagem em ser a mesma pessoa, porque já conhece os meandros, a forma de lidar com os aspectos burocráticos, com a logística com os orçamentos. Uma coisa pareceu-me clara: o modelo de organização do LisboaPHoto não podia ser o mesmo. Teria de criar-se uma associação à parte, claramente formada pela câmara com alguma autonomia formal ou então a burocracia, a irracionalidade dos processos tornava o nosso trabalho doloroso. E depois, queria ir-me embora da Câmara Municipal de Lisboa, literalmente. O LisboaPhoto chegou a um ponto de esgotamento e a pessoa pode relativizar um primeiro sobressalto, um segundo, mas quando chega ao décimo já está farta.
Acha que foi a burocratização que matou o LisboaPHoto? Não havia uma estrutura suficientemente ágil para que o festival funcionasse?
O festival funcionava. Mas como estava muito dependente da máquina burocrática da câmara tornava muito difícil o trabalho do comissário e da própria equipa de produção. Muitas vezes não sabíamos com o que contávamos. Mas o que eu sei de concreto sobre o fim do LisboaPhoto foi o que passou pelos jornais - que não tinham dinheiro.
Todos os festivais ou outros acontecimentos ligados à fotografia em Portugal estão ou estiveram ligados ao poder político. Acha que é por causa disso que não se consegue manter nenhum com regularidade?
Não sou especialista em política cultural, mas o assunto tem sido sobejamente discutido nos últimos anos. Neste momento, em Portugal não há uma política continuada e consolidada de apoio às estruturas e eventos culturais. E não é só através de financiamento central, mas também financiamento municipal. Ainda mais grave é o problema de volatilidade política - mudam-se os partidos que estão no governo central ou municipal e mudam-se radicalmente as apostas de apoio aos eventos culturais. Tenho pena e acho que não é um bom paradigma. Aliás, uma das grandes diferenças quando contacto com instituições no estrangeiro, com museus e com outros festivais é que, em primeiro lugar, não têm esta dependência do poder politico, não só em termos de liderança dos projectos, mas também do próprio financiamento. A PHotoEspaña tem 40 por cento de financiamento público. Foi uma coisa que eu defendi na LisboaPhoto, mas não consegui. Não conseguimos criar mecanismos e uma estrutura para poder autonomizar a LisboaPhoto da câmara.
A directora do PHotoEspaña, Claude Bussac, disse, no ano passado, que caso a Comunidade de Madrid retirasse o subsídio ao festival ele sobreviveria. É essa organização empresarial que procura a independência financeira que tem faltado aos festivais portugueses?
Não sei se em Portugal faltam empresas na área da gestão cultural. À partida parece-me que sim, mas, antes de chegarmos aí, os mecanismos e as estratégias de financiamento público às entidades culturais que desenvolvem projectos em Portugal têm de ser muito mais claras, muito mais rigorosas para que não se repitam todos os anos as polémicas com os apoios que aparecem nos jornais. Há uma permanente controvérsia em relação a estes domínios. É a eterna discussão em Portugal da subsídio-dependência. É um bocado como aquele jogo da cadeira: umas vezes sentam-se uns, outras vezes sentam-se outros, mas, no final, queixam-se todos do mesmo. É bizarro como os anos vão passando e os problemas vão permanecendo. É desconcertante.
O PHotoEspaña tem hoje uma marca que extravasa muito o domínio do festival. Como é que vê esta expansão do tipo “planeta PHotoEspaña” rumo a áreas como o ensino, a edição, a venda de livros e até mesmo uma espécie de franchising, com o PhotoGalicia e extensões além-fronteiras?
Foram os mecanismos que se encontraram para viabilizar o projecto. Muitas exposições envolvem uma logística administrativa e financeira brutal. A PHotoEspaña luta para que os projectos circulem para poder aumentar o retorno. O que o La Fabrica [organizador do festival] faz é uma coisa muito inteligente: olha para Madrid, percebe que tem um know-how extraordinário e que há áreas que não estão preenchidas. É uma cultura de projecto muito ambiciosa, muita atenta e inovadora.
Depois de uma edição onde houve uma espécie de “revisão da matéria dada”, o festival voltou a agrupar-se em torno de um tema genérico. Havia essa determinação antes dessa edição de pausa temática ou houve algum factor que implicasse esse regresso?
