13 outubro, 2013

O reencontro

Da série The Julie Project, Julie, 2010
© Darcy Padilla

O reencontro
(Revista 2Público, 2.06.2013)

Eu ia em direcção às abstracções frias de Hiroshi Sugimoto e ela regressava ao calor de Arles. Preparava-me para ver como eram esses mares nocturnos de horizontes verticais numa das exposições dos Encontros de Fotografia que tenta convencer-nos de que o preto e branco não está morto. E que há quem queira continuar a criar com ele. A camisa colava-se às costas e eu já suplicava por um ar condicionado quando ela me disse que não valia a pena continuar a andar. A tarde tinha começado. Era o período em que Arles, Sul de França, entra num estado de sonolência, fotografia incluída - uma pausa para fugir do calor, para deixar de ver e de pensar. Olhei para a entrada desiludido por ter batido com o nariz na porta. E ela, num gesto de reconforto, disse que valia a pena regressar mais tarde à penumbra das fotografias de Sugimoto. Dei meia volta e rumamos à inclemência do Sol.
Enquanto atravessávamos um pequeno jardim que deslumbrou Vincent van Gogh, trocámos meia dúzia de frases de circunstância e revelámos ao que vínhamos a Arles. Disse-me que era fotógrafa e que orientava um workshop. E eu, por uma razão parva qualquer, não lhe perguntei logo o nome. Só nos apresentámos quando chegou o momento de caminharmos em direcções opostas. "Darcy Padilla, prazer em conhecer-te". E fomos embora. Fiquei com aquele nome a dançar na cabeça. Sabia que já me tinha cruzado com ele. Pedi ajuda ao Google e descobri que, afinal, Darcy já tinha estado comigo... através das suas fotografias.
Há uns meses descobri o enorme talento que vive dentro de si e que aplicou no extraordinário ensaio The Julie Project, um trabalho que começou em 1993 com a vontade de mostrar como é que uma mulher pobre convivia e lutava com a sida nos EUA. Um trabalho que durou 18 anos e que terminou em Setembro de 2010, com a morte de Julie. Com ele, Darcy quis mostrar as falácias dos discursos acerca dos sistemas de saúde, da pobreza, da sida, dos abusos sexuais, drogas e álcool. The Julie Project mostra como se podem tornar tortuosos os caminhos da vida. Mostra como se pode morrer despojado de quase tudo menos da amizade.
Antes de nos termos despedido, gostava de ter dito a Darcy como admiro a perseverança, a lucidez, a honestidade e a coragem da caminhada que decidiu levar a cabo com Julie. Gostava de lhe ter dito como é importante que as suas fotografias existam. Gostava de lhe ter dito como me emocionaram. Gostava de lhe ter dito que apesar de não ter conseguido relacionar de imediato o seu nome com as suas fotografias, as suas fotografias nunca as esquecerei.

Da série The Julie Project, Julie, 2010
© Darcy Padilla

1 comentário:

Paulo Pinto disse...

Uau!!!
Ainda no outro dia lhe enviei um email.
Queria-lhe agradecer pelo seu trabalho e dizer-lhe que
o "Julie Project" foi o trabalho mais forte que vi na minha vida.
Passados uns dias respondeu-me muito humilde e simpática.
Grande fotógrafa e grande mulher!

 
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