28 agosto, 2007

rever o nu

Spencer Tunick fotografa no glaciar de Aletsch
(© AFP)

Parte da última crónica de Eduardo Cintra Torres no Público (Imagens a nu) fala do mais recente happening fotográfico idealizado por Spencer Tunick no glaciar de Aletsch, na Suíça.

O crítico de televisão denuncia a falta de novidade destas grandes esculturas humanas sem roupa e refere a inexistência de fotografias do próprio Tunick sempre que as notícias nos diversos suportes falam de alguma das suas criações artísticas. Ou seja, as imagens que acompanham o noticiário sobre as movimentações do fotógrafo americano pelo mundo são da autoria de fotojornalistas e operadores de câmara de agências internacionais e nunca de quem concebeu, preparou e concretizou a imagem primeira que esteve na origem desse noticiário.

Cintra Torres acha isto "curioso". Eu acho normal.

Normal porque a notícia, para a esmagadora maioria dos media, é a conjungação simultânea dos factores "multidão", "nu" e "espaço público", como o próprio Eduardo enumera no texto e aos quais eu acrescento os factores "insólito" e "desconforto". Tudo dentro do saco da arte, caso contrário dificilmente a mega concentração de pêlos púbicos entraria na televisão à hora de jantar.

A notícia não é a fotografia ou as fotografias de Tunick como processo criativo ou como objecto de arte, até porque aí, goste-se mais ou menos, não há grande novidade, como o crítico também nota e documenta. A notícia não é a fotografia de Tunick - eventualmente vendida em galerias de Nova Iorque ou Londres sem que antes alguém lhe ponha a vista em cima -, mas a concretização de uma ideia bizarra que tem como um dos ingrediente a nudez colectiva.

Parece-me claro que é esta mole de carne em pose estudada que espicaça os media e não o génio criativo de Tunick. Ou alguém está a ver os pivôs do Jornal da Noite da TVI a lançarem uma peça sobre o conceito de nudez na tradição judaico-cristã e sua influência na dessacralização do corpo em Spencer Tunick?

(A crónica de Eduardo Cintra Torres está aqui.)

Spencer Tunick fotografa no glaciar de Aletsch
(© Laurent Gillieron/EFE)

4 comentários:

Lálica disse...

.. uma questão pertinente.

Fernanda Valente disse...

Vou dar um contributo a este seu post:

http://dapolitica.blogspot.com/2007/08/arte-de-fotografar-multides-nuas.html

Anónimo disse...

Primeiro, parabéns pelo blogue. É bom que se alarguem os fora em que se analisam as imagens.
Segundo, o que pretendi com o meu artigo foi suscitar o debate sobre as instalações Tunick. Interessou-me não só o interesse dos media por elas (e naturalmente que é pelo insólito da apresentação da dupla multidão+nudez), mas também os motivos de Tunick para esta iniciativa que parece uma obsessão (artística, mas uma obsessão).
Terceiro, quis fazer um tríptico! Como só sei escrever, a única maneira era roubar, plagiar, sacar, tirar, copiar... a outros para poder criar a minha própria «obra»... Raramente os artigos são dependentes das imagens, mas neste caso o artigo só podia sair com a imagem tríptica que me sugeriu a lembrança de outras multidões nuas que vi em exposições ou livros de arte.

Unknown disse...

Agradeço ao Eduardo as achegas sobre o seu primeiro texto.
De vez em quando convém mesmo parar para pensar nas imagens que nos metem pelos olhos dentro. E tentar desmistificar a aura de génio com que muitas vezes se apresentam ideias que mais não são que reposições sensaboronas de coisas já feitas e experimentadas, às vezes com algum génio outras sem nenhum.
É bom também poder contar com o olhar, a curiosidade e a cultura de outros na tarefa de deslindar e redescobrir o que nos rodeia no campo das imagens.

 
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