Houve nove edições que foram sequências de três comissários. Na 10ª edição decidiram que não haveria comissário, portanto se não havia comissário também não havia tema. Era um programa muito mais aberto com grandes nomes, e que seria sobretudo uma espécie de consagração, uma festa comunicacional do próprio festival, onde seria mais uma vez reforçado o estatuto da PHotoEspaña. Quando se volta a convidar um comissário para três edições, volta a haver um mote. Volta a haver um título para o programa oficial, ou pelo menos para uma parte do programa oficial.
Foi só isso, ou houve algum fracasso no PhotoEspaña do ano passado?
Não, não. Ficou claramente decidido que era um ano de interregno, de celebração e que, na 11ª edição, voltava-se ao mesmo formato.
E o tema? Foi proposto antes ou depois da sua nomeação para comissário?
Por acaso perguntaram-me que tipo de temas gostaria de desenvolver. E lembro-me que o Lugar foi um dos que apresentei logo. É um tema que tem toda a pertinência. Escolhi-o tendo em consideração o tipo de festival que é o PHotoEspaña. Foi preciso pensar um tema para um evento que é muito diversificado, que permitisse uma grande abertura. Tinha de ser um programa com uma forte matriz contemporânea, que fosse eclético, sobretudo porque a média da última edição foi de 600 mil visitantes, e esse número significa que houve centenas de tipologias de público. Tornou-se óbvio que tinha de ser um programa de que permitisse uma diversidade de exposições e de trabalhos e que permitisse várias portas de entrada para os vários tipos de público, essa foi logo o primeiro critério para a escolha do tema. Depois, era importante que fosse um tema relevante para a história da fotografia. E, se formos olhar para a história cultural moderna e contemporânea, a fotografia foi uma das práticas da imagem que deu atenção aos passos da experiência quotidiana, que reformulou ou reconfigurou a nossa percepção sobre os lugares onde vivemos, sobre a forma como percebemos a história através de realidades geográficas. Há muitos fotógrafos vinculados ao tema do Lugar. Podemos dar exemplos como o de Atget, em Paris, o de Victor Palla, no Lisboa, Cidade Triste e Alegre, em certos bairros de Lisboa, ou podemos pensar no Carlton Watkins, que é um fotógrafo que eu gosto muito, um fotógrafo que trabalha a descoberta do Oeste americano. Muitos dos fotógrafos mais importantes que nós conhecemos têm uma relação muito específica com os lugares porque tendencialmente os fotógrafos fotografam os lugares da sua experiência quotidiana. Esta recategorização da importância dos lugares é um fenómeno onde a fotografia teve um peso muito significativo. Por outro lado, o tema Lugar é um tema deste tempo. Não quero ter a pretensão de dizer que o tema permite repensar a vida contemporânea. Mas serve para reflectir sobre a globalização, o capitalismo pós-moderno, a homogeneização cultural, onde cada vez são menos perceptíveis as diferenças entre os lugares, e, ao mesmo tempo, a reacção a esse fenómeno com a afirmação das identidades locais. No fundo, mais do que um tema, o Lugar é um ponto de partida para discutir formas de praticar a fotografia hoje, extensões do fotográfico e grandes temas da actualidade.
Um dos statements do festival anuncia Lugar não como um conceito espacial e físico mas como um espaço vivido onde a experiência do fotógrafo tem uma importância fundamental. Pode aprofundar um pouco mais esta abordagem? Isto significa que a experiência de quem está por trás da câmara ganha mais protagonismo?
A noção de lugar tem sido muito debatida nas ciências sociais, na antropologia, na geografia e também na filosofia. Ela diferencia-se, por exemplo, da noção de espaço. O espaço, é uma noção que remete para dimensões muito mais abstractas - podemos medir um espaço, o espaço é mensurável, o lugar não. O lugar parte da ideia de espaços vividos, que têm história, que de alguma forma, enfatizam valores experienciais, emocionais, importantes. Ou seja, é uma geografia conotada em termos simbólicos, políticos e históricos. Por exemplo, acho que há um lugar - acho não, não tenho dúvida nenhuma - , que é paradigmático do século XX: Auschwitz. Podemos ir a Auschwitz e percebemos o espaço físico, mas a verdadeira percepção, o drama e a emotividade que podemos sentir ao visitar aquele lugar não decorre do reconhecimento das suas características físicas, mas sim da percepção que há uma história por detrás daquele espaço e que é tão mais pesada quanto a realidade física que está ali. O lugar é uma noção que permite um reencontro, um paradoxo e uma dialéctica entre uma imagem real e uma imagem mental. O Lugar fala destas contradições entre uma realidade física e uma realidade que é aparentemente invisível, mas que tem um peso muito significativo pela maneira como nós nos relacionamos com uma série de lugares.
