29 setembro, 2007

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(© Andrees Latif/ Reuters)

Não é claro, nem nas fotografias nem no vídeo divulgados pelas agências internacionais, se foi o soldado birmanês mais próximo do jornalista Kenji Nagai a fazer o disparo que lhe tirou a vida quando trabalhava a cobrir as manifestações pro-democracia em Rangum. Acontece que a fotografia da Reuters que mostra o repórter nipónico estendido no chão com um militar de metralhadora em punho era demasiado apetecível para não se fazerem todo o tipo de adornos à sua volta.
Em todas as guerras, em todos os conflitos e em todas as revoluções os media esfalfam-se para encontrar uma imagem que condense o turbilhão de acontecimentos, uma imagem que fique como ícone desse lapso na marcha do tempo. Essa busca é de tal maneira voraz que muitas vezes se cometem todo o tipo de atropelos, principalmente o da falta à verdade. E não é só a dúvida em relação ao autor do disparo mortal que muitos atribuíram ao militar que corre de chinelos mesmo ali ao lado. Títulos bem respeitados (El País, Corriere della Sera) não hesitaram em escrever que Kenji Nagai mesmo no chão, em agonia, não parou de tirar fotografias ou filmar o que se passava à sua volta. Pelo que se consegue perceber do vídeo, o impacto do disparo fez com que Nagai tombasse de costas. O jornalista esbraceja depois instintivamente como quem pede ajuda. Daí a dizer que estava a tirar fotografias milésimos de segundo antes de morrer vai uma enorme distância.

5 comentários:

Antonio Correia disse...

Mais um crime impune !

Cláudia* disse...

Impressionante o que diz sobre esta imagem!
E o que se está a passar não importa?
Que interessa se foi aquele ou outro militar a disparar sobre o fotógrafo? Que interessa se o fotógrafo estava a fotografar ou não estava? Que interessa a verdade aqui? Que interessam as perspectivas dos diversos meios de comunicação?
Claro que a imagem será um ícone do que se está a passar, porque ilustra a presença de um mundo preocupado com atrocidades incompreensíveis, de um mundo que não sabe o que há de fazer para parar tanto sofrimento, de um mundo que sofre profundamente com a sua impotência para lidar com acções desta natureza, tristemente humanas...
Pena não falar na coragem dos fotojornalistas, na sua importante missão em nos revelar a todos estas histórias que não queremos ouvir, nem ver... Pena não falar na coragem e na determinação dos monges budistas, e da população que a eles se associou, em nome da paz e da dignidade humana...

Anónimo disse...

o problema focado pelo jornalista parece-me ser outro: o da utilzação do sofrimento como propaganda. se as palavras enganam as imagens ainda enganam, ou podem enganar, muito mais.uma imagem do sofrimento dos outros é sempre uma forma de idolatria. uma pessoa julga estar a sentir o que o outro sente e tem um prazer nessa identificação por completra ilusória.

Unknown disse...

Compreendo o comentário da Cláudia.

A morte de Kenji Nagai importa. Importa-me.
Importa o que se está a passar na Birmânia.
Importa a coragem dos fotojornalistas. E também a dos monges budistas e da população que se associou à sua causa. Mas não era sobre eles que queria falar. Nem sobre a ditadura da junta militar. Nem sobre a tragédia da morte de Nagai.

Até as imagens mais aterradoras, como esta, podem ser alvo de reflexões não directamente relacionadas com a justiça das causas que reflectem ou a intensidade dos dramas que mostram. As fotografias não são terreno do sagrado, do indizível ou do intocável. E podemos olhar para elas sob os mais variados pontos de vista. O que pretendi, com o post em causa, foi ilustrar a maneira precipitada e enganadora como muitas vezes nos são servidas as fotografias. Há milhões de outras sensibilidades, outras maneiras de olhar para esta imagem. Escolhi uma – a do exagero mediático. Porque, para além de me chocar esta morte, choca-me esse exercício de fantasia à sua volta.

Esta fotografia não precisa de grandes legendas, nem muitas explicações. O facto é que se sabe muito pouco e muito poucos podem dizer alguma coisa sobre o momento em que foi feita. E esse desconhecimento causa-nos um tal desconforto que somos levados a efabular sobre ela. Parece que já não estamos preparados para não saber. Para engolirmos o desconhecido.

Tiago R. disse...

Não há exercício mais saudável do que reflectir sobre nós próprios e sobre a lógica e consequências das nossas acções.
E é tão raro ver os jornalistas a fazê-lo que textos como este estão, têm de estar, impregnados de uma decidida coragem de fazer rupturas.
Parabéns Sérgio!

Em relação ao que Cláudia disse: "Que interessa a verdade aqui?":
Numa situação tão dramática como esta, a verdade não pode ser a primeira vítima. Escrevermos a verdade sobre a morte de Kenji Nagai é a única homenagem que podemos fazer ao seu sacrifício.

 
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