26 novembro, 2007

  flor




O Centro Português de Fotografia acaba de inaugurar novas exposições no edifício da Cadeia da Relação. Uma delas reveste-se de particular interese e importância - a retrospectiva da mexicana Flor Garduño. Maria do Carmo Serén escreve sobre Testemunhos do Tempo o seguinte:

Quando vemos uma retrospectiva como esta de Flor Garduño, - a sua interpretação do difícil processo de apaziguamento do mundo e do homem no rizoma do sagrado que é a América Latina que bordeja o Pacífico, - evocamos os deuses terríveis que figuravam nos seus diversos nomes: o Sol que brilha e resplandece e que, porque todas as noites morre, no mar e no fim do dia se vinga, como Jaguar ou sombra sedenta de vida, exigindo, para renascer, o mar de sangue guardado nos vasos quiché do jaguar da Guatemala, nos Chacmoll dos Toltecas e de tantas civilizações que continuam a espantar-nos. Vemos, ainda, as imponentes pirâmides onde serpenteia o Sol nascente ou poente, manchadas de sangue pelos sacrifícios de milhares de vidas, um rio de sombras e rituais de expiação, desde o México ao Peru, em imensas avenidas da morte ou na pedra entranhada de uma vegetação enganosa.
O animismo é uma fé pertinaz, está tanto nos esqueletos que abrem boca nas representações ou nos doces da Semana Santa, nos ídolos e nas huacas velhas e novas, na água benta de todas as religiões, nas nossas crenças de um quotidiano espesso do que aquilo em que acreditamos. Aqui, nestas imagens a preto e branco de Flor Garduño, que o sente, (porque, afinal, foi assistente de Manuel Álvarez Bravo), concentra-se um dos mais impressionantes testemunhos da ligação mítica do sagrado e do profano, da perene tentativa do homem em jogar contra o destino. É com imagens suas que o mundo revê muito do sentido da cultura mexicana e da sensibilidade mítica de todos nós. O que Flor Garduño nos diz é que os rituais se inscrevem no corpo, e que, para se controlar o inominável todas as actualizações são necessárias, um Santiago Mata-Mouros, as velas de cera, uma huaca ou um Hermes de pedra solta ou caiada, um padre ou um curandeiro adivinho, uma libação sagrada ou uma procissão no caminho de poeira seca. Seja no “Bestiário”, em “A Água”, nas “Sombras e Metáforas” ou naquelas fotografias portuguesas de 1995, Flor Garduño mostra-nos que a Poesia é, ainda o outro lado do sagrado e do quotidiano de todos os medos e jubilações; no “Sixto” de la Paz, no “Músico en la Nada”!, no “Umbral de Incienso”, no “Regresso à terra”, naquele cenário trágico de “Taita Marcos”, naquela “Arbol de la vida” que angustia e que protege. Porque manter o equilíbrio do cosmos é, ainda, o papel que os deuses nos deixaram e onde se esconde a dívida do sentido de existir.


Testemunhos do Tempo, de Flor Garduño
Centro Português de Fotografia
Campo Mártires da Pátria, Porto
Tel.: 222 076 310
E-mail: email@cpf.pt
De ter. a sex., das 10h00 às 12h30, das 15h00 às 18h00; sáb., dom e fer., das 15h00 às 19h00.
Entrada livre
Até 16 de Março

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