Mas, o lugar do fotógrafo não é uma coisa que quisesse realçar?
O lugar do fotógrafo é importante porque muitas vezes percebemos que há lugares que decorrem de obsessões específicas dos fotógrafos. A exposição de Eugene Smith é uma homenagem a este programa. Ele não é propriamente conhecido como um fotógrafo do lugar, mas fala-nos de uma série de coisas muito importantes. Primeiro, criou a ideia de ensaio fotográfico, que acontece quando um fotógrafo decide trabalhar sobre um tema e concentra-se sobre esse tema durante um certo período. Há uma dimensão profundamente antropológica no método e na maneira como trabalhava. Outra noção muito importante em Eugene Smith parte desta premissa que é um truísmo: nós podemos dizer coisas melhores, mais justas sobre as coisas que conhecemos melhor. O relacionamento mais intenso que o fotógrafo tem com um lugar, com as pessoas, onde se sente a própria transpiração do lugar, é uma espécie de valor ético da prática fotográfica. A ideia de ensaio fotográfico neste programa do festival assinala outra coisa: em certo sentido, Eugene Smith foi praticamente o último dos fotorrepórteres. Hoje em dia, quase todos os jornais deixaram de publicar ensaios fotográficos, portfolios. Não há reportagens. E quando há, saem três fotografias, duas, uma, meia fotografia. Um trabalho onde predomina a fotografia é uma coisa muito rara hoje. Na imprensa portuguesa não existe. Havia algumas revistas que faziam isso, mas acabou. A ideia de ensaio fotográfico é um conceito que desapareceu do fotojornalismo e foi criado especificamente para pensar a relação, o valor informativo inerente a esta cumplicidade entre o fotógrafo e o seu assunto. Agora, os jornais não só não têm espaço para publicar portfolios, como nem têm dinheiro ou disposição para pagar a um fotógrafo para estar dois meses a fazer um trabalho. Desapareceu.
Foram feitas críticas em relação à pouca capacidade do PHotoEspaña de gerar exposições próprias e que isso transformaria o festival apenas num receptor de propostas que já tinham sido mostradas noutros sítios. Este ano, qual é a relação entre propostas já produzidas e propostas totalmente novas?
É muito simples: todas as exposições foram produzidas por nós. Não há uma única exposição que fosse recebida ou já produzida, nenhuma. Produzimos todas as exposições e em particular as exposições que têm um carácter histórico. Essas vêm de museus ou de fundações e foram feitas especificamente para o PHotoEspaña em função de objectivos curatoriais que eu defini e que outros comissários que eu também convidei também desenvolveram. Não há nenhuma “exposição-pacote”.
Acha que o PHotoEspaña já é um festival internacionalmente reconhecido como capaz de criar discurso e teoria sobre a imagem?
Acho que os festivais não são espaços para criar teoria sobre a imagem. Criam de uma forma pontual. A maneira como montei o programa não foi nesse sentido. Existem exposições concretas que tem uma leitura singular sobre determinado tipo de problemática da fotografia, mas, apesar disso, acho que as exposições não são espaços para a formulação teórica. Mas podem promover ou instigar esse contributo. Nos eventos em que estive envolvido, não quis que a teoria definisse a natureza do projecto. Isso seria transformar a exposição numa ilustração de uma teoria. Seria muito mais eficaz a desenvolver uma teoria se escrevesse um livro. Uma exposição baseia-se sobre aquilo que é a questão mais importante na produção no fenómeno artístico que é a relação emotiva do espectador perante uma obra. E aí a teoria por vezes vale, outras não vale, umas vezes ajuda, outras atrapalha. Ainda assim, a teoria está lá porque, se partirmos da ideia de Duchamp que diz que cada obra de arte é uma definição de arte, há artistas que têm obras tão singulares que, à sua medida, formulam uma teoria da imagem. Não acho que seja a função do comissário montar uma grande teoria sobre a imagem ou uma teoria sobre uma questão fundamental do nosso tempo. Pelo contrário, acho é que um programa tão eclético como o PHotoEspaña tem de ter a sensibilidade para mapear alguns desses contributos teóricos, algumas dessas direcções conceptuais. A função do programador é contextualizá-las e favorecer o seu entendimento.
