27 outubro, 2006

O Livro filmado

Exemplar do livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre


Eles apanharam com grande sensibilidade e amor, as pessoas, as ruas e as coisas nos anos de chumbo, que eram aqueles.

Fernando Lopes


Preparava-me para escolher alguns documentários que tinha perdido no docLisboa deste ano quando um conjunto de quatro pequenos cartazes fixados na parede da videoteca temporária da Culturgest me prendeu o olhar. Gostei do grafismo. Aproximei-me. Um mostrava o rosto de uma criança, os outros três transcreviam frases sobre uma realização extraordinária "durante os anos de chumbo". Letras pequenas de rodapé falavam de Lisboa, Cidade Triste e Alegre.
Era um filme sobre O Livro. O Livro de fotografia com o qual, em 1959, os arquitectos Victor Palla e Costa Martins quebraram as regras do fazer e do mostrar nesses anos de definhamento. O documentário está entre os cerca de 800 filmes não seleccionados pela organização do festival. Depois de vê-lo aceita-se a decisão. Durante os 44 minutos que dura a fita, raramente se pode contemplar aquilo que realmente aqui interessaria: as fotografias. Um dos culpados é a banda sonora, um jazz frenético (mal escolhido) cuja cadência rítmica vai ditando a passagem das imagens, também ela demasiado febril. As vozes convidadas para a narração não ajudam. Há nelas uma leitura apressada dos textos que faz lembrar a previsão do tempo para amanhã. A lista de entrevistados é longa (20, para um filme que ficou com 44 minutos). Poucos são os depoimentos com algum valor acrescentado para o documentário que, segundo percebi, pretendia, por um lado, sublinhar a pedrada no charco que a obra representou no contexto político, social e artístico do Portugal domesticado pelo regime salazarista e, por outro, tentar conhecer estes dois homens que ousaram estampar fotografias de uma Lisboa que se queria escondida. No fim, distinguem-se as conversas com José Soudo, Dália Dias, Fernando Lopes e Nuno Teotónio Pereira. Para além dos cartazes e do grafismo do filme, salva-se a iniciativa de querer divulgar uma obra pouco conhecida para o comum dos portugueses (muito conhecida para os mercadores de livros de arte). É pouco. Lisboa, Cidade Triste e Alegre merecia mais.

Lisboa, Cidade Triste e Alegre, de Luís Camanho
DVCAM/Cor/44'/2005

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