04 novembro, 2013

luísa cunha


© Luísa Cunha


Horizonte e Limite
(Nuno Crespo, ípsilon, 01.11.2013)

Estar na paisagem sempre foi uma experiência que pôs em movimento muitos processos criativos, não só por motivos estéticos, mas também pela "potência artística" da experiência de imersão numa qualquer geografia natural ou urbana. São conhecidos os passeios românticos, o Wandern, as deambulações modernas e o modo como foram para muitas gerações de artistas verdadeiros modelos de prática artística. As duas experiências partilham uma mesma característica, que é a da fusão com o objecto da visão: ser um todo com o que se observa, partilhar as suas perplexidades, ser indissociável do que se vê. Só que no caso dos românticos essa experiência dirige-se à transcendência e, por isso, à sua própria superação, e ao invisível expresso na paisagem visível mas para lá do visível, enquanto no caso dos modernos (pense-se no pintor moderno de Baudelaire ou no Malte Laudris Brigge de Rilke) é nas próprias coisas que se quer permanecer: bem no centro de cada coisa, na sua interioridade.

A nova série de fotografias de Luísa Cunha é um caso notável deste encontro. A artista junta os aspectos mais decisivos daquelas duas modalidades de perder-se no exterior e consegue construir uma obra em que a paisagem é mais uma suposição do que uma existência real. Já em obras anteriores tinha explorado a acção de andar pela cidade como forma de conhecer um território e de medir o tempo, mas também lidado com a paisagem natural. Aliás, está no centro do trabalho desta artista, conhecida por usar o som e a palavra dita ou escrita, um modo particular de perceber o espaço e de nele encontrar uma posição para o seu corpo.

Nesta nova série de fotografias não há propriamente cidade ou natureza, mas há um permanente deslocamento de toda a representação em direcção a uma espécie de abstracção do corpo que percorre a paisagem e a um apagamento dos elementos visuais que ocupam o horizonte. Por isso, nestes trabalhos, o confronto principal é com o cinzento e com a ausência de elementos pictóricos que possibilitem organizar a imagem e construir o horizonte. São fotografias que podem, com rigor, ser descritas como abstractas e monocromáticas, sem com isso anular as múltiplas tensões que as percorrem, sobretudo por a sua visualidade residir na relação imediata que estabelecem com a acção que lhes deu origem. Ou seja, são obras que apresentam e expressam o seu próprio processo. E este processo é o gesto de olhar em volta, voltando-se sobre si próprio com os olhos fixos no céu, na tentativa de desenhar o horizonte. Tarefa dificultada por se tratar de um conjunto de imagens feitas na ilha da Madeira e, por isso, onde o horizonte, de tão vasto, deixa de significar uma relação com a infinitude, a lonjura e o indeterminado, para passar a significar uma relação com o fechamento, a clausura, a claustrofobia. Sendo uma experiência física de confronto com o mar, o céu e o momento em que estes se fundem, não há aqui mais mar e céu, mas uma única coisa que se fecha sobre quem a vê e o encerra numa espécie de exílio terrestre. Um jogo entre a experiência do horizonte e a sua ausência, transformada em clausura, que as imagens da artista tomam como sendo a sua vocação. Trata-se de apontar a câmara para o horizonte e procurar o ponto ínfimo em que a terra, o mar e o céu se tocam e perceber fundamentalmente a ausência de elementos de orientação e de condução da atenção, experimentando com toda a intensidade a falência da visão e a dissipação da atenção: por mais que se olhe, não há onde pousar a visão.

Claramente, estes trabalhos fazem parte do vocabulário característico de Luísa Cunha, não só por a fotografia não ser uma ferramenta estranha a esse corpo de trabalho, mas porque, à semelhança de muitas das suas obras, a sua tentativa é a da descrição rigorosa, paciente, atenta do que a rodeia e do modo como o seu corpo mede a exterioridade, o espaço, as coisas. E, por isso, há uma espécie de cinematografia inerente à experiência destas obras e que é revelada não só pela circularidade das imagens, mas pela sua colocação na galeria à altura dos olhos, como que a construir um panorama ou, se se preferir, uma visão sinóptica da relação entre o limite e o ilimitado do horizonte.



Ongoing Landscapes, de Luísa Cunha
Galeria Miguel Nabinho. Lisboa. Rua Tenente Ferreira Durão, 18B.
Tel.: 213830834. 3ª a Sáb. das 14h às 20h.
Até 31/12


© Luísa Cunha

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