O PHotoEspaña chama-se Festival Internacional de Fotografia e Artes Visuais. Há quem diga que as artes visuais nunca chegaram a entrar verdadeiramente na programação. Há outras artes visuais para além da fotografia na edição deste ano?
É difícil falar de uma crítica feita a edições anteriores. Nem sei quem a fez, nem sei a que edição em particular se estava a referir.
Mas posso dizer-lhe quem foi uma dessas pessoas: o crítico de fotografia do jornal El País, Alberto Martin. E referia-se a todas as outras edições do festival.
Temos um programa de artes visuais em que predomina o fotográfico. Há muitas exposições baseadas no vídeo, em produções de película, existem projecções, existe escultura...
Então há outras artes...
Há outras artes e há um ciclo de cinema que faz parte do meu programa, que é dedicado ao realizador de Taiwan Tsai Ming-Liang, escolhido especificamente para preencher uma área concreta do programa. O festival tem um historial relacionado com a fotografia, mas mais do que em fotografia estou interessado na ideia do fotográfico. E o fotográfico para mim tem a mesma relação com a fotografia que o teatral tem com o teatro, que o cinemático tem com o cinema ou que o escultórico tem com a escultura. O pictórico não cabe todo na pintura. Da mesma forma que na fotografia o fotográfico é praticado, pode ser praticado através da imagem em movimento, através de algum objecto escultórico. Acho que isso está presente no PHotoEspaña. Tive a preocupação de abranger um leque muito diversificado de tipologias de prática em vez de fazer uma espécie de enciclopédia, de descrever todas as categorias possíveis de prática fotográfica.
Concorda com a periodicidade anual ou preferia um festival de dois em dois anos como aconteceu enquanto esteve à frente do LisboaPHoto? Este periodicidade dá-lhe tempo para programar o que vem a seguir?
É possível. É tão possível que existe à onze anos. É óbvio que cria dificuldades, limita muito, por exemplo, projectos que requerem investigação. Uma dificuldade passa por desenvolver projectos com fotografia do século XIX porque tem de existir uma relação com as instituições. Os museus trabalham com calendários mais alargados e isso limita, mas não impede de maneira alguma que se elabore programas consistentes. A grande dificuldade - que eu e a organização sentimos na pele – é a intensidade de trabalho. Mas não cabe ao comissário dizer se é melhor num ano, dois anos ou três, o que é facto é que a forma de financiamento e de organização estão montadas para que seja anual.
E funciona...
...e funciona. Podemos dizer que, do ponto de vista do comissário, era preferível ser de dois em dois anos, mas para uma cidade como Madrid interessa que todos os anos haja um grande acontecimento dedicado à fotografia.
De quem foi a iniciativa de trazer o PHotoEspaña para Portugal?
A história é relativamente recente, tem alguns meses, mas eu confesso que já não nem me recordo quem foi a pessoa e o momento. Quando fui nomeado, algumas instituições
perguntaram se iríamos fazer exposições fora de Espanha, à semelhança do que aconteceu no ano passado em França, e se Portugal era uma hipótese. Ao mesmo tempo, pedimos ajuda às entidades portuguesas para apoiarem a participação de portugueses. É uma prática comum. Todos os grandes eventos fazem isso. Quando contactamos o Ministério da Economia e Inovação percebemos que havia disponibilidade para uma colaboração muito mais alargada. E inclui-se uma exposição dentro do projecto Allgarve. Falamos também com o director do Museu Colecção Berardo, Jean-François Chougnet, e houve abertura para colaborar. Quando começamos a discutir, a falar um pouco sobre as mútuas programações para este período, Maio e Junho, ele falou-me de uma exposição dedicada ao Le Corbusier. Dentro dos projectos que estava a desenvolver propus-lhe o projecto Utopia que foi a primeira inauguração do PHotoEspaña. Convidei o Paul Wombell para desenvolver esse projecto que se centra na herança da arquitectura modernista dos anos 50 e 60. Esta exposição estabelece um diálogo muito interessante com a retrospectiva do Corbusier. Este é um critério que me interessa muito desenvolver: fazer exposições que se enquadram. Surge mais uma vez a questão do lugar, com a natureza programática da instituição que vai receber o projecto.
De qualquer maneira estas exposições também servem para promover o festival cá...
Temos a participação de um artista espanhol, o Ignasi Aballí que estará no Algarve, e temos a participação de quatro portugueses no programa oficial em Espanha. O ministério ajuda a internacionalizar quatro artistas portugueses e ao mesmo tempo nós, a partir de Espanha, internacionalizamos um artista espanhol.
Não é estranho que não tenha havido aqui a mão do Ministério da Cultura? Nunca é referido...
O Instituto Camões também apoia uma parcela. Fomos ter com os institutos que normalmente são interlocutores para exposições exteriores e para a internacionalização de artistas portugueses. E o Instituto Camões é um desses interlocutores. Aliás, o que é normal é contactar a embaixada portuguesa que depois decide. Mas soube que o Ministério da Economia tinha apoiado uma exposição de um português no estrangeiro e fui imediatamente lá. Deduzi que o Ministério da Economia tivesse mais orçamento do que o Ministério da Cultura. Solicitamos um pedido, tivemos uma reunião e fomos discutindo formas de alargar a colaboração.
Houve algum tipo de pressão institucional, política ou corporativa para beneficiar este ou aquele artista durante o processo de escolha de exposições?
Não, nada. Houve propostas que me fizeram, recebemos imensas propostas. Aqui a pressão é relativa. Uns são mais insistentes, outros são mais subtis... Mas, não houve nenhum caso anormal.
Não houve nenhuma quota para a fotografia espanhola?
Não. Não utilizo o critério nacional como um critério válido de selecção de artistas. Não é um critério para mim. Como também não é critério o género. Estou interessado no trabalho fotográfico em si. É óbvio que ao trabalhar em Espanha uma das funções passa também por promover a produção fotográfica espanhola. Fiz o mesmo no LisboaPhoto. Mas não há quotas. Quando defini o programa pensei “como é que estão representados os fotógrafos espanhóis?”. Até porque temos de atrair público. Por exemplo, vamos expor Javier Vallhonrat, que é um fotógrafo muito conhecido em Espanha, é uma grande figura da fotografia espanhola, é óbvio que a exposição vai ter muito público, não só porque o trabalho tem qualidade, mas também porque há um imenso interesse sobre este fotógrafo. Sendo o festival em Madrid, faz todo o sentido promover a produção fotográfica de Espanha.
O facto de ser português beneficiou de alguma maneira a fotografia portuguesa no PHotoEspaña?
Beneficiou de uma maneira muito simples: as pessoas comissiariam a partir daquilo que conhecem e eu conheço melhor a fotografia portuguesa do que a fotografia finlandesa. Há inevitavelmente uma presença. Não sei se é muito forte, não fiz as contas. Tenho a ideia de que há mais fotógrafos americanos e alemães, por exemplo.
Mas, entre todas as edições esta é a que tem mais fotógrafos portugueses na secção oficial...
Sim. O que eu quero esclarecer é que não defini isso como um objectivo. Disse à PHotoEspaña que não seria uma espécie de embaixador da fotografia portuguesa. É normal que tivesse um interesse e uma certa propensão para privilegiar a fotografia portuguesa, sendo português e tendo estado envolvido com a fotografia portuguesa como tenho estado nos últimos anos. Até porque são fotógrafos que conheço bem, são fotógrafos que admiro.Tirando o Augusto, os outros são jovens artistas. A minha função também é promover jovens artistas no plano internacional e quer o Pedro Barateiro, quer o João Maria Gusmão e o Pedro Paiva cumpriam muito bem esse objectivo. Assim como o PHotoEspaña não convidou um comissário por ser português, também não convidei fotógrafos por serem portugueses. Convidei fotógrafos que são fotógrafos de qualidade e que preenchiam os requisitos e o perfil que eu tinha imaginado para o programa 2008.
Augusto Alves da Silva e Pedro Barateiro são dois dos fotógrafos portugueses na secção oficial. São de gerações diferentes e têm um percurso ligado à fotografia muito diferente. Por que é que os escolheu?
Estão na mesma colectiva que se chama Lugares Comprometidos. Topografia e Actualidade. É uma exposição que tem um carácter de tese dentro da estrutura do programa. Um dos géneros dentro da história da fotografia que mais próximo esteve da representação lugar foi obviamente a fotografia topográfica. É uma exposição que se molda dentro de géneros como a topografia, a paisagem, a arquitectura. E tenta desenvolver um olhar problematizador sobre a própria geografia e sobre a ideia de cartografia. Tenta trabalhar entre este paradoxo, esta dialéctica, que é muito real, dentro deste tipo de fotografia que que tanto documenta como, ao mesmo tempo, tenta denegar aquilo que documenta. O reconhecimento é apenas uma parcela de um trabalho de especulação sobre o assunto da imagem e onde, a partir de paisagens, dos temas mais variados, se podem questionar alguns dos fenómenos actuais. E isso é evidente na exposição em torno da guerra, dos problemas ecológicos. Por exemplo, a série do Augusto dos Açores, dos aviões, foi exposta no primeiro LisboaPhoto. Para além de ser uma, aquela fotografia é sobre um encontro e sobre uma base militar, mas que não está visível naquela paisagem idílica que é o que é mais evidente na série 3.16 do Augusto. O Pedro Barateiro utiliza um outro género de cartografia. Recorre a imagens aéreas da internet. Imprime-as, apropria-se delas e transforma-as em objectos que fazem lembrar os posters situacionistas do Maio de 68, em Paris. É uma série que se chama Psico-Geografias.
Vai ficar à frente do PHotoEspaña durante as próximas três edições. Não há o perigo de o festival se tornar demasiado monótono em torno de um projecto curatorial?
Não acho que haja esse perigo. Sempre dentro desta matriz eclética, vou querer que o programa de 2009 seja diferente. É natural que existam tonalidades que permanecem, porque é a mesma pessoa a fazer o programa. Não posso dizer que o programa de 2008 seja um programa de tendência, ele é bastante abrangente. Procurarei que haja pontos de interesse para todo o tipo de público, mas também há coisas que vou querer mudar.
Isso quer dizer que em 2009 e 2010 vamos ter programas mais de tendência e menos diversificados?
Não, não, eles vão continuar a ser programas diversificados estabelecendo como acontece em 2008 pontos que afirmam uma série de tendência. O modelo do PHotoEspaña está muito estabilizado, são muitas exposições. Para além disso, é muito difícil fazer uma exposição de tendência para 24 exposições, é muito difícil, e seria até um erro curatorial, seria aborrecido. Quando estava no início do trabalho no PHotoEspaña perguntei se o programa Off, das galerias, tinha alguma relação com o tema. E lembro-me que havia essa hipótese, mas acabou por não se impor. Pensei logo o que seriam 80 exposições sobre o tema lugar. Seria uma coisa entediante...
Foram traçados objectivos genéricos para a edição deste ano, como ultrapassar o número de visitantes do ano passado?
Não. A questão do público é importante, mas nunca me disseram para ter exposições populares no mau sentido. Um dos grandes desafios para um comissário passa por fazer exposições de muita qualidade para um público abrangente. Pensei também em termos geográficos e em termos de tipologia de exposições. Perguntei: onde é que posso e devo ter exposições que sejam mais atractivas para o público, e onde é que posso ter outras que são mais fechadas, mais complexas do ponto de vista do espectador? São muitas exposições e, a partir de determinada altura, uma pessoa começa a territoralizar. Quis que houvesse um contraste produtivo entre exposições, uma mais acessível e outra mais complexa.
Pensou numa geografia de exposições?
Claro, claro, tive isso muito em conta.
Qual é a exposição ideal para começar a ver o PHotoEspaña?
Depende do público.
Mas, em função do tema Lugar, qual seria a melhor exposição?
Vou sugerir duas grandes figuras, de dois tempos distintos: a exposição de Eugene Smith e a de Thomas Demand. Mas que fique claro que para mim não são necessariamente as duas melhores, as mais importantes ou exposições pelas quais tenho mais carinho. Quando se programa para diferentes tipos de espaços, tem-se estimas muito equivalentes entre exposições feitas para grandes museus, com grandes orçamentos, e exposições projectadas para espaços com muitas dificuldades logísticas, com jovens artistas. Tenho um prazer e uma satisfação imensa com exposições que têm um impacto público muito diferenciado.
(Público, P2, 1.06.2008)
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